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Influências do homem branco são desastrosas para os xavantes

Gazeta de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Janã Pinheiro
01 de Set de 2002

A influência do homem branco nos hábitos alimentares dos índios xavantes vem trazendo consequências desastrosas. Na aldeia da localidade de Sangradouro, cerca de 30% dos homens e mulheres, nas mais diferentes faixas etárias, têm diabetes.

A mudança da dieta não trouxe apenas uma doença desconhecida entre eles como atingiu diretamente a biologia dos xavantes. Hoje eles são mais baixos e mais obesos do que eram há 50 anos, quando a vida da aldeia começou a sofrer interferências externas.

"A dieta deles mudou muito. Antes eles não consumiam açúcar, gorduras saturadas, leite, trigo, pão, arroz, macarrão... isso não existia no cardápio dos índios. Sua alimentação era à base de peixe e carne de caça. Comiam muita mandioca, que é rica em carboidrato saudável", explica o médico oncologista Guilherme Bezerra.

Ele diz que é contra os projetos que fomentam a agricultura nas aldeias. "Isso está errado. Eles nunca precisaram disso para viver, sempre se alimentaram, e muito bem, sem ter que plantar arroz ou criar gado. As pessoas querem que o índio cultive, acham que eles são preguiçosos, eles não são nada disso. O índio brasileiro é um patrimônio fabuloso. É preciso mantê-lo na sua integridade", destaca o médico.

Bezerra ressalta que os xavantes têm um dos menores índices de alcoolismo registrados entre os índios do Brasil e uma baixa taxa de mortalidade infantil. Em todo país, esta etnia soma cerca de 12 mil índios. Os índios de Sangradouro chegaram no local, há mais de cinco décadas, depois de passarem pelos estados de São Paulo e Goiás.

Paixão pelas etnias cresce por meio da saúde pública

A paixão por estudar biologicamente os índios surgiu em 1980, quando o médico oncologista, Guilherme Bezerra, começou a atuar na profissão.

Nascido em Cuiabá, ele foi cursar medicina em São Paulo. Depois de formado, retornou à capital para exercer sua profissão. Começou a trabalhar no Instituto de Especialidades Médicas, na avenida da Prainha. "Neste local vinham muitos índios para fazer tratamento, só que ninguém queria saber de atendê-los. Sempre sobrava para mim, o que, na minha avaliação, foi muito bom, porque passei a conhecê-los, respeitá-los e admirá-los. Aprendi e ainda tenho muito o que aprender com eles", destaca.

Mesmo com tanto tempo de trabalho com índios, para realizar a pesquisa na aldeia dos xavantes o médico precisou ter autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério da Saúde e dos próprios índios.

"Foi uma longa negociação com o cacique e com o conselho da aldeia. Foi preciso explicar o porquê da pesquisa. Depois disso, tive que conseguir a autorização de cada índia. Todas elas assinaram um termo, no qual concordavam em doar uma mostra de sangue para a pesquisa. Não foi fácil, mas valeu a pena", comemora.

Como contrapartida, o Nutec paga um médico que vai, uma vez por semana, na aldeia, prestar assistência aos índios. "Nós também fornecemos medicamentos", afirma Bezerra.

Na aldeia dos xavantes, na localidade de Sangradouro, vivem hoje cerca de mil índios. A etnia é um das mais consolidadas do país e que apresenta um dos menores índices de miscigenação.

Pesquisa chega perto da cura

Oncologista Guilherme Bezerra, de Cuiabá, verifica que índias brasileiras são protegidas contra o mal

Uma pesquisa inédita, realizada em Mato Grosso, deixou o mundo científico perplexo. Os resultados do estudo revelam que índias brasileiras, sem miscigenação, não são suscetíveis ao câncer de mama. É o único grupo do planeta que não apresenta essa doença, que só no Brasil, mata, por ano, cerca de nove mil mulheres, sendo a terceira causa de morte por câncer no país.

A pesquisa foi realizada pelo médico oncologista Guilherme Bezerra, 47 anos, 22 de profissão. O grupo pesquisado foram as índias da etnia xavante, da localidade de Sangradouro, próximo ao município de Primavera do Leste, a 192 quilômetros de Cuiabá.

O estudo, que teve início há dois anos, foi totalmente realizado em Cuiabá, no laboratório de Biologia Molecular, do Núcleo de Terapia Especializada em Cancerologia (Nutec), do Hospital Santa Rosa.

Nas amostras de sangue analisadas, em laboratório, o médico observou algo que a ciência julgava não existir: foi constatada a presença de um polimorfismo nos cromossomos das índias, ou seja, uma alteração idêntica numa sequência de DNA, em todas elas. "É como se todas as índias do Brasil tivessem num dedo da mão uma digital idêntica", exemplifica o médico, para facilitar o entendimento.

Este polimorfismo pode ser o fator que impede as índias de ter câncer de mama. Isto ainda será estudado. Segundo o médico, essa alteração na sequência do DNA pode ter sido configurada durante 10 mil anos de comportamento próprio dos índios.

Esse comportamento inclui a dieta alimentar. "Há cerca de 50 anos, os índios, por influência do homem branco, mudaram seus hábitos alimentares. Eles sempre tiveram uma alimentação muito saudável. Não consumiam leite, trigo, arroz, sua dieta era rica em carboidrato bom, principalmente a mandioca", explica.

De acordo com ele, o fato das índias não consumirem leite animal pode ter contribuído para que o câncer de mama não se manifestasse nelas. "Pesquisas no mundo inteiro apontam que o leite animal provoca câncer. Isso causa espanto nas pessoas, o mesmo ocorreu quando cientistas falaram que o cigarro e a reposição hormonal causam câncer", diz.

O resultado da pesquisa interessou cientistas do mundo inteiro. "É incrível a quantidade de e-mails que eu recebo, todos os dias", conta Bezerra.

Para realizar a pesquisa, ele teve que passar pela avaliação do Conselho Nacional de Ética Médica. "É preciso ter muito cuidado, pois estamos falando de um patrimônio humano com valor imensurável", diz ele.

Descoberta inédita abre opções para tratamento

Além da descoberta do oncologista Guilherme Bezerra ser um fato inédito no mundo, ela abre um leque de opções para o tratamento do câncer de mama.

"Baseado nos resultados da pesquisa, podemos estudar como investir na prevenção. Hoje se fala muito em detectar o câncer de mama o mais cedo possível, para fazer o tratamento, mas não se fala em prevenção. É neste ponto que devemos investir. Baseado no histórico dos índios, no seu modo de vida, seu comportamento, na sua dieta, podemos encontrar as respostas que podem nos auxiliar na prevenção que tanto procuramos", acredita Bezerra. Ele diz que pode até parecer sonho, mas esta pesquisa pode ser um primeiro passo para que no futuro se descubra uma vacina contra este tipo de câncer. "Quando isto acontecer será maravilhoso".

Sangue - Além de descobrir que nenhuma índia brasileira tem câncer de mama, o oncologista fez outra constatação que surpreendeu os cientistas: todos os índios do Brasil, sem miscigenação, têm o mesmo tipo sanguíneo, O+, é o único grupo no mundo que tem a mesma tipagem sanguínea.

"São 300 mil índios com o mesmo tipo de sangue. Isso só existe aqui no Brasil. É uma coisa fantástica. Nossos índios são biologicamente perfeitos. Isso é maravilhoso", diz entusiasmado.

Segundo ele, essa contestação foi feita na sua rotina de trabalho. "Comecei a checar o que era uma suspeita e constatei algo inédito", destaca.

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