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Índios Xikrin têm plano para manejo sustentável de floresta

Tribuna da Imprensa
16 de Jun de 1995

Índios Xikrin têm plano para manejo sustentável de floresta

Técnicos do Instituto Socioambiental de São Paulo e membros do povo Xikrin do Cateté- um subgrupo caiapó - apresentaram esta semana ao ministro da Justiça, Nélson Jobim, o primeiro plano de manejo sustentável de recursos madeireiros em reserva indígena. O projeto será desenvolvido na área indígena Xikrin do Rio Cateté, no Município de Paranauapeba, sul do Estado do Pará. A reserva, onde vivem 517 índios, tem mais de 439 mil hectares e está cercada por fazendas de gado que substituíram a mata.

Cópias do plano foram entregues ao presidente da Funai, Dinarte Nobre de Madeiro. em Brasília, e na sede regional do Ibama, em Belém, Pará, onde o plano deve passar por uma avaliação técnica antes de receber autorização para ser implantado. O plano também foi apresentado ao presidente do Ibama, Raul Jungmann. e ao ministro do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, Gustavo Krause.

A antropóloga Isabelle Giannini, do Instituto Socioambiental de São Paulo, disse que dependendo da autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o manejo da floresta começará ainda este mês. Isabelle espera que a autorização do Ibama Belém (para o início do plano de manejo) seja dado o mais rápido possível já que existe uni período certo para a execução do plano, é a da seca na região, de junho a outubro.

A área dos índios Xikrin está demarcada desde 1981 e em 1991 foi homologada pelo governo federal. A partir de 1989, a exploração do mogno pelas madeireiros, feita através de contratos entre as madeireiras e os Xikrin, quase destruiu a reserva, provocou desestruturação social, danos ambientais e maior incidência de doenças. Em cinco anos, as madeireiras abriram mais de 400 quilômetros de estradas ilegais para escoar madeira, principalmente mogno.

Em 1992. a comunidade indígena de Xikrin do Cateté expulsou as madeireiras e junto com o Instituto Socioambiental de São Paulo e o Instituto do Meio Ambiente do Pará começaram a estudar um plano alternativo de exploração da floresta. O projeto introduz no Brasil técnicas (te manejo sustentável de florestas nativas usadas em outros países tropicais, como a Costa Rica.

O plano foi elaborado a partir de um inventário florestal feito na área para mapear sua cobertura vegetal e avaliar seu potencial madeireiro. O manejo prevê a utilização econômica da madeira nobre em apenas 10% do território indígena, durante um período mínimo de 30 anos. Serão exploradas pelo sistema de rodízio faixas de terra equivalente a mil ou 1.5(X) hectares. A produção estimada é de 4 mil metros cúbicos por ano.

Técnicos e engenheiros florestais da Esalq/USP (Faculdade de Agronomia da Universidade de São Paulo) colaboraram na elaboração do plano. A exploração, comercialização e administração do dinheiro obtido com a venda de madeira será feita pela Associação Bep-Noi, que reúne a comunidade Xikrin. "Se for bem sucedida a iniciativa poderá ser implantada nas outras área indígenas da região', disse Isabelle. Antes do corte, será preciso preparar a exploração, com o corte dos cipós, a marcação das árvores, reduzindo o impacto ambiental.

Como os índios não têm conhecimento na atividade madeireira, o Instituto Socioambiental vai usar a tecnologia desenvolvida experimentalmente pelo Instituto do Meio Ambiente do Pará. O projeto prevê a capacitação dos índios em cinco anos. A elaboração do plano teve um custo de R$ 20 mil reais, segundo Isabelle, divididos igualmente entre o governo e empresa Vale do Rio Doce, com quem os Xikrin têm um convênio de cooperação.

Madeireiras exploraram área predatoriamente

Como as demais comunidades indígenas pertencentes ao tronco lingüístico Gê, os Xikrin do Cateté não se mimetizam integralmente e reagem bem ao confronto com outras comunidades indígenas e não-indígenas. Mesmo assim, de 1976 a 1989, as madeireiras invadiram a área Xikrin e exploravam madeira clandestinamente. De 89 a 91, a comunidade firmou unia série de contratos com grandes madeireiras de Belém para a exploração de mogno, a mais cobiçada das madeiras, chamada de "ouro verde das terras dos índios". Em 92, os contratos foram rompidos e as lideranças Xikrin entraram corri processo contra as madeireiras.

Segundo uni dos contratos, ao qual o Instituto Socioambiental teve acesso, os índios recebiam de US$ 50 a US$ 80 por tronco de mogno que era revendido em Belém por US$ 8(X) o metro cúbico do tronco. De Belém para o exterior, o preço do metro cúbico de mogno passava por novo reajuste, chegando a até US$ 5 mil.

Em 92, com o auxílio do Programa dos Povos Indígenas no Brasil (um setor do Centro Ecumênico de Documentação e Informação - Cedi) e do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) as lideranças Xikrin entraram com ações indenizatórias contra duas grandes madeireiras, a Bannach e a Perach, ambas de Belém. A Justiça deu ganho de causa aos Xikrin em 94, mas as madeireiras entraram com recurso, que está em tramitação. De qualquer forma, desde 92, com o rompimento dos contratos, a área Xikrin está livre das madeireiras. Segundo a antropóloga Isabelle Giannini, do Instituto, não é possível avaliar a quantidade de madeira retirada nem o lucro das madeireiras. Segundo Isabelle, as madeireiras chegaram a explorar, de forma predatória, cerca de 40% do território dos Xikrin. "Acho muito importante que o plano de maneio sustentável dê certo, é unia forma de mostrar que dá para trabalhar sem abandonar a sociedade indígena, que podemos ter êxito e ser economicamente viáveis', disse Isabelle.

De acordo com os estudos feitos pelo Instituto, a perspectiva de ganho real, no primeiro ano do plano é de R$ 150 mil. A quantia, segundo Isabelle, pode sofrer variações dependendo do preço do mercado para as madeiras que serão exploradas - sucupira, sumarima e jatohá, entre putas 20 espécies. O mogno, devido à super-exploração anterior, será excluída do primeiro ano do plano.

Tribuna da Imprensa, 16/06/1995

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