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Índios xavantes anunciam guerra na Reserva Marãiwatsede

Midia News - http://www.midianews.com.br/
Autor: ANA PAULA BORTOLINI
09 de Ago de 2009

Situação é tensa no local e uma decisão para retirada dos invasores é esperada para dia 14 e caso não seja positiva, força será usada

ANA PAULA BORTOLINI
A GAZETA

Índios xavantes prometem guerra e anunciam uma chacina, caso o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF) decida pela permanência de fazendeiros e posseiros na Terra Indígena Marãiwatsede, também conhecida como fazenda Suiá-Missu, na região do Vale do Araguaia.

O julgamento do mérito de uma ação proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), com decisão favorável aos índios na Justiça Federal, é esperada para o dia 14 de agosto. Nesta data, os Xavantes prometem ir até Brasília (DF) para acompanhar a sessão.

"Se com a diplomacia o resultado for negativo, vamos fazer a retirada deles a força, porque nós buscamos a retomada de uma terra que é nossa", afirma o cacique Crisanto Rudzo Tseremey"wá, presidente da Associação Indígena Xavante Norotsura (Asixnor).

A situação é tensa e a Fundação Nacional do Índio (Funai) de Goiânia, que administra a região, tem orientado os índios a conterem os ânimos até a decisão judicial. O administrador regional da Funai de Goiânia, Edson Beiriz, avalia que o clima é ainda pior do que o observado na Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde também havia utilização ilegal da área para a produção de grãos.

"Aqui é pior porque os invasores são bandidos que fazem parte de uma quadrilha que fabrica títulos falsos de uma área pública e usa posseiros como massa de manobra", disse.

Desde a década de 60, quando foram retirados da área em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) e levados para a reserva indígena São Marcos, em Barra do Garças (509 km a leste de Cuiabá), os índios brigam pela retomada do local. Pessoas já morreram e inúmeros confrontos aconteceram. Conforme o cacique, não foram raras as vezes que os fazendeiros incitaram e recrutaram grileiros e sem-terras a provocar confrontos com os índios e impedir o retorno.

Dos mais de 165 mil hectares da terra indígena, os índios ocupam apenas 30 mil hectares, o que correspondente a área de apenas uma fazenda e o entorno dela. O local foi tomado após invasão em 2004, depois de permanecerem por 10 meses acampados em barracos de lona às margens da BR-158 às beiras de um lago, matando a sede no mesmo lugar por onde passavam animais, mas a retomada nunca pode ser expandida.

No dia da entrada, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgava o processo que permitiria a permanência dos índios na área. No entanto, antes mesmo da sentença, eles arrumaram as trouxas e invadiram a terra indígena, surpreendendo os fazendeiros, que revoltados foram até a rodovia e queimaram o que sobrou dos barracos.

O restante da Marãiwatsede é ocupada por fazendeiros, posseiros e grileiros, além de 150 famílias clientes da reforma agrária. Entre os invasores está um desembargador federal, políticos e donos de cartórios, responsáveis pela falsificação de títulos para vendas de lotes, que são de propriedade da União.

Conforme Beiriz, 70% da área já foi desmatada e não é difícil encontrar tratores funcionando no local, para o cultivo de grãos como soja e criação de gado. Lá dentro, uma madeireira em pleno funcionamento já foi encontrada e acabou incendiada pelos índios, em protesto. Segundo Beiriz, as máquinas funcionavam com licença ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Na época, disseram que não sabiam que ali era terra indígena".

Para ele, o órgão federal é omisso por não fiscalizar o local de forma efetiva. Em ofício encaminhado no dia 10 de julho para a gerência do Ibama em Barra do Garças, a Funai informava a existência de maquinários trabalhando em pleno processo de devastação na TI. No entanto, reclama que apenas na última semana de julho uma equipe tomou providências, quando foi deflagrada a operação "Curuá", que terminou com a apreensão de 10 tratores que estavam preparando o solo para plantio e a constatação de que fazendas que já haviam sido autuadas anteriormente estavam reincidindo no crime, em plena produção agrícola, degradando uma terra que deveria ser preservada.

"Não agiram em tempo hábil e para mim esta apreensão é suspeita, porque até hoje os autos de infrações não foram nos apresentados e nem as multas. Os tratores foram apreendidos, mas continuam nas fazendas. Que tipo de apreensão é essa?", questiona Beiriz.

Na sexta-feira (7), o administrador, o cacique Crisanto e outros 2 índios vieram a Cuiabá para pedir providências ao Ministério Público Federal. Entre os encaminhamentos da reunião com o procurador Mário Lúcio Avelar está o pedido de apresentação dos autos de infração da operação e explicações dos atos do Ibama. Curuá - Na operação "Curuá" foram flagrados mais de 6 mil hectares de área desmatada ilegalmente dentro da área indígena e identificadas 2 grandes fazendas em plena atividade de produção agrícola, a Conquista e a Colombo. As irregularidades são reincidentes.

Os fazendeiros já haviam sido multados anteriormente por desmatamento ilegal. Em junho de 2008, um fazendeiro foi multado em mais de R$ 20 milhões pelo corte de mais de 4 mil hectares de vegetação de floresta em Área de Preservação Permanente (APP), durante a operação "Roncador". Na ocasião, 10 fazendas foram autuadas e 5 embargadas.

Na operação de 2009, o Ibama identificou o descumprimento do embargado anterior. No total, foram 15 mil hectares devastados, sendo 9 mil em áreas limítrofes da reserva.

Investigações

A Marãiwatsede já foi alvo de várias investigações policiais, sendo a última delas a operação "Pluma", da Polícia Federal, deflagrada no início de julho e que resultou na prisão de 6 policiais militares, entre eles o ex-comandante da Polícia Militar de Mato Grosso, coronel Adaildon Evaristo de Moraes Costa, do coronel Elierson Metello de Siqueira, tenente Adalberto da Cunha e Oliveira, capitão Antônio de Moura Netto, capitão Robson Oliveira Curi, e major Wlamir Luis da Gama Figueiredo, além do ex-prefeito de Porto Alegre do Norte (1.125 km a nordeste da Capital), Luiz Carlos Machado, o "Luiz Bang".

A PF apontou um esquema de loteamento a partir de emissão de títulos falsos. Alguns documentos aumentavam em até 3 vezes o tamanho real da propriedade, ou a deslocavam para outra região, mais valorizada. Conforme Beiriz, na terra indígena há muitos fazendeiros enganados de outros estados que investiram em propriedades em Mato Grosso sem saber que se tratava de um crime.

Para a PM ficava o papel de amedrontar fazendeiros da região, para forçar a contratação de segurança privada. A denúncia aponta que os oficiais da PM pagavam invasores para depois cobrar propina dos proprietários para a desocupação, usando na maioria das vezes recursos da corporação com homens, veículos e armas.

Ameaças

Segundo o administrador da Funai, índios xavantes e funcionários do órgão sofrem constantes ameaças de morte dos invasores como pressão para cessarem as ações para retirada. Placas colocadas pela Funai que indicavam a Marãiwatsede como terra indígena e a necessidade de preservação ambiental foram pichadas e furadas por tiros.

Mesmo assim, conforme o cacique Crisanto, o povo Xavante não vai cessar enquanto não reconquistar a terra. "Também não vamos medir esforços para reflorestar nossa floresta, nossas matas, pois dependemos dela para tudo. Tratamos animais e a natureza com uma essência que a sociedade ocidental não conhece".

Outro lado

O gerente executivo substituto do Ibama em Barra do Garças, José Roberto Moreira, nega omissão na fiscalização de irregularidades na Terra Indígena Marãiwatsede. Segundo ele, os tratores apreendidos durante a operação "Curuá" só não foram retirados da fazenda autuada devido a dificuldade do Ibama, principalmente com relação a recursos financeiros. Ele explica que os fazendeiros são considerados fiéis depositários - quando a responsabilidade sobre o bem é deles - e tiveram as máquinas lacradas.

Questionado sobre a possibilidade de reincidência no crime, uma vez que o próprio Ibama admitiu que as irregularidades já foram detectadas em operações anteriores, ele considera a hipótese, mas ressalta que os proprietários serão responsabilizados conforme prevê a lei.

O gerente argumenta que a demora entre a entrega do ofício enviado pela Funai e a realização da operação é um trâmite normal e não significa falta de empenho. Ele ressalta que na região há déficit de profissionais para a realização da fiscalização e quando é feita operação o Ibama precisa convocar agentes de outros estados. Também diz desconhecer a informação da concessão de licença ambiental para o funcionamento da madeireira que operava dentro da terra pública.

Ministério Público

A reportagem entrou em contato, por telefone (orientada pela assessoria de imprensa do MPF), com o procurador Mário Lúcio Avelar para questioná-lo quanto as declarações de uma possível chacina no local feita pelos índios Xavantes na região caso a decisão judicial seja contrária a eles, para saber quais providências o órgão estava tomando.

No entanto, antes mesmo de ser questionado sobre o fato e ser informado do inteiro teor da reportagem, mandou que procurasse as informações no "Google".

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