VOLTAR

Indios, vitimas da fome e de politicas erradas

OESP, Nacional, p.A4
06 de Mar de 2005

Índios, vítimas da fome e de políticas erradas
Mortes em aldeias indicam problemas para além da desnutrição
Lígia Formenti e Lisandra Paraguassú
Em 2004, 15 crianças guaranis morreram em Mato Grosso do Sul. Este ano, foram sete em dois meses, só entre guaranis-caiovás. A probabilidade é que várias outras morram de desnutrição, não só caiovás, mas entre xavantes, de Mato Grosso, e caingangues do Rio Grande do Sul. São vítimas da fome e de décadas de políticas erradas que começaram com confinamento dos índios em reservas minúsculas nos anos 70 e chegam até as atuais ações preparadas de última hora pelo governo, como se a desnutrição tivesse pego a todos de surpresa.
A análise dos problemas nas comunidades indígenas foi feita por um dos vários grupos de trabalho criados no ano passado. O trabalho terminou em junho e, apesar de o relatório não ter sido divulgado até hoje, sabe-se que o principal problema apontado foi a falta de articulação de políticas dentro do próprio governo. Há mais de um ano o governo tem propostas para tentar melhorar a situação das nações indígenas: fórmula mais ágil para cadastrar famílias no Bolsa-Família, treinamento de agentes comunitários e merendeiras indígenas e até linhas especiais de financiamento para agricultura familiar.
Integrante da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (Cisi), Clóvis Boufleur conta que tais grupos estão à margem de qualquer tipo de financiamento. Como não têm registro de propriedade de terra, não podem ter fiador. O problema se acentua onde índios estão confinados em áreas pequenas. Os caiovás, por exemplo, sempre fizeram lavoura em rodízio, sem agrotóxico. "Não há como manterem tal tradição", diz Boufleur.
A lentidão no Bolsa-Família deve-se a um problema prosaico: muitos índios não tinham documentos e não havia como cadastrá-los. Como Boufleur, o médico Flávio Valente, relator da ONG Relatoria Nacional para Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água e Terra Rural, defende cadastro único: "Desde que a Funai deixou de centralizar as políticas ninguém mais assumiu esse papel de coordenação", analisa.
Mesmo as ações emergenciais, como distribuição de cestas básicas, são criticadas. "São os kit-miséria, com alimentos longe da cultura indígena", afirma a sanitarista da Universidade Federal de São Paulo, Sofia Mendonça. Flávio Valente lembra que indígenas tendem a não consumir açúcar, óleo ou trigo e preferem farinhas como a de milho ou mandioca. O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), responsável pelas cestas, mudou as que vão para Mato Grosso a pedido da Funasa: incluiu mais leite para as crianças.
No caso dos caiovás, o secretário de segurança alimentar do MDS, José Baccarin, informa que o governo deu início a ações como a recuperação do solo e aquisição de ferramentas. Mas o problema básico na região é que há 11 mil índios vivendo em 3,5 mil hectares - área em que, na reforma agrária, seriam assentadas 200 famílias (cerca de mil pessoas). "O que é preciso é mais empenho para devolução da terra aos índios", diz Salvador Soler, oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) da região Centro-Sul.
A presidente da Pastoral da Criança, Zilda Arns, avalia que o problema na região de Dourados só se reduz com ações intersetoriais. "Falta terra para plantar", diz. Um grupo da pastoral foi destacado para atuar na região e incluir a multimistura na alimentação. "Mas é preciso dar mais. Pensar em soluções a médio e longo prazo. E para isso é imprescindível o resgate cultural."
Nos últimos dias não faltaram vozes para apontar a cultura como principal causa da desnutrição. O ministro Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social, disse que seu ministério já "havia feito a sua parte" e o problema dos índios é "histórico e cultural", apontando o alto índice de suicídios entre os caiovás. Valente confirma que há problema de auto-estima entre indígenas, mas acrescenta que "culpar problema cultural é justificativa totalmente furada".
A justificativa do governo é desmentida com o esforço da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) desde janeiro. O diretor do Departamento de Saúde Indígena da fundação, Alexandre Padilha, diz que em dois meses o número de crianças desnutridas caiu 29,5%. Sinal de que melhorias podem ser obtidas em pouco tempo.

OESP, 06/03/2005, p. A4

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.