VOLTAR

Índios vão recorrer à ONU

CB, Brasil, p.10
24 de Mai de 2005

Índios vão recorrer à ONU
Contrário à canalização das águas do Velho Chico para a região do semi-árido, povo Truká decide pedir socorro internacional

Jaqueline Andrade
Do Diario de Pernambuco

A história do povo Truká está marcada por lutas. Guerreiros, os índios dessa tribo estão dispostos a travar mais uma batalha, sendo que agora pela água. A demarcação de suas terras só foi possível após quatro retomadas - invasão das terras originais que estavam nas mãos do homem branco, realizadas entre 1984 e 1999. Foi com muita briga, debaixo de sol e chuva, que eles puderam retornar à sua área de 8 mil hectares, dentro da ilha de Assunção. A deliberação para mais uma grande batalha foi dada no final de semana, após o encontro da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), realizado na aldeia dos índios Truká.
O movimento, que reúne 50 povos de oito estados e representa cerca de cem mil índios, vai pedir apoio internacional para impedir a transposição. A intenção é solicitar ajuda à Organização das Nações Unidas (ONU), à Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Organização Internacional do Trabalho (OIT). "Há mais de 500 anos que os povos indígenas lutam por terra. Agora chegou a hora de brigar pela água. E não estamos sozinhos nessa guerra", avisa o coordenador-executivo da Apoinme, Uilton Tuxá.
A ONU mantém um grupo de trabalho destinado aos povos indígenas. Já a OIT instituiu a Convenção 169 que prevê consulta junto aos povos todas as vezes que os países signatários pretendam executar projetos que possam ameaçar seus territórios. "O governo não quer nos ouvir. Por isso temos de avisar ao mundo", diz Uilton Tuxá.
O cacique Neguinho Truká acha que o governo federal vem escondendo o verdadeiro sentido da transposição. Ele acredita que o maior foco é satisfazer grupos econômicos que pretendem utilizar a água para irrigação e carcinicultura (cultivo de camarões). "O governo fala em levar água para 12 milhões de pessoas, mas não explicar que a maior parte ficará para os latifundiários. Se fosse para abastecimento humano, ele optaria por poços e cisternas, que têm um custo bem mais barato", analisa.
Contrapartida
Apesar de o governo federal garantir que o projeto de transposição em nada afetará os povos indígenas, o Ministério da Integração Nacional se comprometeu a conceder alguns benefícios ao povo Truká, cujo território fica cerca de 30 quilômetros de onde partirá o Eixo Norte (canal) de captação das águas. Segundo o coordenador-geral do projeto, Pedro Britto, o Exército irá pavimentar a estrada que corta toda a ilha de Assunção para facilitar o escoamento da produção de arroz. Além disso, um convênio com o município de Cabrobó (PE) prevê a recuperação de 150 casas da aldeia.
"As obras serão iniciadas imediatamente. Isso não é uma forma de compensação, já que temos a segurança de que a interligação não irá afetar nenhum dos povos ribeirinhos. No entanto, compreendemos que é nossa tarefa tentar melhorar a vida dessas pessoas", justifica Pedro Britto. Ele não soube informar o custo total das obras. Britto acha justificável o temor do povo Truká quanto à transposição, devido à complexidade do projeto. "Que os índios tenham medo do rio secar ainda entendemos, mas queremos provar que não será assim. O inadmissível é um técnico fazer essa afirmação", ressalta.
Mas é justamente esse o principal temor dos índios. Seu Manoel Procópio, 59 anos, acha que Deus não ficará satisfeito com a mudança que o homem quer fazer no curso do rio. "Quem já viu mexer no que Deus deixou já pronto? A natureza tem limite e não vai agüentar isso. Não tenho dúvida de que em poucos anos o São Francisco ficará só em nossas lembranças", alerta. A sua esposa, dona Maria de Lourdes, 49 anos, também se criou na beira do rio e diz entender a mensagem que o São Francisco vem passando. "Em nossos rituais, os antepassados nos pedem para seguir na luta e não deixar o governo fazer essa malvadeza com o rio. Choramos porque entendemos que o homem branco quer matar a nossa principal benção", fala, emocionada.

CB, 24/05/2005, Brasil, p. 10

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.