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Índios vão processar o RS por expulsão de terra

Sindicato dos Bancários - www.sindbancarios.org.br
23 de Jul de 2008

A comunidade Guarani e diversas entidades indígenas estão travando uma batalha invisível contra a expulsão de quatro famílias da etnia Mbyá-Guarani do acampamento em que viviam, nas margens da Estrada do Conde, no município de Eldorado do Sul (RS), próximo à capital Porto Alegre.

- A doença única que a gente tem hoje é no coração. E não é só nós. Todos os guaranis que está vendo isso fica machucado - diz o cacique Santiago Franco, que foi preso enquanto durou a ação policial.

A expulsão foi motivada por um Mandado de Reintegração de Posse (Processo 165/1.08.0001027-9), requerido pela Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (FEPAGRO), ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do RS.

Detalhe: a área onde estavam acampados os Mbyá-Guarani fica do lado de fora da FEPAGRO, em área federal.

No dia primeiro de julho, sem aviso algum, chegaram ao acampamento dos Mbyá-Guarani o oficial de Justiça da comarca de Eldorado do Sul,Bruce Medeiros, policiais militares e um diretor local da FEPAGRO, acompanhado de funcionários terceirizados a serviço da fundação.
Sem aguardar a chegada de membros da FUNAI ou da Polícia Federal - as entidades legítimas para tratar da questão indígena no Brasil - os policiais e os funcionários a serviço da FEPAGRO puseram-se a recolher o artesanato e os pertences dos índios. E a destroçar suas casas.

- Tentei conversar e eles nem conversaram. Pedi para esperar FUNAI. Eles juntaram tudo que nós tinha. Misturaram roupa limpa com comida. Agora tem muita coisa estragado. Perdemos quase tudo que tinha valor - diz, consternado, o cacique Santiago.

Durante a ação, o cacique foi preso. Duas vezes.

Enquanto vários políticos reclamam, em Brasília, do uso de algemas na prisão dos ricos na operação Satiagraha, o cacique Santiago ficou por duas horas algemado, vendo a vida de sua família e sua comunidade ser destroçada. E ele só queria conversar.

"Usaram algema. Foi violência. Primeiro fiquei 2 horas preso. Me separaram de grupo e me fecharam no microônibus. Senti muito chocado, muito assustado. Senti discriminação, preconceito. Até agora, o pessoal sente. Ficam lembrando, chorando"

- Isolar o líder é uma ação de guerra, né? - comenta Nuno Nunes.

Os índios foram levados num microônibus para outra comunidade Guarani na mesma situação, no bairro de Lomba do Pinheiro, na periferia de Porto Alegre.

Pesquisadores do Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e Tradicionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NIT/UFRGS) documentaram em vídeo a ação de despejo.

As entidades indígenas Comissão Nacional de Terra Guarani Ywy Rupa, Comissão de Terra Guarani do Rio Grande do Sul, Comissão Guarani Catarinense Nhemonguetá e o Cacique Geral Mbyá-Guarani Mburuvitxa Tenondé do RS publicaram documento no dia seguinte (2/7) denunciando o que chamam de "injustificáveis erros do Estado do Rio Grande do Sul".

O documento foi encaminhado para as Comissões de Direitos Humanos da Câmara Federal e do Senado, além da Organização dos Estados Americanos e das Nações Unidas. Também está sendo requerida uma audiência pública na Assembléia do Rio Grande do Sul para tratar da questão.

- É um festival de irregularidades! - afirma Nuno Nunes, assessor de diversas entidades indígenas e membro do Centro de Trabalho Indigenista.

A primeira das várias irregularidades, argumenta, está no próprio deferimento da ação de reintegração de posse. Em seu despacho, a juíza Luciane Di Domenico (Poder Judiciário do Estado, Comarca de Eldorado do Sul), afirma que a FEPAGRO "denunciou que em 1o de junho passado um grupo de indígenas da etnia Kaingang teria invadido a área de sua propriedade".

Além disso, reitera a juíza: "Registre-se que o mesmo grupo indígena, poucos dias antes, havia ocupado terras pertencentes ao Estado do Rio Grande do Sul, também localizadas na Estrada do Conde, no Distrito Industrial de Guaíba".

Se, a todo momento, as reclamações - independente de sua procedência - são relacionadas à etnia Kaingang, como pode haver um ação de despejo da etnia Mbyá Guarani?

- A Juíza, sem solicitar auxílio da FUNAI ou qualquer outra orientação de especialistas, aceitou os argumentos da Procuradoria do Estado e sustentou a idéia de que tratava-se do mesmo grupo indígena - dizem as entidades no documento.

A não convocação de entidades relacionadas à questão indígena, em especial aquelas constituídas para esse fim, como a FUNAI, nem para prestar informações durante a análise do processo, nem para intervir na negociação com a tribo também é condenada pelos reclamantes.

- O Estado tem o aparato técnico para isso, mas infelizmente ele não foi consultado – lembra Nuno Nunes.

Questão ainda mais chamativa é o fato do acampamento indígena situar-se, como já foi citado, fora do terreno da FEPAGRO.

Qual a força de uma ordem de reintegração de posse se a terra em questão não está ocupada? E porque um diretor e funcionários contratados pela FEPAGRO participaram da remoção de índios em terras públicas?

Estes questionamentos foram levantados, no momento em que ocorria a ação, pelos pesquisadores da UFRGS que registraram o despejo em vídeo. Obtiveram do oficial Bruce Medeiros a seguinte resposta: "mesmo assim temos que cumprir a ação".

Em relação a esses questionamentos, é interessante notar que, no vídeo feito pelos pesquisadores da UFRGS, nem o oficial, nem os militares nem o diretor da fundação assumem a responsabilidade pelo despejo. Ao contrário, repassam-na uns para os outros.

- Vamos entrar, através da FUNAI e do Ministério Público Federal, com quatro ações: uma contra o Estado do Rio Grande do Sul, logo que a FEPAGRO é ligada à Secretaria de Agricultura; uma contra Juíza (que tinha que consultar a FUNAI ou a PF), uma contra o oficial de justiça, e outra contra a polícia. O comandante falou que só estavam para acompanhar a ação e até no vídeo vemos a PM recolhendo os pertences dos índios - diz o assessor Nuno Nunes, que completa: - E vamos entrar ainda com uma ação de danos morais coletivos.

Os índios Guaranis travam uma longa batalha para que ocorra o demarcamento de terras da região da mata atlântica do Rio Grande do Sul, que são reconhecidas como terras indígenas.

- Área indicada muito tempo como Guarani. Todo mundo sabe que avós de Guaranis moravam aqui. Área tem que ser devolvida para os Guaranis - afirma o cacique Santiago Franco.

- Toda a ocupação de cartório é reconhecida com a vinda do estado. O Estado é responsável por delegar essa documentação para os ocupantes não indígenas. Esse é o conflito agrário do Brasil - diz Nuno Nunes.

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