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Índios trocam a mata por favelas paulistas

CB, Brasil, p. 12
30 de Dez de 2007

Índios trocam a mata por favelas paulistas
Expulsos de suas terras pela miséria, pancararus migram para São Paulo em busca de vida melhor, mas acabam vítimas do preconceito

Da redação

São Paulo - Um desavisado que aparecesse ali de repente não ia entender nada. Alguém poderia imaginar que estivesse no Xingu ou em algum outro ponto da Amazônia. Era simplesmente o ritual religioso de uma tribo indígena. A diferença é que os índios dali, os pancararus, não vivem na mata. Estão a milhares de quilômetros de seu habitat natural, numa favela no Real Parque, Zona Sul de São Paulo.
Eles são mais de 600, expulsos pela miséria e pela seca da aldeia de Brejo dos Padres, na região do São Francisco, entre a Bahia e Pernambuco. "Lá a gente não consegue mais plantar. Tem gente vendendo a pouca farinha de comer para comprar remédio.
Assim, um veio para cá e trouxe o outro", relata o cacique Manoel Alexandre Sobrinho, 56 anos, o Bino, presidente da Associação SOS Comunidade Indígena Pankararu, criada na área. Além dos 600 do Real Parque, mais 1,4 mil membros da tribo estão espalhados por outros bairros da periferia da Grande São Paulo.
Em vez de florestas, animais, canoas e rios de águas límpidas, o que se vê no Real Parque são centenas de minúsculos barracos de madeira amontoados em meio a vielas esburacadas com esgotos a céu aberto, quase às margens do poluído Rio Pinheiros. Numa tarde de domingo, migrantes do Nordeste e de Minas Gerais - grande parte sem emprego - tomam cerveja e jogam sinuca, ao som de música sertaneja. As crianças soltam pipas e brincam de esconde-esconde.
Enquanto isso, os índios da favela cantam e evocam os espíritos dos antepassados. No interior do barraco escuro e abafado, com imagens de Nossa Senhora Aparecida na parede e roupas num varal improvisado, eles dançam em círculos, com vestimenta típica e um chocalho nas mãos, o maracá.
Um deles, o que puxa a fila, carrega um bastão enfeitado.
O chão de tábua faz barulho, mas não assusta a vizinhança. Lá fora, a vida segue normal. Existem códigos de ética e conduta bem definidos na favela e, ali, um morador não mexe com o outro.
Ninguém estranha nem mesmo quando os índios, usando o tradicional croá - roupa feita de um tipo de sisal, que cobre a cabeça e todo o corpo - saem da casa simples e seguem pela rua principal.
Discriminação
Os pancararus vivem também em outras duas favelas, a do Jardim Elba e do Parque Santa Madalena, Ambas na Zona Leste paulistana. Organizam-se ainda em comunidades nos bairros Cidade Dutra, Jardim Ângela, Parelheiros, Ponte Raza e A.E. Carvalho, e nas cidades vizinhas de Guarulhos, Osasco, Itaquaquecetuba , Francisco Morato, Taboão da Serra, Caieiras, Embu e Itapecerica da Serra.
Eles sobrevivem na selva de pedra paulistana, quase sempre, como operários, vigilantes ou faxineiros. E reclamam muito do preconceito. "Índio aqui é chamado de vagabundo. A maioria das empresas não dá oportunidade. Somos discriminados em todas as áreas", reclama Noé Guilherme dos Reis, 52 anos, hoje aposentado como supervisor numa indústria de papel e representante dos pancararus de Guarulhos e de outras sete regiões. Para conseguir trabalho, a solução é não revelar que é índio.
A queixa por ter de abandonar a terra de origem também é sempre a mesma. "Plantei uma roça de mandioca, fiquei dois anos cuidando e perdi tudo. Aí falei: 'não vou mais passar fome aqui'", conta Noé, sobre o momento em que decidiu ir para São Paulo.
Parte dos índios recebe benefícios de programas como o Bolsa Família ou Renda Mínima. "Mas se fosse para depender do governo, a gente morria de fome", garante o cacique Bino. Ele cobra da Fundação Nacional do Índio (Funai) mais empenho na ajuda para quem ficou na aldeia em Pernambuco e assistência para os que vivem em São Paulo.
Bino reivindica uma área em São Paulo para os pancararus deixarem as favelas. A prefeitura e o governo paulista, o Instituto de Terras do Estado (Itesp) e a Funai chegaram a analisar um local na Zona Leste paulistana para abrigar 64 famílias, mas a proposta não foi levada adiante. Segundo o Itesp, só haveria terra disponível no estado para reforma agrária.

Uma rara exceção

"Impávido que nem Muhammad Ali", como na canção de Caetano Veloso, o índio Petrúcio Pedro dos Santos, 44 anos, seguia pelas ruas da Zona Sul de São Paulo puxando uma carroça.
Com orgulho, recolhia sucata. Tempos depois, conseguiu montar uma cooperativa de reciclagem, com mais dois índios pancararus e nove moradores da Favela do Real Parque.
Hoje, Petrúcio é um especialista nessa área. Passou a prestar serviços para uma loja de uma rede de supermercado. "Aqui é uma família, fui bem recebido e me tratam bem", comemora.
Na aldeia no município de Taracatu (PE), onde ainda vivem 7 mil pancararus, a vida era muito difícil, conta o índio. "A gente não via dinheiro. Só de ano em ano, quando chovia, dava alguma coisa no plantio." Petrúcio largou tudo e embarcou para São Paulo em 1999. Viúvo, ele deixou quatro dos cinco filhos com os avós, na aldeia.
Trouxe para a cidade grande apenas a mais velha, Poliana, 20 anos, para morar na favela. "Estou feliz aqui. Minha filha também pode estudar e casar", orgulha-se.
Para o cacique Bino Pankararu, que também fugiu da seca e da miséria de sua terra natal e saiu em busca de melhorias em São Paulo, porém, a história de Petrúcio é uma rara exceção.

CB, 30/12/2007, Brasil, p. 12

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