OESP, Vida, p. A25
29 de Set de 2006
Índios tentam resgatar sangue nos EUA
Material genético dos ianomâmis de RR foi levado sem autorização por pesquisadores americanos nos anos 60 e 70
Ricardo Westin
Ao longo dos anos 60 e 70, americanos fizeram incursões pela Amazônia e foram embora levando amostras de sangue dos ianomâmis de Roraima. O assunto ficou esquecido até 2000, quando um livro nos EUA revelou que, ao contrário do que havia sido dito aos índios, o sangue não foi usado em exames de saúde. Os pesquisadores guardaram o material genético para estudos científicos.
Inconformados com o engodo, apesar do tempo passado, os índios pediram ao Ministério Público Federal em 2002 que os ajudasse na repatriação do sangue, que continua nos EUA.
O Ministério Público procurou diversas instituições. Quatro admitiram ter material genético - o Instituto Nacional do Câncer e as universidades da Pensilvânia, de Binghamton e da Califórnia. Os procuradores brasileiros negociam a devolução com essas instituições - que se mostraram dispostas a colaborar - e aguardam a resposta das demais. Se não obtiverem sucesso, a saída será recorrer aos tribunais americanos.
A coleta do sangue violou normas do biodireito e da bioética, como o Código de Nuremberg, de 1947, que diz que pesquisas com humanos devem ter o consentimento expresso dos envolvidos. "Os índios foram tratados como cobaias", diz o indigenista Ednelson Pereira, vice-presidente da ONG Comissão Pró-Yanomami.
Além disso, os americanos ignoraram a cultura indígena. Os ianomâmis acreditam que a alma só tem paz depois que todos os restos mortais são cremados. "Para eles, a conservação do sangue dos mortos é inaceitável", explica Jankiel de Campos, antropólogo do Ministério Público em Roraima.
Os procuradores não descartam a possibilidade de que o material possa ser usado com fins comerciais. Diante da predisposição dos índios a ter certas doenças e não ter outras, poderiam ser criados remédios a partir do código genético deles.
A retirada do sangue com fins científicos nos anos 60 e 70 foi revelada pelo jornalista americano Patrick Tierney no livro Darkness in El Dorado (Trevas no Eldorado), lançado em 2000. Nele, o autor afirma ainda que os pesquisadores utilizaram os ianomâmis como cobaias de uma vacina contra o sarampo que acabou infectando e matando dezenas deles.
Durante as investigações , o Ministério Público descobriu que a Universidade Federal do Pará (UFPA) também havia coletado sangue ianomâmi sem a devida explicação, em 1990. Cerca de 90 frascos com material genético foram devolvidos às aldeias de Roraima em julho.
OESP, 29/09/2006, Vida, p. A25
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