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Índios se unem ao MST contra Lula

JB, País, p. A3
21 de Abr de 2004

Índios se unem ao MST contra Lula
Lideranças indígenas costuram acordo com sem-terra para pressionar o governo e ocupar propriedades rurais

Hugo marques

Os acampamentos repletos de barracas pretas não são mera coincidência. Em meio ao clima de tensão social que cresce no país e pressiona o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, começa a tomar corpo a parceria entre os povos indígenas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Além de protestos em conjunto, os dois grupos articulam uma onda de invasões e ocupações de terra. Para os índios, o voto de confiança em Lula ainda não se esgotou, mas a paciência está perto do fim e a parceria com o MST pode ser acionada a qualquer momento.
Os resultados do acordo já aparecem na forma de mobilização dos índios, que começam a ocupar terras e chegaram a montar acampamento em frente ao Ministério da Justiça para pressionar o governo. Pelo menos dois líderes indígenas confirmam o fortalecimento da parceria.
- Se continuar a ignorância contra o índio, não nos resta outro caminho a não ser buscar estas estratégias. Infelizmente não é bom para a imagem do país, mas muitas vezes é necessário ser feito - reconhece o representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Sateré-Mawé.
O cacique Marcos Xucuru, de 25 anos, diz que a luta dos sem-terra e dos índios ''é única''. A nação dos Xucuru realizou mais de 20 ''retomadas'' de terras em Pernambuco e tem obtido apoio do MST em todos os protestos. O cacique confirma que, cada vez mais, os índios se aliam aos trabalhadores sem-terra.
- O MST engrossa nossas manifestações. Por enquanto não existe apoio financeiro, mas futuramente pode haver esta junção - informa o cacique Marcos Xucuru.
Seguindo o exemplo dos sem-terra, os índios também promovem reuniões de base e começam a formar coordenações por regiões. A tendência é que as práticas do MST passem a ser adotadas nas ações indígenas.
- O MST tem a sua natureza e, em alguns momentos, está sendo útil. Temos uma ligação com os sem-terra - explica Jecinaldo.
O movimento que começa a nascer em todo o Brasil chama-se ''Parlamento Indígena'' e busca a unificação de todas as tribos.
- A afirmação da identidade indígena é muito forte e tem o objetivo de fazer valer seus direitos à terra - diz Jecinaldo.
A exemplo dos sem-terra, os índios têm contado com apoio da Igreja Católica, que em 2001 exaltou nos textos distribuídos aos missionários as marchas do MST e dos zapatistas no México. Para Jecinaldo, a igreja está ''mais consciente do seu papel'' e já não prega mais a catequese.
- O movimento indígena avançou e o que queremos da igreja e dos ''parceiros'' é que sejam aliados e nos orientem no momento certo para agirmos de forma coerente, em defesa do nosso direito - afirma Jecinaldo.
Aos 27 anos, o coordenador da Coiab estuda pedagogia na Universidade Federal do Amazonas. Sua nação congrega 10 mil índios no Baixo Amazonas, grande parte em Parintins. Marcos Xucuru sentiu na pele a violência contra o índio e viu o corpo do pai, o cacique Chicão, assassinado no asfalto. Jecinaldo diz que está sendo preparado ''um calendário de discussões'' para encontrar as formas de mobilização.
O movimento conjunto toma como pejorativas as palavras índio e tribo. Prefere expressões como povos indígenas e nações. Os líderes pregam a aproximação com outros povos, desde que seja preservada a cultura própria.
- Estamos num mundo em que precisamos de comunicação com a sociedade envolvente, mas essa comunicação não pode ser maior que nosso fortalecimento cultural. Não podemos perder nossas culturas nessa relação - afirma Jecinaldo.
Líderes indígenas decidem hoje se mantêm o acampamento na Esplanada dos Ministérios ou se saem para voltar no dia 10, quando terão uma audiência com o presidente Lula.

JB, 21/04/2004, País, p. A3

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