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Índios reclamam da Funasa

Correio Braziliense-Brasília-DF
Autor: André Carravilla e Paloma Oliveto
17 de Jan de 2006

Líderes dos índios guajajaras, no Maranhão, e aripuanãs, na Amazônia, denunciam que estão sem receber assistência do governo na área de saúde. Órgão diz que repasses foram suspensos por irregularidades

Líderes de comunidades indígenas do Maranhão e da Amazônia temem que a série de mortes de crianças ocorridas no Mato Grosso Sul no início de 2005 se repita nos primeiros meses deste ano. No lugar da desnutrição, que vitimou 21 meninos e meninas da etnia Guarani-Kaiowa, a ameaça agora é representada pela falta de assistência médica. No caso, da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A Associação de Saúde das Sociedades Indígenas de Grajaú (MA) contabiliza cinco mortes de crianças apenas nos primeiros dias deste mês, e 14 ao longo do ano passado.

"Já morreram cinco crianças e se a situação continuar desse jeito não sei mais quantos vão morrer", diz, preocupado o presidente da associação, José Arão Marise Lopes. Ele acusa a Funasa de negligência, e alega que há seis meses mais de 90% das quase 240 aldeias do Maranhão não recebem a visita de um profissional de saúde. Segundo Lopes, a quantidade de medicamentos enviada é insuficiente. "Eles mandam uns 100 comprimidos para lugares onde têm mais de 3 mil índios. Tem índio que vai na cidade, consegue atendimento médico, sai com a receita, mas não consegue o remédio", lamenta.

Em denúncia encaminhada ao Ministério Público, a associação atribui o início dos problemas à suspensão dos convênios em julho de 2005. Lopes relata que na reunião realizada em dezembro entre os índios e o presidente da Funasa, Paulo Lustosa, ficou definido que a Missão Caiuá, formada por evangélicos, administraria os recursos voltados à saúde indígena no estado. "O convênio, no valor de R$ 3 milhões, foi firmado em outubro e, até hoje, os índios não receberam uma visita", critica Lopes.

A associação não está sozinha nas acusações. Uma carta enviada por enfermeiro do Pólo Base de Grajaú, subordinado à Funasa, cobra melhorias no atendimento prestado aos índios. "As ações básicas de saúde executadas nas aldeias indígenas sob jurisdicência deste pólo base de Grajaú, através (sic) das duas equipes multidisciplinares de saúde encontram-se estagnadas devido às condições precárias de trabalho", relata o documento, de 12 de outubro.

Na Amazônia, índios ameaçam invadir vários postos da Funasa como protesto à falta de repasses. Na cidade de Lábrea, região do Médio Purus, 5,2 mil índios estão, há oito meses, sem assistência básica à saúde. Entre os povos que moram na região estão os suruahas. A Organização dos Povos Indígenas do Médio Purus (Opimp), ONG responsável por receber a verba da Funasa para pagamento de servidores e compra de remédios alega que desde maio passado não recebeu qualquer parcela dos R$ 1,6 milhão previstos. "A situação está gravíssima. Não há vacina para as crianças, não há remédios, os funcionários não podem trabalhar porque não recebem. A Funasa diz que vai liberar o dinheiro, mas só fica nos enrolando", reclama Moacir Apurinã, coordenador-geral da Opimp, que presta assistência a etnias como os zuruaãs, macuxis e uapixanas.

Neste caso, pesa contra a Funasa a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em novembro, firmado entre o coordenador regional, Francisco Aires, e o Ministério Público. A fundação compromete-se a efetuar os repasses em 48 horas, o que não aconteceu. "Além de não repassar a verba e ser omissa, a Funasa é mentirosa e descumpre seus próprios documentos", acusa Jecinaldo Barbosa Cabral, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). A entidade pedirá que o MP entre com ação contra a Funasa. Segundo ele, a situação não é diferente na região do Alto Solimões, onde vivem os índios ticunas, cocamas, cambebas e caixanas. "Há sete meses, não há repasse", lamenta.

Outro lado
Em nota, a Funasa informou que o "atendimento prestado aos indígenas do Maranhão está funcionando normalmente e que todas as 13 equipes multidisciplinares de saúde indígena estão fazendo os atendimentos periódicos". Para a instituição, o suprimento de remédios está dentro do previsto e os mais de 20 postos de saúde estão funcionando.

Sobre o cancelamento dos convênios, a Funasa informa que a suspensão foi efetuada após a constatação de irregularidades na prestação de contas das conveniadas. "Por este motivo, a Funasa assumiu a gestão direta das atividades de saúde indígena na região e firmou novo convênio com uma única ONG, Missão Caiuá, que receberá o primeiro repasse ainda esta semana", diz.

No caso dos índios da Amazônia, a Funasa alega que a liberação está suspensa por pendências na prestação de contas. "Até que seja comprovada a utilização dos recursos já repassados, a Funasa, por força da legislação brasileira vigente, está impossibilitada de efetuar novo repasse", sustenta a assessoria de imprensa do órgão. O líder Apurinã contesta. "A prestação foi aprovada no dia 21 de junho. Se querem fazer investigação, que mandem auditores aqui", informa.

Ianomâmis ameaçados

Após três anos de queda sucessiva no número de casos, a malária volta a ameaçar os índios ianomâmis e ganha novamente contornos de epidemia. Em 2005, foram 1.400 notificações enquanto em 2003 haviam sido 418. O número também é mais do que o dobro do registrado em 2004, com 622 doentes.

Os ianomâmis têm denunciado a falta de medicamentos e inconstância dos serviços de assistência à saúde. Especialistas afirmam que problemas de várias nações indígenas se agravaram nos últimos dois anos, principalmente depois de uma mudança na forma de atuação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Em várias regiões há queixas de falta de estrutura.

Entre os ianomâmis, as perspectivas sombrias já são realidade. Além da malária, o número de casos de tuberculose pode ser ampliado, alerta o médico Cláudio Esteves, integrante da organização não governamental Comissão Pró-Yanomami (CCPY). Até meados de 2004, ele esteve à frente do trabalho de promoção e assistência à saúde para um grupo de 7.500 índios ianomâmis. Por discordar das mudanças na forma de assistência, sua ONG saiu do convênio firmado com a Fundação Nacional de Saúde.

Além dos riscos da doença em si, a malária traz uma série de outros reflexos: "A doença é o primeiro passo para a escassez de alimentos (debilitados, os índios deixam de trabalhar a terra e, como não fazem estoques, ficam sem comida) e, em conseqüência, para a desnutrição", afirma o médico.

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