VOLTAR

Índios perdem a primeira batalha

CB, Cidades, p. 24
25 de Jun de 2008

Índios perdem a primeira batalha
Juíza federal nega liminar em ação que garantiria permanência no local onde será construído o bairro

Gizella Rodrigues
Da equipe do Correio

A guerra judicial para a construção do Setor Noroeste começou. E quem deu início à disputa foram os índios que vivem em parte do terreno de 825 hectares onde será erguido o futuro bairro nobre. Enquanto a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) reúne documentos para ingressar com ações que obriguem os indígenas a deixar o local, a defesa das famílias protocolou, apenas este ano, dois processos na Justiça Federal. Por enquanto, porém, o placar está favorável ao governo. Os índios já tiveram duas derrotas na Justiça. A mais recente ocorreu na última quarta-feira: a juíza Candice Lavocat Galvão Jobim, substituta da 2ª Vara Federal no DF, entendeu que a área não se enquadra como reserva tradicionalmente indígena e negou liminar que os manteria com a posse do terreno.

A ação cautelar foi protocolada pelos índios em janeiro, com o objetivo de sustar qualquer ação que impedisse a permanência deles na área, que é pública. Os réus são o Distrito Federal, a Terracap, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No processo, os índios anexaram documentos da Funai, de 2003, que asseguram que a ocupação deles é tradicional. Mas, ao negar o pedido de liminar, a juíza ressaltou que a própria fundação, em 2001, atestara que o estabelecimento das famílias no local não trazia elementos suficientes para caracterizar a terra como tradicionalmente indígena. "Entendo que a área objeto da presente ação não pode ser enquadrada como terra tradicionalmente ocupada pelos índios", afirmou.

Na decisão, a magistrada também lembrou que a área ocupada pelas famílias indígenas é "flagrantemente urbana". Apesar disso, ressaltou que, mesmo se os índios forem obrigados a desocupar o terreno, a Funai deve assegurar a transferência deles para outra área onde continuem desenvolvendo as atividades atualmente desempenhadas no local. "É dever de toda a sociedade zelar pelos direitos indígenas e pela preservação de seus usos, costumes e tradições", disse. A negativa da liminar, no entanto, não significa uma derrota definitiva. O mérito da ação ainda não foi julgado.

Processo extinto
A solução para a ocupação indígena no Noroeste é o único empecilho para a construção do bairro. Mas, desde 2005, os índios tentam manter-se na área. Naquele ano, entraram com uma ação possessória e também foram derrotados. Na época, pediam que a posse deles no local fosse reconhecida e mantida. Mas o juiz Marcos Augusto de Sousa, da 2ª Vara Federal, extinguiu o processo sem acolher o pedido, no ano passado.

A licença de instalação do empreendimento, expedida pelo Ibama, está pronta, porém só será liberada depois que os índios forem transferidos para outra área. Com a licença em mãos, a Terracap poderá fazer a licitação das primeiras projeções para o início da construção dos prédios da nova área nobre da cidade. "O DF defende que não se trata de uma terra tradicionalmente indígena. É uma ocupação comum de área pública. Assim como os demais cidadãos brasileiros não podem se manter em uma ocupação irregular, os indígenas também não podem", sustentou a procuradora do DF que acompanha os processos, Ana Lúcia de Lima Costa.

Defensora pública pede perícia

Mesmo com as duas decisões desfavoráreis, as famílias indígenas não desistiram. Na última sexta-feira, Liana Pacheco, a defensora pública dos índios, propôs uma ação declaratória na qual pede que a Justiça determine uma perícia no local para decidir se a terra é ou não reserva tradicionalmente indígena. Se o pedido for acatado, o juiz vai designar um antropólogo para vistoriar o local. Mas a perícia pode demorar dois meses para ficar pronta. "Como a própria Funai emitiu pareceres contraditórios, um antropólogo neutro, sem envolvimentos políticos, deve examinar o caso", justificou Liana.

O presidente da Terracap, Antônio Gomes, reafirmou que os índios não têm direito algum sobre a terra, mas disse estar aberto ao diálogo. Os advogados da empresa aguardam apenas documentos do Ibama (que atestem que o governo cumpriu todas as condicionantes para a emissão do licenciamento ambiental) e do Ministério Público (que confirmem que os índios encerraram a negociação com a Terracap) para protocolar uma ação na Justiça Federal. Ainda assim, Gomes acredita em uma decisão negociada. "Com a negativa da liminar, alguns índios já aceitam um acordo, o que nos interessa. Temos convicção de que vamos vencer qualquer ação na Justiça, mas isso iria demorar. O Noroeste tem que ser vendido logo, é a sociedade que está perdendo. O dinheiro arrecadado no setor será revertido em obras de infra-estrutura que o governo pretende fazer", ressaltou.

A Terracap ofereceu às 27 pessoas que vivem no local uma área de oito hectares da fazenda Monjolo, na área rural do Recanto das Emas. Mas os índios não aceitaram a transferência. Os índios das etnias Fulni-Ô, Kariri-Xocó e Tapuya ocupam o local desde 1969, quando vieram do Nordeste em busca de tratamento médico e apoio da Funai. O governo afirma que ainda pode oferecer outras terras para os índios. (GR)

CB, 25/06/2008, Cidades, p. 24

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.