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Indios obtem a troca de administrador da Funai

A Critica, Cidades, p.C1
22 de Jan de 2005

Índios obtém a troca de administrador da Funai
De manhã, oficial de justiça entregou mandato de reintegração. À tarde expediu oficio de substituição
Síntia Maciel e Omar Gusmão
Da equipe de A Crítica
0 dia que começou em clima de tensão, com ameaça de confronto físico com a Polícia Federal, terminou com a vitória das lideranças indígenas amazonenses na queda de braço travada desde o.último dia 3 com a direção da Fundação Nacional do Índio (Funai). 0 até então administrador regional do órgão, Benedito Rangel de Morais acabou sendo substituído temporariamente do posto. As lideranças Indígenas queriam a exoneração, que não foi aprovada pelo órgão federal. Para o seu lugar, foi designado interinamente o advogado Manoel Alves de Paula, funcionário de carreira da fundação, que chega hoje a cidade.
O novo administrador regional substituto da Funai está' incumbido de instaurar procedimento administrativo para apuraras denúncias apresentadas pelas lideranças indígenas contra servidores da Funai e constituir um grupo de trabalho para a formulação de uma agenda positiva para 2005, envolvendo a Funai, índios e Governo do Estado do Amazonas.
0 Poder Público, aliás, foi de importância fundamental para o desfecho positivo do embate que já durava 18 dias. Diante da ameaça de desocupação à força do prédio da Funai, uma comissão formada por quatro líderes procurou o governador Eduardo Braga para deixá-lo a par da iminência de confronto violento na sede regional.
0 governador imediatamente ordenou a criação de uma comissão estadual formada pela Procuradoria Geral de Justiça, Casa Civil, Casa Militar, Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS) e Fundação Estadual de Política Indigenista (Fepi). A comissão estadual conseguiu, finalmente, convencera Funai a retirar, ainda que provisoriamente, Bendito Rangel de Morais da gestão regional da autarquia.
A notícia, recebida às 16h45, durante uma entrevista coletiva, causou um clima de euforia e comemoração entre os indígenas e as dezenas de participantes do Fórum Social Pan-Amazônico que haviam se deslocado para a sede da fundação para dar apoio à luta indígena e impedir que um confronto violento acontecesse. Os índios prometeram desocupar o prédio até a manhã de hoje, após fazer uma limpeza e arrumar todas as salas.
Dia tenso
A reintegração de posse da sede do órgão, que estava prevista para a manhã de ontem, foi marcada por muita tensão. Por volta das 6h30, um oficial de Justiça, acompanhado pelo delegado federal José Paulo Veloso, e mais 20 agentes federais, estiveram no local para tentar cumprir o mandado. 0 oficial de Justiça e os policiais federais foram recebidos com vaias pelo grupo de indígenas que montavam guarda frente à Funai e os esperavam armados de porretes, flechas, lanças e dardos com pontas envenenadas.
Durante alguns minutos o delegado federal explicou aos ocupantes que a presença da PF no local era apenas para garantir a integridade física do oficial de Justiça e que a desocupação do prédio se daria de forma pacífica. Apesar dos apelos de Veloso, os índios afirmaram que não iriam sair da sede do órgão e que também não assinariam o documento. Após muita insistência, os ocupantes concordaram em receber o mandado de reintegração de posse, para tomar conhecimento do teor do mesmo. Os policiais federais se retiraram do local, sem prestar qualquer informação se voltariam ou não para cumprir a decisão judicial.
De acordo com o coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Gecinaldo Barbosa Cabral, os ocupantes estavam determinados a resistira uma possível reintegração de posse e partir para o confronto com a PF, se fosse necessário.

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Antônio Mura Tuxaua
"Gostaria de agradecer a Deus e ao povo que lutou junto para que nós atingíssemos essa vitória. Entrei aqui nesse prédio, no dia 3, como guerreiro, para trazer uma vitória e nós vencemos. Já estava cansado de vir aqui na Funai trazer denúncias de invasões nas nossas terras e ninguém tomar nenhuma providência. Há dez anos espero a demarcação. Dez anos não são dez dias. Entrei aqui com mais 31 guerreiros disposto a obter a vitória. Entrei no dia 3, ao meio-dia, e coloquei os funcionários para fora. Sou guerreiro e não tenho sangue de barata. O índio é muito bom, mas quando vira a camisa dele, ele é forte. Vamos fazer a limpeza do prédio para deixar tudo direitinho", disse o tuxaua Antônio Mura, logo após receber a notícia da substituição de Rangel. Ele foi o índio mais parabenizado pela vitória alcançada, por ter deflagrado a manifestação de protesto e a ocupação da sede da Funai , em Manaus.

Exoneração é descartada
A exoneração do administrador regional, Benedito Rangel, a principal reivindicação dos índios amotinados na sede da Funai, em Manaus, está descartada pela direção nacional do órgão. 0 presidente em exercício da fundação, Roberto Lustosa, confirmou o contato do governador Eduardo Braga com o Governo Federal (Ministério da Justiça) manifestando a preocupação com o andamento do conflito em Manaus, principalmente por meio da força pública (Polícia Federal), mas negou que Braga tenha pedido a "cabeça" de Rangel.
"Não podemos cedera essa pressão por dois motivos: primeiramente porque não há provas concretas com relação às denúncias de irregularidades contra o administrador titular - desvio de recursos, abuso de poder e utilização de veículos da Funai em atividades particulares; segundo, porque se aceitarmos essa condição, será aberto um precedente para toda e qualquer etnia ou grupo indígena que estiver insatisfeito com as administrações ou servidores da Funai invadiras sedes regionais e essa forma violenta de protesto não é aceitável por nós e nem pela legislação", argumentou o presidente em exercício.
Lustosa informou que uma comissão interna foi criada para apurar todas as denúncias contra o administrador Benedito Rangel e somente depois dessa investigação e se "provas robustas" forem encontradas é que serão tomadas as devidas providências. Ao ser questionado sobre a nomeação de um substituto para Manaus e se essa decisão significa o afastamento de Rangel, o presidente interino da Funai explicou que se trata de um procedimento normal já que o titular encontra-se de férias, "mas se o novo administrador local achar conveniente afastá-lo, enquanto as investigações estiverem em curso, será uma decisão dele".
Roberto Lustosa enalteceu o trabalho de 20 anos de Benedito Rangel à frente de administrações da Funai em vários Estados brasileiros. Disse não haver qualquer processo administrativo contra o servidor, "pai de família honrado, honesto e que querem denegrir a imagem de um homem que tem dedicado parte de sua vida à causa indígena".
Colaborou Antônio Paulo

Busca Rapida
Agressão e barricada
O agente administrativo Funai, Júlio César Zany Reis, foi agredido fisicamente com chutes e tapas, na manhã de ontem, por seis índios, no momento em que ele fotografava a sede do órgão, ocupada desde o último dia 3.
0 funcionário, que teve uma máquina fotográfica digital apreendida pelos agressores disse que tinha ido até o local para se certificar de que os ocupantes do prédio haviam deixado a sede. De acordo com o cacique Munduruku, Dobertino Ribeiro, o funcionário seria informante de Benedito Rangel e estaria desacatando as lideranças. A informação de que os índios seriam retirados do local pela PF fez com mais de cem participantes do Fórum Social Pan Amazônico se deslocassem até o local, por volta das 11h de ontem, para apoiá-los em suas reivindicações. Na ocasião, os manifestantes; chegaram a interditar a rua Maceió, com barricada de pneus em chamas.

Três perguntas para
José Luiz dei Rolo Membro Comitê Inter. Fórum Social Mundial
1 - 0 impasse entre a alta cúpula da Funai e o movimento de ocupação em Manaus demonstra que a entidade não está preparada para lidar com situações do tipo?
Sem dúvida. A Funai existe para resolver os problemas indígenas, se ela não consegue atender aos anseios destes povos, está na hora de se repensar o papel dela.
2 - A atitude dos índios em ocupar a sede da Funai, durante quase 20 dias, foi a forma mais acertada para que as reivindicações fossem cumpridas?
A invasão da sede da Funai foi pacífica, eles estavam lutando para que os direitos deles fossem cumpridos. Há mais de 500 anos as terras indígenas foram ocupadas e não se disse nada.
3 - Faltou empenho da parte de outros órgãos do Governo Federal em agilizar as negociações?
Sim. 0 Ministério da Justiça, por exemplo, poderia ter auxiliados nos diálogos.

A Crítica, 22/01/2005, p. C1

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