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Índios novamente

CB, Pensar, p. 9.
19 de Ago de 2001

Índios novamente

Cristina Ávila

19/08/2001

Por muito tempo considerados extintos depois de expulsos das próprias terras, vários povos indígenas provam que estão bem, obrigado.

Os 500 anos de Brasil foram padecidos pelo veneno, pelo descaso, pelas armas. As vítimas são os povos nativos, com cinco séculos também forjados na resistência indômita, na perseverante teimosia de um rio subterrâneo, que aflora de tempo em tempo, de lugar em lugar, com presenças, lutas, conquistas, ofertas.

Assim, Dom Pedro Casaldáliga, o bispo de São Félix do Araguaia (MT), poeta em três idiomas - catalão, português e espanhol - descreve a história das nações indígenas brasileiras. Aos 73 anos, ele se refere aos índios com a tenacidade de um jovem que acredita no futuro, exaltando "a reconquista da terra, da identidade, da própria cultura, a reprodução, a nova educação". E também com rebeldia adolescente: "Irrita ouvir falar em descobrimento, sem a menor sensibilidade histórica".
Dom Pedro Casaldáliga apresenta sem rodeios o recém-lançado livro Outros 500 - Construindo uma Nova História: "Enquanto o Brasil real não assumir, com devida lucidez e honestidade, sua trajetória indígena e indigenista - anti-indígena secularmente na política oficial - este país pluricultural, pluriétnico, plurinacional não estará em paz com sua consciência, ignorará sua identidade e carregará a maldição de ser - oficialmente - etnocida, genocida, suicida".
A obra, com 256 páginas, da editora Salesiana, é do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que em 1972 teve como um dos principais fundadores o próprio Dom Pedro Casaldáliga. Com 33 anos no Brasil em defesa da Ameríndia, como denomina o continente dos nativos das Américas, ele se considera um "tataraneto arrependido de conquistador". É espanhol, nascido em Catalunha, e sempre se refere à chegada dos europeus como invasão.
Outros 500 é um documento, uma reflexão, formulada durante mais de três anos de pesquisas por vários missionários do Cimi, entre eles o historiador Benedito Prezia, que tem vários livros didáticos editados acerca da questão indígena, e o teólogo e também escritor Paulo Suess. Tem ainda a contribuição dos artistas gráficos Bené Fonteles e Licurgo Botelho. A obra divide-se em três partes: a violência histórica, os caminhos do futuro e um memorial aos líderes.Destaca-se o levantamento feito dos povos ressurgidos (511 mil, dos quais 358 mil em aldeias, contra os 220 mil contabilizados em 1983) - aqueles, considerados um dia extintos pelo Estado brasileiro. Oficialmente desaparecidos porque foram obrigados a abandonar seus territórios e aldeamentos, ameaçados por invasores. Assim, vários aldeamentos se transformaram em cidades. O movimento messiânico de Canudos, no final do século 19, que deslocou grandes contingentes em busca da terra prometida, também contribuiu para o abandono de antigos territórios no norte da Bahia, por exemplo. Com a morte de Antônio Conselheiro e o massacre de seus seguidores, quando alguns índios sobreviventes tentaram voltar, as terras estavam invadidas por fazendeiros e posseiros. Índios passaram, então, a viver como empregados ou agregados em fazendas. Como forma de sobreviver e continuar morando no lugar de suas antigas aldeias.Com a realização das Assembléias de Chefes Indígenas, promovidas na semi-clandestinidade pelo Cimi durante a ditadura militar, a partir de 1974, os índios "sobreviventes" dessa extinção oficial passaram lentamente a assumir sua identidade étnica e a reivindicar o direito a suas terras.Desde o início dos anos 30, ressurgiram 64 povos indígenas no Brasil. Destes, 52 ressurgiram depois de 1973 - como os Tupinambá e Tupinikim. E o que é muito interessante: os debates em torno dos 500 anos e a organização da Marcha e da Conferência Indígena realizadas em abril de 2000, em Porto Seguro (BA), encorajaram o ressurgimento de 12 povos indígenas. Desde os anos 30, ressurgiram no país quase o mesmo número de povos indígenas exterminados ao longo do século 20. E, como diz Maninha Xukuru-Kariri, em seu depoimento no livro: "Os povos indígenas, os sem-terra, os sem-teto, os desempregados, os meninos e meninas de rua, os trabalhadores escravos, os aposentados desrespeitados, toda a população marginalizada tem uma bandeira única. Outros 500". Frase completada pelo cacique Augusto Kaingang: "Queremos um próximo milênio bem diferente deste. Queremos fortalecer organizações e alianças. Construir um Brasil onde o índio tenha lugar".

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