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Índios lutam para retomar terra ancestral no Brasil

Uol Midia Global -São Paulo-SP
Autor: Mei-Ling Hopgood
29 de Set de 2005

Nativos vêm sendo eliminados pela expnsão das fronteiras agrícolas

No norte do Estado do Mato Grosso

Tupxi, um índio brasileiro, olha zangado para uma fileira de pés de milho que, segundo ele, estão crescendo sobre os ossos dos seus antepassados.

Ele também nasceu nesta terra. Mas Tupxi, que calcula ter 77 anos, não sabe se será enterrado aqui. A sua tribo, os Irantxé, perdeu suas terras na década de 1950, quando agricultores vieram para cá a fim de plantarem seringueiras e outras culturas. Àquela época, o governo brasileiro removeu os índios. Os Irantxé foram transferidos para uma pequena reserva do outro lado do rio. Lá, a pequena tribo quase acabou.

"Esta é a minha terra", afirma Tupxi.

Na esperança de serem bem sucedidos como vários outros grupos indígenas que lutaram para reaver as suas terras, os Irantxé apelaram ao governo.

Eles esperam que algum dia possam transformar as fazendas em matas e trazer de volta animais como a anta, o veado e o porco do mato, diz Tupxi. Eles querem produzir o seu próprio alimento, e deixar de depender dos brasileiros "brancos".

Mas, por ora, os Irantxé precisam voltar, remando em suas canoas, para a única terra que o Brasil lhes deu, e aguardar.

A batalha pelos direitos sobre a terra no Brasil continua a ser controversa, acalorada e, por vezes, violenta. Vários ativistas locais e estrangeiros foram assassinados devido a conflitos agrários.

Fazendeiros e madeireiros continuam afirmando que têm o direito de cultivar a terra, argumentando que o que está em jogo é a economia nacional.

Mas os índios brasileiros --mais bem organizados do que nunca, e contando com o auxílio dos grupos de defesa dos direitos humanos para fazerem as suas reivindicações-- obtiveram algumas vitórias difíceis nos últimos dez anos.

"Nenhum país do mundo possui tal percentagem de terra doada aos índios", afirma Michel Souza, porta-voz da Fundação Nacional do Índio (Funai), a agência governamental de questões indígenas.

Atualmente, existem 475 territórios indígenas protegidos, cobrindo uma área de 1.060.340 km² , em um país de cerca de 8,55 milhões de km².
Ele diz que o governo deverá dar aos índios outros 2,43 milhões de hectares até o final do ano. Maior do que a Suíça, o território indígena será um dos maiores do Brasil.

"A terra não é só um espaço para a sobrevivência, mas um lugar onde eles podem reproduzir a sua cultura e mantê-la viva", explica Souza.

Acredita-se que mais de cinco milhões de índios viviam no Brasil antes da conquista e da colonização. O país obteve a independência em 1822, depois de três séculos de domínio português. Na década de 1950, as tribos remanescentes estavam à beira da extinção.

Atualmente, há cerca de 440 mil índios no Brasil, representando 215 etnias diferentes. O ativismo agressivo por parte de defensores nacionais e internacionais dos povos indígenas e uma lenta mudança na opinião pública e nas políticas governamentais ajudaram o processo de recuperação dessas populações.

Em 1988, o Congresso brasileiro reconheceu os direitos dos índios à terra na Constituição Federal.
No decorrer dos últimos quatro anos, o governo forneceu 54 áreas a índios que reivindicavam terras, diz Souza. Umas das maiores vitórias indígenas ocorreu em 2002, quando um tribunal brasileiro determinou que quatro tribos tinham o direito de reivindicar a recuperação de mais de 1,2 milhão de hectares na Região Norte do Brasil, após uma batalha de 30 anos pela posse da terra.
Os índios representam cerca de 0,2% da população brasileira de 186 milhões de habitantes, mas são donos de cerca de 12,5% da terra do país.
As pesquisas de opinião indicam que os brasileiros geralmente concordam que os índios, que sofreram um século de expulsão de suas terras, abusos e a quase extinção, merecem ser donos de terras protegidas. Mas alguns políticos argumentaram que o desenvolvimento econômico será prejudicado caso se dê muita terra aos índios.
Um dos grandes desafios para as tribos e o governo é defender as áreas indígenas dos intrusos. Apesar do empenho de autoridades ambientais brasileiras, no ano passado o desmatamento chegou ao seu nível mais alto em uma década. E os ativistas dizem que o governo continua sendo altamente ineficiente --para não dizer negligente ou corrupto-- quando se trata de reconhecer e proteger as reservas tribais.

Fiona Watson, coordenadora de campanha para o grupo de direitos indígenas Survival International, diz que pecuaristas, fazendeiros e rizicultores continuam ocupando áreas indígenas.

Segundo ela, o governo não enfrentou a questão em certas áreas extensas, onde os índios, como os Guarani, que são 30 mil no Brasil, estão morrendo por falta de recursos.
"Os compromissos verbais dos políticos quanto à questão do direito à terra ficaram bonitos no papel, mas não foram cumpridos", acusa Watson.

Souza, da Funai, alega que o Brasil continua a fazer progressos em um processo marcado por dificuldades. A agência está tentando obter poder de polícia para prender os invasores das terras indígenas, diz ele.
No Mato Grosso, um Estado amazônico voltado para os agronegócios e palco de quase metade do desmatamento ocorrido no ano passado, os Irantxé observam nervosamente a terra ser cultivada por fazendeiros. A sua atual reserva, com uma área de 450 km², é um oásis de savana cercado por quilômetros e mais quilômetros quadrados de fazendas.
Os Irantxé sobreviveram a um século turbulento, durante o qual foram perseguidos por fazendeiros e doutrinados por missionários, tendo quase se extinguido. A população dos Irantxé, que era de 1,200 índios em 1948, chegou a apenas 50 na década de 1960.

Eles foram transferidos de local e puderam se casar com membros de outras tribos, e hoje os seus descendentes são cerca de 400.

Os Irantxé ainda praticam danças rituais, e pintam os corpos com sementes de urucum. Mas eles vestem roupas ocidentais: camisetas, calças jeans e sandálias de dedo. Falam e estudam o português e a sua língua nativa.

As famílias moram em casas de tijolos sem eletricidade, que à noite são iluminadas apenas por lamparinas. Eles conhecem essas florestas como a palma da mão. Até mesmo as crianças se movimentam com precisão no escuro.

A terra que desejam é quase cinco vezes maior do que a atual reserva, e, segundo eles, possui um solo mais fértil e recursos naturais abundantes. Os antropólogos os visitaram, tendo gravado as histórias orais e desenhado mapas a fim de provarem que a área pertence à tribo.

Atualmente, a terra está dividida em várias fazendas, embora o governo tenha baixado restrições às atividades agrícolas na área enquanto as autoridades avaliam a disputa pendente. Os Irantxé deram entrada oficial com um pedido de posse em 1993, e não se sabe se tão cedo o governo anunciará uma decisão.

Enquanto isso, a tribo garante que os fazendeiros continuam expandindo as suas plantações, derrubando mais matas a todo momento. Há muitos boatos de que o governo federal teria feito um acordo com os empresários rurais no sentido de interromper a expansão das terras indígenas na área.
Impacientes, alguns Irantxé querem ocupar parte da terra ilegalmente.
"O que não entendo é o fato de termos que lutar por algo que é nosso", reclama Kanuzi, um irantxé de 26 anos.

"No entanto, estamos confiantes", garante Arazi, 42. "Se Deus quiser, teremos as nossas terras de volta".

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