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Índios "importados" da Foz do Breu estão confinados e passando fome em Plácido

Acre 24 Horas - AC24H (Rio Branco - AC) - www.ac24h.com.br
Autor: Jairo Carioca
24 de Nov de 2015

Cerca de quarenta índios que foram transferidos da Foz do Breu, de Marechal Thaumaturgo, no Juruá, para o município de Plácido de Castro, no Abunã, entre os anos de 2014 e 2015, estão confinados e passando necessidades. Trazidos para o município com a promessa de vida farta e um modelo de turismo baseado nos Kaxinawa da Região de Tarauacá-Envira e Jordão, as famílias longe de seu habitat natural perderam seus usos e costumes, alguns já foram denunciados por tentativa de roubo.

PARA ENTENDER O CASO:

A denúncia foi feita pela ex-esposa do indígena Mapu Huni Kuî que a pedido, terá seu nome preservado. Ela conta que foi quem primeiro abrigou cerca de oito índios em sua residência no ano de 2014. Aos poucos o grupo foi crescendo e despertando a curiosidade dos moradores que passaram a estranhar a permanência das famílias na rotina da cidade.

Descobriu-se então, que um ex-vereador e empresário, Allisson Ferreira, era o principal articulador da transferência dos indígenas da região de Foz do Breu para o Abunã. É ai que entra na história, outro interessado, o prefeito do município, Roney Firmino.

A pedido do grupo de indígenas a acadêmica do curso de Ciências da Sociais da Universidade Federal do Acre, Mirna Naiara Campos do Rosário, elaborou a apresentação de um slide com um plano de etnoturismo que objetivava fortalecer o turismo na região e aquecer a fraca economia do município, para mostrar a comunidade local a potencialidade dos povos indígenas e desmitificar mentiras e preconceitos sobre as famílias inseridas no local.

Com isso, o prefeito Roney Firmino resolveria outro grave problema, a ocupação do Parque Ecológico que estava abandonado e servindo durante toda a sua gestão para o uso de tráfico de drogas e palco de crimes de estrupo e violência sexual contra mulheres.

Da teoria para a prática a coisa foi bem diferente. Procurada pela reportagem a acadêmica de Ciências Sociais afirmou que começou a ter problemas desde a execução das primeiras metas do projeto. "Eu sempre fui contra a transferência prematura dos indígenas sem antes a preparação do cenário para a organização das comunidades" , comentou Mirna.

Ela aponta para a participação de um quinto elemento, o secretário de cultura de Plácido de Castro, cujo nome não foi identificado, que passou segundo Mirna a interferir na vida cultural dos indígenas já inseridos dentro do Parque Ecológico. "Eu fui praticamente proibida de ter contato com os indígenas sob a acusação de estar informando-os sobre seus direitos", acrescentou a acadêmica.

Sem recursos financeiros - Como esqueceram de planejar de onde viriam os recursos financeiros para arcar com as despesas das famílias inseridas no projeto, o empresário Allisson e o prefeito Roney começaram a perceber a criação de um enorme problema social. Longe de seus usos e costumes, sem terra para implantação de roçados, sem açudes, lagos ou rios próximos, os índios começaram a passar por necessidades, "inclusive fome", disse a denunciante. Há informações de pequenos roubos e furtos praticados pelos indígenas e até de prostituição.

"Eles estão sem energia elétrica, a água não é própria para o consumo e tem uma índia que estava grávida, sem orientação nenhuma, ela perdeu líquido e o bebe morreu a caminho de Rio Branco", disse a denunciante.

Caso se transformou de domínio público - Algumas postagens feitas no facebook do empresário Allisson Ferreira mostram a tentativa de repassar à opinião pública a imagem de que a coisa está andando conforme o que foi planejado.

As duas últimas mostram o empresário ao lado do que ele chama de grande liderança da Aldeia Vale do Abunã, Parque Ecológico Plácido de Castro. Em outra imagem ele comenta uma reunião na prefeitura para tratar "dos assuntos relacionados ao Parque Ecológico municipal". O empresário afirma que chegou até a marcar para o final de dezembro a reinauguração do patrimônio.

Mas de acordo Mirna Rosário, "nada saiu do papel, não foram feitos os mapeamentos das árvores, as trilhas que precisam ser reconstruídas no interior do Parque e a estrutura indígena necessária para a sobrevivência dessas comunidades", analisou.

Depois de ver as dificuldades enfrentadas, principalmente pela falta de recursos e profissionais experientes para acompanhar a convivência dos indígenas, o prefeito Roney Firmino ficou em cima do muro com medo da opinião pública às vésperas de uma eleição.

A reportagem localizou o ex-marido da denunciante, Mapu Huni Kuî que nos revelou o seu intuito de buscar apoio e autorização para ocupação do parque, no pensamento de resgate e valorização da cultura huni Kuî, "O meu objetivo era tirar da cidade de Rio Branco famílias que foram atingidas pelas cheias do Rio Acre, resgatar a sua identidade cultural e inseri-las em um ambiente sustentável", relatou Mapú.

Ele foi o primeiro índio a se transferir da Foz do Breu para Plácido de Castro. Embora considere como grave a situação, Mapú não reconhece algumas denúncias relacionadas aos irmãos indígenas.

Federação reconhece interesse eleitoral por parte de autores do projeto

Procurada, a Federação do Povo Huni Kuin, através de seu presidente, Ninawá Huni Kuin, reconheceu o que chamou de má fé por parte dos autores do projeto de transferência dos indígenas para Plácido de Castro.

"Nós vamos acompanhar a situação de perto e processar judicialmente quem está praticando essa manobra de má fé com outros interesses que não sejam o de formação, trabalho social e alternativa para nosso povo e o município", avisou Ninawá.

Ele disse que não são apenas as famílias inseridas em Plácido de Castro que representam o povo Huni Kuin, mas 94 aldeias, 12 comunidades em 5 regiões diferentes carregam o nome dessa tribo.

"Vamos bater palmas para quem está correto, mas representar quem está se utilizando de nossa gente para interesses exclusos", reafirmou.
Funai vai fazer visita técnica para verificar situação dos indígenas

A coordenadora da Fundação Nacional do Indío (Funai) no Acre, Evanízia Puyanáwa, disse que os índios estão sendo transferidos por livre e espontânea vontade pelo reconhecimento de que o município não tem histórico de vida indígena.

Ela disse que o prefeito Roney Firmino informou sobre a transferência dos indígenas. Evanízia desconhece as informações de que a comunidade venha passando necessidades, comentou sobre uma reunião feita pelo secretário de cultura na Funai, onde o mesmo, teria dado ótimas informações sobre a permanência dos indígenas na área.

"A Funai vai fazer uma visita in loco para constatar a real situação", garantiu a coordenadora.

O OUTRO LADO:

Durante todo o dia de ontem e a manhã de hoje, a reportagem tentou falar com o prefeito Roney Firmino, mas fomos informados que ele não estava na prefeitura. Por telefone, tentamos contactá-lo, mas as ligações só caiam na caixa de mensagem. O empresário Allisson Ferreira não foi localizado para falar sobre o assunto.

O ac24horas já mostrou em agosto desse ano os alertas feitos pelo pastor e liderança da região, o Zé da Costa, para a situação de abandono da região. Sem perspectivas e ameaçados pelo mercado das drogas, famílias estão deixando o local em busca de vida melhor.

http://www.ac24horas.com/2015/11/24/indios-importados-da-foz-do-breu-es…

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