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Índios e diamantes em Rondônia

O Liberal-Belém-PA
Autor: Roberto A. O. Santos*
08 de Mai de 2004

A tragédia ocorrida na reserva indígena Roosevelt, em Rondônia, com a morte de 29 homens que ali faziam garimpo ilegal de diamantes, não pode ser compreendida isoladamente. Foi no final dos anos 1920 que as terras dos índios Cinta-Larga passaram a ser invadidas por não-índios em busca de seringueiras. Um dos conflitos maiores foi o Massacre do Paralelo 11, ocorrido em 1963, assim resumido pela senadora Fátima Cleide, de Rondônia: "A ganância de mineradoras de diamantes reduziu os 5.000 Cinta Larga a cerca de 1.300 sobreviventes, em brutal ação de extermínio." O fato teve repercussão internacional, sendo o Brasil, pela primeira vez, acusado de genocídio. Os confrontos se multiplicaram com a chegada dos madeireiros, que devastavam as florestas indígenas para extrair madeiras nobres. "Eles deixam atrás de si um rastro de destruição e degradação ambiental, tráfico de drogas, alcoolismo, prostituição e desagregação das tradições culturais e das próprias comunidades", conta Inês Zanchetta, do Instituto Socioambiental (ISA).

A partir da descoberta da jazida diamantífera na região (1999), a excitação aumentou, impelindo garimpeiros para a reserva, o que vem acontecendo desde 2000, atingindo em certa altura o número de 5.000 garimpeiros. Em dezembro de 2001, é assassinado Carlito Cinta-Larga, e, em abril de 2002, César Cinta-Larga. Denúncias e protestos geraram ação no sentido da retirada dos garimpeiros, que se iniciou em março de 2002. Entre janeiro e agosto de 2003, foi concluída. Não cessaram, porém, as ameaças de novas invasões por garimpeiros.

Em novembro de 2003, a Comissão Parlamentar de Direitos Humanos visitou a aldeia, e os índios denunciaram o assédio e a violência a que estão expostos, dizendo que "irão resistir contra as invasões". A subprocuradora-geral da República Ella Volkmer, tendo visitado a região, enviou ao governo um relatório, "alertando para a gravidade da situação dos Cinta-Larga" (Zanchetta).

A Constituição Federal (CF) manda reconhecer aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, "competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens" (artigo 231). A mineração de subsolo em terras indígenas, quer a lavra quer a pesquisa, só pode ser efetivada mediante autorização do Congresso Nacional, que ouvirá prévia e diretamente as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados, sendo indispensável também o estudo e o licenciamento ambientais.

Tratando-se de garimpagem em terra indígena, a atividade é proibida a não-índios, mesmo cooperativados (CF, artigo 231, parágrafo 7o). E a lei de minas considera crime a extração de minerais sem permissão (Lei 7.805/89, artigo 21). Não é, porém, proibida a garimpagem a índios, ao contrário da informação divulgada em alguns jornais. Por serem usufrutuários vitalícios das terras que ocupam, com posse permanente e exclusiva (CF-88), os índios podem praticar a garimpagem no solo e águas interiores respectivos. José Afonso da Silva já o afirmara, ao comentar a CF-88. E Juliana Santilli expressa a mesma opinião em "Povos indígenas no Brasil-1996/2000", do ISA. O Conselho Indigenista Missionário segue rumo igual. Unicamente por questões de administração minerária do País, os índios devem contatar o DNPM a respeito, preferentemente através da Funai. Lembre-se que o Estatuto do Índio, de 1973, recepcionado pela CF, dispõe que "as riquezas do solo, nas áreas indígenas, somente pelos silvícolas podem ser exploradas, cabendo-lhes com exclusividade o exercício da garimpagem, faiscação e cata das áreas referidas" (artigo 44).

A página da Funai na internet registra: "A descoberta de diamantes na terra dos Cinta-Larga acirrou a ganância dos garimpeiros, que querem a todo custo invadi-la. Para justificar essa atitude, contam com o apoio de um jornal local compromissado com os invasores". E acrescenta: "Independentemente da sua terra indígena ter diamantes ou não, cabe aos Cinta-Larga, assistidos pela Funai e pelo Ministério Público da União, decidir como serão explorados os recursos naturais de que dispõem".

Por outro lado, o índio Nacoça Piu Cinta-Larga, presidente da Associação Pamaré do Povo Indígena Cinta-Larga, divulgou nota, do final de 2003, sobre a inquietação em que vivem os índios na reserva, pressionados sob ameaça de morte, inclusive de seus filhos pequenos, a não aparecer na cidade, onde se abastecem de alimentos e outros itens. E rejeita energicamente a versão da mídia sobre assassinato de garimpeiros. A nota já mostrava os riscos, para o País, de se tolerar a reincidência e ampliação das invasões: "Queremos deixar clara uma coisa; devido a não termos acessos aos limites da área, muitas vezes ficamos sabendo que garimpeiros trabalham manualmente de forma clandestina, com isso, ao extraírem minério, matam-se uns aos outros, para furtarem entre si os minérios que exploraram clandestinamente. Quando estes garimpeiros voltam à cidade, sem a presença de seus malfadados companheiros, rapidamente dizem que foram os Cinta-Larga que os mataram. Coisa que a mídia local, mancomunada com os interesses de políticos, explora desavergonhadamente, denegrindo nossa imagem, desonrando nosso povo e fomentando o ódio dos brancos contra nossa gente".

No mesmo sentido se pronunciou, em 14 de abril corrente, a Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas, dizendo mais: "A pressão de grupos políticos e empresariais de Rondônia que defendem a liberação do garimpo a todo custo, principalmente pelo próprio governo do Estado que se propõe a comprar os diamantes via Companhia de Mineração de Rondônia - CMR, tem funcionado como incentivador aos garimpeiros no processo de invasão em busca de diamantes".

Tendo em vista o tratamento especial que a Constituição e o Estatuto do Índio garantem ao silvícola na exploração dos recursos naturais dentro de suas terras indígenas, causou surpresa que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Jorge Armando Félix, declarasse a um jornal paulista, em 22 do corrente, que "o governo vai elaborar uma legislação para regularizar a extração de pedras preciosas em reservas indígenas, atividade hoje proibida" e que "é ilusório. Quando proíbe, acaba acontecendo uma coisa como essa... Desde a Bíblia se briga por ouro e por pedras preciosas". Como o ministro acha que não se deve proibir a garimpagem de não-índios nas reservas, suas palavras parecem significar que as reservas terão que ser acessíveis a qualquer brasileiro. Se é isto, a proposta - além de altamente prejudicial à cultura e sobrevivência dos povos indígenas - será inconstitucional. Bem melhor será insistir no Projeto de Lei do Estatuto das Sociedades Indígenas, que caminha há anos tão lentamente no Congresso, com estranha tolerância política do Executivo, o qual, por antecipação não compreendida, vem de reduzir em mais de 300.000 hectares a área demarcada dos Kaiapó, no Pará, e está prestes a promover a fragmentação da terra indígena Raposa-Terra do Sol em Roraima.

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