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Índios do agreste pernambucano ensinam sua cultura às crianças da capital

Fundação Joaquim Nabuco
Autor: Márcia Neri
24 de Abr de 2008

Com a pele pintada, cabeça enfeitada, arco e flecha em mãos e sob os olhares atentos e curiosos de estudantes brasilienses, índios da tribo Fulni-ô, uma aldeia do agreste pernambucano, saem do universo dos livros e apresentam sua arte, costumes e rituais sagrados nas escolas da capital do país. Eles integram o projeto "O índio vai à escola", que existe há quatro anos para levar a crianças e adolescentes a realidade dos indígenas que ainda ocupam as terras brasileiras.

O objetivo do encontro é resgatar a cultura indígena e proporcionar a interação entre os Fulni-ô e os alunos das instituições públicas e particulares do Distrito Federal. Por isso, ontem, o pátio do Colégio Tiradentes, em Ceilândia, foi palco de danças, cantos e celebrações da tribo que também é conhecida como Carnijó (leia Para saber mais).

Para Daniel Santos e Costa, um dos coordenadores da iniciativa, além do resgate cultural e da valorização da diversidade, o contato direto com os índios é importante para evitar estereótipos em relação ao estilo de vida deles. "Nosso projeto já esteve em mais de 200 escolas. Mostramos que, apesar de parecer extinta, a tribo ainda guarda grande riqueza cultural. A intenção é levar a temática indígena às futuras gerações. É uma tentativa de evitar que ela se perca", conta.

Os índios mostraram o artesanato produzido na tribo e explicaram a professores e alunos o significado de seus rituais. Ao participarem de uma dança que celebra a união dos povos, o entusiasmo dos alunos tomou conta do local. "Não sabia que ainda existiam índios de verdade. Gostei das apresentações e aprendi sobre a cultura e o jeito de viver desse povo. Sempre que estudar sobre os índios, lembrarei desse dia", disse Paloma Castro de Oliveira, 7 anos, aluna do 2o ano do Ensino Fundamental.

Para o colega de Paloma, Leonardo Leal Andrade, 8, o encontro foi importante para entender e aceitar as diferenças culturais. "Foi um dia legal na minha vida. Nunca visitei uma tribo, e acredito que essa demonstração pode ajudar a preservar a história. Contaremos o que vimos para nossos pais, irmãos e amiguinhos", lembrou. Ele e Paloma fizeram questão de tirar fotos com o curumim (indiozinho) Shirio. A visita também surpreendeu as professoras, que foram chamadas para participar da demonstração do ritual do casamento da tribo. "Essa dança traz sorte para aquelas que são casadas e um pretendente para as que ainda são solteiras", explicou o cacique Walê Fulni-ô.

Respeito

O chefe da tribo explicou aos alunos que faz questão de visitar as escolas de Brasília para ensinar que os índios não são apenas personagens de livros."Temos costumes diferentes, fomos expulsos de nossas terras, mas queremos uma convivência pacífica. Os livros não ensinam isso. Com esse contato, as crianças brancas aprendem a respeitar nosso povo", afirmou o cacique. "Muitos brasileiros ainda acham que podem queimar índios em paradas de ônibus", completou ele, referindo-se ao índio Galdino Jesus dos Santos, um pataxó que foi queimado enquanto dormia em um ponto de ônibus, em Brasília, em 20 de abril de 1997. O crime foi cometido por cinco jovens de classe média alta da capital.

Os Fulni-ô visitam Brasília somente entre os meses de março e maio. "Nessa mesma época, temos outros grupos visitando Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Salvador. Nas viagens, aproveitamos para vender o artesanato produzido na aldeia. Ele nos ajuda a sobreviver, pois há dias em que não conseguimos pescar e caçar. O desmatamento prejudicou a vida na aldeia", lamentou o cacique Walê.
PARA SABER MAIS
A língua como essência

Também conhecidos como Carnijó ou Carijó, os Fulni-ô vivem no município de Águas Belas (PE), a 270km de Recife. Cerca de 3,6 mil índios habitam uma aldeia de 11,5 mil hectares e sobrevivem do artesanato e da agricultura de subsistência. O nome da etnia significa "povo da beira do rio": o Rio Fulni-ô corre ao longo da aldeia de Águas Belas. Esse povo tem convívio diário com os não-índios, são todos bilíngües, vestem-se como os brancos, mas não perderam sua identidade. São os únicos indígenas do Nordeste brasileiro que mantêm viva a língua nativa, a Yaathe (ou Yathê). O uso do cocar, da pintura corporal ou dos adereços não são marcas dessa etnia. Para os Fulni-ô, a origem do índio é a língua, por isso conseguiram manter a Yaathe viva até hoje.

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