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Índios discutem Estatuto dos Povos Indígenas em Manaus

A Crítica-Manaus-AM
Autor: Ana Celia Ossame
17 de Abr de 2002

A aprovação urgente do novo Estatuto dos Povos Indígenas é a pauta número um dos debates da Semana dos Povos Indígenas, iniciada ontem em Manaus, no Centro de Treinamento Padre Anchieta (Cepan). O evento, realizado em comemoração ao Dia do Índio, será encerrado no dia 19 com a elaboração de um documento definindo estratégias de luta para a aprovação do novo estatuto, cujo projeto tramita no Congresso Nacional há 14 anos.
O documento será encaminhado aos parlamentares federais e estaduais pedindo o empenho deles para recolocar em pauta o projeto, disse o índio Vilmar Guarany, coordenador geral substituto da Coordenação de Difusão dos Direitos Indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculado à Presidência da República. Vilmar lembra que, apesar de a Constituição garantir a autonomia dos povos, o estatuto em vigor ainda torna os índios tutelados. "A Constituição mudou isso, mas sem o estatuto o governo legisla com decreto e medidas provisórias", explica.
Entre as demais propostas a serem discutidas em painéis e grupos de trabalho que devem constar no documento final estão a demarcação e garantia das terras indígenas e a implantação de uma política de desenvolvimento, a discussão e aprovação pelo Congresso Nacional de medidas de proteção da sabedoria indígena, dos conhecimentos tradicionais e do patrimônio genético, incluindo a proteção da biodiversidade, diz o presidente da Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas (Fepi-Am), professor Ademir Ramos.
Na pauta, segundo Ademir, estão a discussão sobre a ocupação militar das terras indígenas e a ratificação de tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Declaração Universal dos Direitos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Ademir afirma que, apesar da Constituição, os índios são considerados no Brasil como exilados, porque nem todos os direitos são respeitados. Como exemplo ele cita o novo Código Civil, que deverá entrar em vigor em 2003 e identifica os índios na categoria de silvícolas, dependendo de lei complementar para tornarem-se cidadãos.
Hoje, o encontro terá a apresentação do painel "A luta pela garantia dos direitos indígenas", a ser apresentado por membros da Fepi, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Comissão Estadual de Assuntos Indígenas da Assembléia Legislativa do Estado (ALE), Funai, Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (Pdpi), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) entre outros. A apresentação será seguida de debate. À tarde haverá atividades dos grupos de trabalho.
Após ouvir de vários conferencistas críticas diretas e indiretas ao Estado enquanto poder, o escritor Max Carpenthier, da Secretaria da Cultura, Turismo e Desportos (SEC), fez uma advertência. Max alertou os presentes sobre a necessidade de se deixar de tratar o Estado como um ser inanimado. "Todo mundo lava os pés no Estado, esquecendo-se que ele é uma ficção jurídica. Qualquer problema do Estado é uma somatória de tudo o que os homens são", ponderou.
Ele convidou os presentes a superarem as separações de raças. "Deixemos esses conceitos de ser branco, negro ou índio como lembrança dos antigos livros de antropologia para sermos apenas homens e mulheres cidadãos de direitos", concluiu.
Constituição ignora avanços
Um dos conferencistas do evento e defensor da proposta foi Carlos Frederico Marés, 54. Advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), especialista na área de direito indígena, Marés explicou que, apesar de estar arcaico por não contemplar as novas questões relacionadas aos direitos indígenas, o estatuto é importante para regulamentar a Constituição de 1988. "O estatuto em vigor, a lei 6/061/73, não reconhece os avanços obtidos na Constituição de 1988, que alterou profundamente alguns aspectos da legislação brasileira referente aos índios", afirmou.
A Constituição foi um marco, uma ruptura no estatuto em vigor, por reconhecer os índios como sujeitos de direitos, disse Marés, para explicar que, no entanto, o estatuto em vigor ainda define o índio como propriedade do Estado. Outro aspecto preocupante é em relação ao patrimônio indígena. "Neste estatuto está dito que esse patrimônio deve ser administrado pela Funai (Fundação Nacional do Índio)", disse Carlos Marés, situação que deve ser urgentemente modificada por ser, inclusive, contrária ao que está dito na Constituição.
Para justificar isso, Marés cita o exemplo de vários povos indígenas como os guaranis, de Mato Grosso, cujas terras foram exploradas para a produção de madeira sob o comando da Funai, mas a renda não foi dividida com eles. "Os índios é que devem gerenciar o seu patrimônio", defende.
Marés destaca que as teses aprovadas na Constituição já se tornaram secundárias diante das novas demandas que são novas pautas dos povos indígenas. "Hoje, os índios têm outras necessidades, como a discussão da propriedade intelectual e o direito à biodiversidade", argumenta ele.
Na visão do advogado, faltam vontade política e sensibilização dos vários setores da sociedade como poderes Executivo e Legislativo, além de mobilização das organizações indígenas para conseguir a aprovação do novo estatuto.
Direitos têm de sair do papel
Do papel ao exercício efetivo dos direitos, é o que o movimento indígena da Amazônia reivindica. A maioria das lideranças reconhece que o País avançou quanto a aprovação de leis que ampliam as garantias dos povos indígenas, mas entende que ter boas leis impressas não significa nada e, por isso, quer nesta Semana dos Povos Indígenas retomar discussões e definir estratégias para fazer valer a legislação. Hoje, um painel vai avaliar "A Luta pela garantia dos direitos indígenas" e indicar a tomada de novos posicionamentos.
Os debates terão início às 8h30, no Centro de Treinamento Padre José Anchieta (Cepan), com a participação de representantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), da Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas (Fepi), do Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI), Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Ordem dos Advogados do Brasil-seção Amazonas (OAB/AM), Comissão Estadual de Assuntos Indígenas da Assembléia Legislativa do Estado (ALE), Funasa e Universidade do Amazonas, Comando Militar da Amazônia (CMA). Jorge Terena, assessor da Fepi, vai mediar as discussões.
Cinco grupos iniciam, hoje à tarde, a avaliação e formulação de propostas nas áreas de Saúde, Educação, Etnodesenvolvimento, Política e Movimento Indígena, Biodiversidade e Propriedade Intelectual. Os Grupos de Trabalho (GTs) estão sendo constituídos basicamente por representantes de organizações e comunidades indígenas da Amazônia que terão a tarefa de até à noite de amanhã aprovar o documento contendo as principais propostas por eles aprovadas para essas áreas.
Estas serão, mais tarde, encaminhadas às diferentes instâncias de poder do Executivo e Legislativo a fim de que conheçam as posições defendidas por essas lideranças. De outro lado, tais formulações vão subsidiar o movimento indígena nas ações que pretende reforçar a partir deste ano.
Líder alerta para legislação
O treinamento das lideranças indígenas para executarem projetos nas mais diversas áreas é a proposta defendida pelo líder Jorge Terena, um dos participantes da Semana dos Povos Indígenas.
Terena considera importante o aprendizado da legislação e da sociodiversidade para que os próprios índios possam compreender a realidade e elaborar projetos para as aldeias. Sem isso, garante ele, os índios não poderão gerenciar os próprios recursos, como determina a Constituição Brasileira.
Ao comentar a informação de que em Manaus existem cerca de 20 mil índios vivendo na periferia da cidade, Jorge acha importante as lideranças alertarem seus povos sobre os riscos dessa mudança. "Na aldeia, eles têm caça e pesca sem pagar nada, mas na cidade tornam-se mão-de-obra desqualificada, incapaz de executar várias tarefas por falta de profissionalização", adverte.

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