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Índios da Raposa Serra do Sol encerram viagem pela Europa para divulgar luta por terra em Roraima

Uol Notícias - noticias.uol.com.br
Autor: Fernando Moura
08 de Jul de 2008

Dois representantes da comunidade indígena Raposa Serra do Sol, que há meses vem lutando contra fazendeiros de arroz pela posse de suas terras no Estado de Roraima, encerraram nesta segunda-feira (07) uma turnê européia de 22 dias que realizaram com o intuito de denunciar as agressões sofridas pela sua comunidade nos últimos tempos, alertar para a futura decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a posse das suas terras e, fundamentalmente, para "criar uma nova relação com os indígenas brasileiros".

"Precisamos estabelecer uma nova relação com a Europa e com os brasileiros. Tivemos de sair do Brasil para ser conhecidos", disse com exclusividade ao UOL Pierlângela Nascimento da Cunha, da liderança Wapichana e Coordenadora da Organização dos Professores Indígenas de Roraima (Opir), em reunião realizada em Lisboa, Portugal, o último país visitado na Europa. "Nossa turnê foi positiva. Precisávamos que a voz do nosso povo pudesse ser ouvida em outro lugar e conseguimos Colocar o tema na agenda européia."

"Precisamos denunciar o que se passa na nossa reserva. Por isso estamos na Europa, para divulgar a notícia. Para que o mundo saiba de nós e assim o [presidente] Lula tenha apoio para nos ajudar", afirmou Jacir José de Souza, da liderança Macuxi do Conselho Indígena de Roraima (CIR) no Centro Universitário Padre Antônio Vieira, na capital portuguesa.

"O prejuízo é só para nós, eles destróem e nós sofremos, é uma situação de violência a nós e ao meio ambiente. Eles atacam e ninguém fez nada", comentou Pierlângela a uma numerosa platéia no auditório.

A representante da Opir explicou que a luta em Roraima não é contra pessoas inocentes, "mas com pessoas com poder político para fazer o que fazem e depois tem dinheiro e poder econômico para pagar advogados e fazer o que querem".

Jacir, que foi à Europa para difundir a campanha "Anna Pata Anna Yan" ("Nossa Terra, Nossa Mãe"), falou de ataques dos brancos: "Aqueles brancos - há brancos bons e maus - mas aqueles mandaram nos matar. Eles queimaram nossas casas, nossa escola, nossa igreja, o posto de saúde, eles colocaram gasolina nas nossas coisas e atearam fogo, acabaram com o pouco que tínhamos. Mas nós estamos cá para denunciar e continuar a lutar porque o índio lutará até o último índio."

"Nós [índios] não somos o problema, querem a terra", diz Pierlângela. "Os fazendeiros usam o poder político e econômico para nos dominar. O prefeito [de Pacaraima, Roraima, Paulo César Quartiero] que detém o poder político e econômico, o utiliza para colocar a população contra a gente. Ele até disse que se ganhar as próximas eleições a nossa terra será parte da Venezuela."

"É uma questão política que tem repercussão nos povos indígenas do Brasil. Os fazendeiros não têm títulos de terra, todos os produtores de arroz chegaram depois de 1992, quando a terra já tinha sido reconhecida e delimitada", afirmou o missionário da Consolata, Mário Campos, que acompanha os índios na viagem pela Europa e há 6 anos trabalha junto à comunidade no Brasil.

"Nos seis anos em que lá estive mataram uma mulher indígena e fizeram grandes atrocidades. Quando encontraram o corpo e o levaram para Boavista ao Instituto de Medicina Legal, afirmaram que a mulher tinha morrido de morte natural. Só quando a comunidade levou o corpo a Brasília se soube que tinha sido baleada e não foi por morte natural, como tinham dito antes", contou, abatido, o religioso.

A turnê européia
O périplo europeu, financiado em parte pelos recursos do Conselho Indígena de Roraima e por algumas empresas parceiras, começou no dia 17 de junho passado em Madri, na Espanha, onde estiveram por vários dias em busca de apoio para a sua causa.

Os dois líderes encontraram-se com representantes do governo espanhol, da embaixada brasileira e das agências de cooperação espanholas. Em seguida, estiveram com lideres políticos e sociais na Inglaterra, Bélgica, França e Itália. "O ponto alto da nossa viagem foi o encontro com o papa Bento 16, em Roma, e com representantes do Parlamento Europeu, em Bruxelas", sublinhou Pierlângela.

Em Portugal, entre os dias 3 e 7 de julho, encontraram-se, entre outros, com o ex-presidente português Mário Soares e com o Cardeal Patriarca de Lisboa, José Policarpo. Participaram também de uma celebração religiosa no Santuário de Fátima e divulgaram sua causa numa escola portuguesa. Nesta segunda, estiveram no colégio Luís de Almeida, da Santa Casa da Misericórdia, na Amadora, nos subúrbios de Lisboa. Em uma atividade de férias, os alunos conversaram com os representantes de Roraima sobre a situação que os seus povos enfrentam.

Em reunião com oito deputados do parlamento português, os representantes da reserva Raposa Serra do Sol solicitaram que a Comissão analise a oportunidade de Portugal ratificar a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), instrumento normativo que trata dos direitos dos povos indígenas e que foi ratificado por Brasil em 2004. Segundo explicaram os representantes do Conselho Indígena de Roraima, até agora apenas três países europeus ratificaram a convenção.

O que reclamam os índios?
A reserva Raposa Serra do Sol foi homologada pelo presidente Lula da Silva em 15 de abril de 2005, por decreto presidencial. "Isso ocorre após trinta e oito anos de luta organizada dos povos indígenas para conseguirem a homologação da sua terra. Estamos aqui [em Lisboa] a representar o Brasil, aos nossos índios e aos outros para que saibam que a nossa luta não pára, procuramos apoio para que a nossa demarcação de território seja respeitada", afirmou Jacir, que luta pelos direitos dos índios desde a década de 70.

O decreto homologatório estabeleceu o período de um ano (até abril de 2006) para a retirada de todos os não-indígenas da área, mediante contrapartidas do governo federal, segundo explica um comunicado divulgado pelos índios.

Quando "o governo federal resolveu tirar da nossa terra os empresários, ficaram os poderosos e eles queimaram as pontes para ninguém entrar e libertar as nossas terras", comentou Jacir, afirmando que "os poderosos" seguem lá e "os nossos índios estão nas enfermarias".

Nesse comunicado, os índios pedem "apoio e solidariedade frente à invasão de nossas terras e violação de nossos direitos fundamentais conquistados ao longo destes anos, com muito sofrimento e sangue, com 21 indígenas assassinados".

O comunicado explica, ainda, que os fazendeiros/arrozeiros recorreram ao Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Judiciário do Brasil, e este suspendeu a operação de retirada dos não-indígenas e acolheu um recurso apresentado pelo governo estadual de Roraima "que se encontra totalmente manipulado política e economicamente pelos fazendeiros", denunciam os índios.

A retirada dos arrozeiros "está suspensa até que o Supremo Tribunal se pronuncie, de modo definitivo, sobre a legitimidade do decreto de homologação, confirmando-o ou anulando-o (a decisão deveria ter acontecido até junho de 2008, mas será provavelmente adiada até agosto). Esta situação veio abalar décadas de luta pacífica dos povos indígenas da Amazónia pela recuperação das suas terras, que eles habitam há séculos em harmonia com a natureza", informam.

O que os representantes da Raposa Serra do Sol reclamam é que "se o Supremo Tribunal se pronunciar a favor dos arrozeiros, abre-se um precedente gravíssimo que colocará em causa homologações de outras áreas indígenas já demarcadas e protegidas, não só da Amazônia, mas também de todo o Brasil."

"Nova consciência"
"Precisamos criar uma nova consciência no Brasil e no mundo," afirmou ao UOL o padre brasileiro Mário de Carli na reunião organizada no Centro Universitário Padre Antônio Vieira.

"Os europeus devem mudar o preconceito para com os índios e entender que também são pessoas porque não podemos continuar com a idéia de que com uma esmola se resolve a coisa porque ele são uns coitadinhos, devemos começar a tratá-los como pessoas."

Para o padre, organizador do encontro, o balanço da turnê européia é positivo. "As minorias começam a falar e a levantar a sua voz, eles vieram em nome dos índios e a sua voz tem sido ouvida. É preciso que os europeus entendam que o outro existe, e nisso a Igreja está empenhada, mas antes da Igreja, são eles próprios."

De Carli, Missionário da Consolata a missionar em Portugal, não sabe muito bem o que é preciso fazer para que a homologação se concretize, mas pensa que é necessário mudar as mentalidades e dar aos índios o espaço que eles merecem. "Não há possibilidade de mudar a lei e voltar atrás para que eles, por fim, tenham direito a sua terra. Não podemos continuar assim, os fazendeiros têm que devolver o que não os pertence."

Segundo ele, o périplo europeu serviu para ajudar a mostrar que a Europa precisa abrir as fronteiras e entender que é fundamental "acabar com o preconceito para com índios e com o outro, que é diferente".

"Viemos à Europa não para influenciar o Supremo Tribunal, estamos cá para denunciar o que se passa na nossa terra. Não queremos interferência no processo, simplesmente queremos ser ouvidos", concluiu Pierlângela. "No Brasil, o presidente Lula colocou o tema na agenda, agora precisamos internacionalizar a luta."

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