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Índios constroem barragens em rios do Mato Grosso em busca de peixes para ritual sagrado

Globo Repórter - http://g1.globo.com/
08 de Jun de 2012

Os Enawenê acampam por dois meses na floresta para construir armadilhas em busca de peixes que serão usados em ritual.

A equipe do Globo Repórter seguiu pelo Rio Iquê, que é um afluente do Juruena. Os índios vão recolher as madeiras necessárias para construir as barragens. Temos que percorrer duas horas de barco até chegar ao local que eles consideram ideal para recolher a madeira.

Essas embarcações com motores de popa são novidade na vida dos Enawenê. Trajetos que antes eles levavam dias para fazer, hoje percorrem em poucas horas. Andando pela mata, eles estão à procura do ipê-amarelo.

Todos os materiais que utilizam na construção das barragens são encontrados na floresta.

Eles vão retirar apenas a casca da árvore. E com esta casca eles preparam as armadilhas para colocar nas barragens e prender os peixes. A casca vai aos poucos descolando do tronco. Quando conseguem retirar inteira, comemoram. Eles levam a carga pelas trilhas da floresta.

É hora de partir, na sequência do ritual, os Enawenê se dividem, um grupo vai construir barragens rústicas e pescar durante aproximadamente dois meses. O outro grupo fica na aldeia preparando a grande ceia dos espíritos.

As mulheres vão até a beira do Rio Iquê para se despedir dos maridos e dos filhos. Elas não podem ir para as barragens. Mas, os meninos, a partir dos dois anos de idade, acompanham os pais.

Os que partem são os Yaokwas, que tem a missão de conseguir os peixes para saciar a fome dos espíritos. Os que ficam, são os Harikares, que vão preparar as roças de mandioca e organizar a aldeia para o grande cerimonial.

A equipe parte para o local escolhido por eles para construir uma das barragens. Eles têm um acampamento, onde vivem durante os dois meses que dura a construção da barragem e a pescaria.

Uma nova expedição para o interior da floresta, agora para retirar os cipós que vão prender os troncos de sustentação da represa. A maioria dos cipós tem mais de 20 metros de comprimento.

É um esforço coletivo na hora de tirar o cipó grande. Faz parte do ritual também. Eles ficam puxando e as pedras caem. Eles se divertem. Tudo o que coletaram, levam pelas trilhas até o local onde vão construir a barragem.

Ainda há restos da construção do ano passado. Eles nadam no Rio Olowena para estender os cipós de um lado a outro. Ele leva o facão e tem que enfrentar a correnteza.

Os engenheiros da selva estão começando a construção de mais uma barragem no Rio Oluinã. A obra é toda feita com troncos de madeira amarrados por cipó. A água do rio passa, mas os peixes ficam represados.

É trabalho difícil. Longe de casa. Mas o povo Enawenê acredita que depende disso para viver. Os índios atendem a um pedido dos espíritos.

"Nós somos os responsáveis pelo ritual dele. Igual um empregado para a gente. Você contrata a pessoa, ele vai trabalhar para você. Espírito vai cobrar", conta o índio.

"Vocês estão trabalhando para os espíritos?", pergunta o repórter.

"Para espírito", responde.

"Obrigado Dalaimacê, que você é o engenheiro-chefe desta barragem", agradece o repórter.

Para acompanhar a obra mais de perto, o repórter Francisco José decide entrar no rio e ficar ao lado dos operários da represa.

Os índios mergulhadores da Amazônia se arriscam muito fazendo este trabalho, fincando as estacas no fundo do rio, porque a correnteza é muito forte. Eles podem ser levados para baixo da barragem onde tem muitos troncos e podem se enganchar. A correnteza é fortíssima. Eles agora usam máscaras. Mas antes, há três anos não tinham nem máscaras. Faziam isso mergulhando e abrindo os olhos embaixo d'água.

Eles mergulham para prender os troncos na base da represa. Os Enawenê-nawê mergulham desde crianças.

Os meninos são capazes de atravessar o rio, no fôlego, por baixo da água. Sempre com expressões de alegria. Para eles, tudo é festa. Aos dois anos de idade são jogados no rio para aprender a nadar.

Em três dias de trabalho, a barragem já está concluída. Os Enawenê-nawê vão construir quatro represas como esta nos rios da bacia do Juruena, no noroeste de Mato Grosso. E agora só falta instalar as armadilhas na parte submersa. Em 30 ou 40 dias, quando terminar a pescaria, toda esta estrutura será destruída. E o rio volta a ficar navegável nesta área da reserva.

As cascas de árvore que foram retiradas da selva, agora são envoltas nos cestos de palha e colocadas embaixo da represa, como armadilhas.

Os peixes entram, mas não conseguem sair dos cestos. Mas será que a pescaria vai ser produtiva, este ano? Os rios que parecem intocados estão sem peixe.

Quando os índios voltam às barragens para ver se pescaram alguma coisa: uma grande decepção. Há quatro anos é assim.

Kolarenê, um dos grandes chefes, mostra a armadilha vazia. Emocionado, conta que antigamente era só pôr o cesto no rio para encher de peixe.

"Acaba o peixe, acaba o peixe", diz o índio.

Nos últimos anos, começaram a ser construídas pequenas centrais hidrelétricas na bacia do Rio Juruena.

Oito já estão prontas. E existe projeto para construir mais tantas. Para um biólogo que estuda os rios da região há 20 anos, este é o principal motivo da falta de peixes.

"Estas usinas elas terminam truncando os processos migratórios dos peixes, e com isso uma diminuição crescente principalmente das espécies das quais eles se alimentam", explica Francisco Machado, biólogo da UFMT.

Para ele, a ameaça aos peixes é uma ameaça a todos os Enawenê.

"Para eles não só é importante culturalmente como é importante alimentarmente. Com esta situação não é o peixe só que vai se extinguir, há uma grande possibilidade de extinção do próprio grupo", completa o biólogo.

Há quatro anos, para tentar resolver o problema, os índios recebem doação de peixes.

A Funai e os responsáveis pelas usinas hidrelétricas compram peixes dos açudes. Mas isso é motivo de vergonha para os Enawenê, que sempre fizeram todo o ritual com o próprio esforço.

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