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Índios brasileiros procuram socorro médico na Colômbia por omissão da Funasa

Site do ISA- Socioambiental.org.-São Paulo-SP
22 de Ago de 2001

A falta de repasse de recursos financeiros pela FUNASA, órgão do Ministério da Saúde, para a Foirn – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (AM) – está provocando a ida de índios brasileiros para a Colômbia, em busca de socorro médico. A ausência de recursos também é a causa do êxodo de profissionais de saúde. Desestimulados e sem condições básicas de trabalho, eles estão há meses sem receber salários. A denúncia consta da carta que a Foirn está encaminhando ao Ministro da Saúde, José Serra, assinada por 100 lideranças indígenas da região conhecida como Cabeça do Cachorro, no noroeste da Amazônia brasileira. Ali vivem 30 mil índios de 22 etnias, 10% da população nativa do país (leia a íntegra da carta abaixo).A Foirn reconhece que a situação geral de assistência às comunidades indígenas teve um sopro de esperança no ano passado, com o início da implantação do Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro. Por meio dele, a Funasa celebrou convênios com várias ONGs locais e repassou recursos financeiros para a implantação de um sistema de atendimento descentralizado em 16 pólos-base espalhados pela região. Foram contratados médicos, dentistas, enfermeiros e 200 agentes indígenas de saúde e destinados recursos para capacitação, controle social, compra de medicamentos, embarcações rápidas, motores de popa e estações de radiofonia.Porém, a burocracia e a indefinição política estratégica da Funasa tornaram a renovação destes convênios, no início de 2001, uma novela desagradável. Nos últimos seis meses, comunidades indígenas que vivem em vários rios na fronteira do Brasil com a Colômbia estão sem qualquer assistência de saúde. Isso tem provocado a ida de pacientes para as aldeias vizinhas da Colômbia em busca de socorro. No ano passado o Distrito Sanitário Indígena do Rio Negro registrou 17.702 atendimentos nos rios Aiari, Içana, Xié e Papuri. Nos sete primeiros meses deste ano, com a falta de recursos, os atendimentos às populações que vivem nos mesmos rios, caíram para 2.500.O médico Milton Schmidt, residente em S. Gabriel da Cachoeira, conta que sua equipe, contratada pelo Distrito Sanitário, detectou no ano passado uma taxa alarmante de casos de tracoma entre os índios de 22 comunidades do rio Papuri, especialmente entre os da etnia Hupda Maku, com 11% do total. Trata-se de uma infecção crônica que afeta a pálpebra superior, provocando sua inversão, fazendo com que os cílios lesionem progressivamente a córnea e a própria pálpebra. Sem tratamento, acaba por provocar cegueira. Considerada extinta no Brasil até recentemente, a doença tem cura, mas precisa de acompanhamento regular dos pacientes e, nos casos mais avançados, de cirurgia. O Dr. Oscar Espellet Soares, que também faz parte da equipe de médicos do Distrito e que está há meses sem receber salário pela falta do repasse de recursos da Funasa, realizou 26 cirurgias corretivas em campo, nas próprias comunidades indígenas, num procedimento inédito e bem sucedido em 70% dos casos.Hernane Guimarães, enfermeiro responsável pelo pólo-base Tucumã no alto rio Içana, recebeu no último dia 25 de julho a informação de um parto pélvico na comunidade de Matapi, a seis horas de viagem de voadeira rio acima. Porém, não tinha gasolina para resgatar a paciente. A criança morreu e a mãe passou três dias com hemorragia, sendo orientada apenas por radiofonia.Felisberto Dias, índio Tukano, da comunidade S. Miguel, no rio Papuri, na linha de fronteira com a Colômbia, informou que vários pacientes estão sofrendo de doenças como diarréia, tuberculose ou por acidentes como mordidas de cobra e se vêem obrigados a se deslocar para Los Angeles, Acoaricoara e Monfort, em território colombiano, onde são atendidos mais rapidamente e ainda podem contar com transporte aéreo para serem removidos para Bogotá. Segundo ele, essa prática havia sido abandonada no ano passado, porque médicos e enfermeiros brasileiros visitavam as comunidades a cada quinze dias, a cobertura vacinal estava em dia e os casos graves eram encaminhados para S. Gabriel e Manaus. Mas agora eles sumiram, disse Felisberto Dias.É também o caso de Rosalva, uma menina de 4 anos, filha de Vicente de Jesus, um Tuyuka da aldeia Santa Cruz do Inambu, no rio Papuri, acometida de tuberculose. Inicialmente ela foi atendida na Colômbia, via Los Angeles e chegou a um hospital de Bogotá; depois de três meses voltou para a comunidade e passou a ser atendida pelo Distrito Sanitário brasileiro, sendo removida para Iauareté, S. Gabriel da Cachoeira e Manaus. Recentemente, voltou para sua comunidade e agora precisa de revisão médica e exames e seu pai terá de recorrer, outra vez, ao sistema colombiano.Entretanto, a Colômbia já apresenta certa resistência em atender índios brasileiros. Seja porque levam em conta a existência do Distrito Sanitário, ou mesmo porque em algumas localidades, os próprios postos de saúde colombianos estão desabastecidos de remédios e combustível, por conta de medidas preventivas contra a guerrilha.Ismael Sampaio Alves, conselheiro da Onirmp , associação indígena do médio rio Papuri, filiada à Foirn, da etnia Desana, vive na comunidade Santa Marta. Ele reconhece que com o Distrito Sanitário, o atendimento de saúde melhorou muito com a visita de médicos e a disponibilidade de medicamentos. Com essa paralização ficamos sem nada e os colombianos de Teresita e Piracuara, que também não têm recursos, dizem que tudo está parado por causa da guerrilha.São Gabriel da Cachoeira, 21 de Agosto de 2001Aos SenhoresJosé SerraMinistro da SaúdeMauro CostaPresidente da Fundação Nacional de SaúdeUbiratan Moreira PedrosaDiretor Geral do Departamento de Saúde IndígenaBrasília - DF (sede do governo federal)Assunto: solicita imediato repasse de recursos referentes à ampliação do convênio 023/01 FUNASA/FOIRN no âmbito do DSEI-RNPrezados Senhores,Com a recente implantação do DSEI-RN, cresceu enormemente a expectativa de melhora da situação de saúde dos 22 povos indígenas da região do Rio Negro. Porém, a descontinuidade do repasse de recursos financeiros por parte da FUNASA, sobretudo no período de renovação dos convênios, prejudica a continuidade dos trabalhos, interrompendo a assistência de saúde e corroendo o ânimo dos vários atores sociais envolvidos no processo.Com muitas dificuldades, vários convênios entre a FUNASA e instituições existentes na região do Rio Negro foram renovados desde o início de 2001. Porém, uma grande parte da região está desassistida há meses por falta da liberação de recursos por parte da FUNASA para a ampliação do convênio 023/01 que mantêm com a FOIRN. Somente a imediata liberação destes recursos poderá minorar a situação extremamente grave que está ocorrendo entre as 134 comunidades indígenas de doze etnias dos rios Içana, Aiari, Xié e Papuri, na fronteira do Brasil com a Colômbia. Pessoas estão morrendo por falta de assistência e outras estão procurando assistência de saúde no lado colombiano da fronteira. Além do mais, torna insustentável a situação dos profissionais de saúde, que com enormes dificuldades se dedicam a árdua tarefa de trabalhar nas condições que se apresentam nessa região remota do país. As comunidades que vivem ao longo dos referidos rios estavam sendo assistidas em 2000 através de um convênio da FUNASA com a prefeitura municipal de S. Gabriel da Cachoeira. Pendências administrativas da parte da mencionada prefeitura junto a FUNASA inviabilizaram a renovação do convênio. A solução encontrada pelo Diretor Geral do Departamento de Saúde Indígena foi a de ampliar o convênio 023/01, que mantêm com a FOIRN, incorporando a assistência às referidas regiões. Porém, até o momento não houve o repasse de recursos.Nós, lideranças das associações e conselheiros administrativos da FOIRN reunidos na XVII reunião de Conselho Administrativo, na presença de representantes de várias organizações governamentais e não-governamentais, resolvemos enviar esse clamor às autoridades federais, antes que a situação se deteriore ainda mais.

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