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Índios ameaçam com novo protesto

O Liberal-Belém-PA
04 de Fev de 2006

Fundação Nacional de Saúde tem sete dias para cumprir promessas feitas aos alojados na Casa do Índio, no distrito de Icoaraci, onde o que não falta é problema

"Demos um prazo de sete dias. Se os caraíbas (homens brancos) não cumprirem o que prometeram a gente faz de novo. E vai ser pior". A ameaça do índio Raimundo Tembé é endereçada à Fundação Nacional de Saúde (Funasa) caso o órgão não atenda as 17 reivindicações dos indígenas que se encontram alojados na "Casa do Índio", situada no distrito de Icoaraci, em Belém. O local, que abriga índios em tratamento médico e seus acompanhantes, não apresenta as mínimas condições de higiene, de acordo com os alojados.

O superintendente regional da Funasa, Parsifal Pontes, reuniu-se na manhã de ontem com as lideranças indígenas e prometeu não só atender as reivindicações feitas como garantiu que levará os pedidos até Brasília na segunda-feira, 6, em busca de recursos principalmente para a construção de novos quartos, o que aumentaria a capacidade de índios abrigados.

De acordo com o coordenador da casa, o índio Coracy Aparahy Lima, parte das solicitações mais emergenciais já está sendo atendida, principalmente quanto a alimentação, saneamento e limpeza. Uma nova empresa já foi contratada para fornecer refeições e os serviços referentes à higiene também já estão sendo providenciados. Para os índios foi garantido que, na segunda-feira, um engenheiro estará no casa para fazer avaliação sobre o que precisa ser recuperado.

Raimundo Tembé não parece acreditar muito que os problemas da "Casa do Índio" serão sanados. "Não acreditamos nos caraíbas, mas deixamos para ver o que vai acontecer. Índio, quando diz que vai fazer algo, vai lá e faz, mas com o homem branco a gente sabe que não é assim, não tem palavra", desabafa. E vai mais além: "Antes de pensar em prender alguém aqui, pedimos uma reunião, e marcaram para este sábado (hoje). Pensam que índio é besta, mas não é. Como marcam uma reunião para um dia que não tem trabalho e ninguém vem aqui? A Polícia Federal veio aqui achando que a gente estava fazendo mal para os reféns, mas não aconteceu nada disso. Se a gente não tivesse feito o que fez, nunca teria trazido o coordenador da Funasa aqui. Ele largou tudo o que estava fazendo em Brasília e, assim que desembarcou no aeroporto, seguiu para cá. Soltamos as pessoas porque ele prometeu que voltaria na manhã de sexta-feira (ontem) para conversar com a gente, e cumpriu. A gente espera que ele cumpra o resto". O cacique Francisco Tembé comemora: "Queriam enrolar a gente, mas não conseguiram".

Precariedade - Na última quarta-feira, um grupo de índios se rebelou contra a falta de infra-estrutura do local. Na manhã de quinta-feira, anunciaram que o coordenador da Casa do Índio ficaria retido até que o superintendente regional da Funasa fosse ao local para ver as condições em que eles se encontram. Como Parsifal Pontes estava em Brasília, seu representante, Raimundo Nonato Verício, apareceu para negociar com os índios juntamente com uma equipe técnica do órgão e acabou sendo feito refém, mas foi liberado no mesmo dia, assim como Coracy.

Os índios denunciam a precária situação em que se encontra o prédio, que tem ratos, mosquitos, moscas e baratas. Há mato por todos os lados, sujeira acumulada e a fossa quebrada faz com que o esgoto transborde no banheiro. Além disso, eles reclamam da falta de remédios e da má alimentação que recebem. De acordo com relatos deles e de funcionários, há três meses vinha sendo servida apenas carne mal cozida e arroz queimado no almoço e jantar.

A casa está superlotada. São 183 índios (a Funasa confirma apenas 160) de etnias diferentes ocupando um espaço destinado a apenas 80 pessoas. Por conta disso, camas hospitalares e redes se espalham pelos corredores. "Os índios deveriam vir para cá melhorar da saúde, mas desse jeito, convivendo com ratos, a situação só piora", lamenta Raimundo Tembé, que está há quatro meses hospedado na casa acompanhando o índio Pituco Waiapi, portador de necessidades especiais.

Mortes de mundurucus também são alvos de denúncias

Não é só a situação da Casa do Índio que constrange Parsifal Pontes. Funcionários da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) filiados ao Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Pará (Sintsep) entraram, em janeiro, com representação que pede abertura de procedimento criminal contra o coordenador regional, por causa das mortes de índios mundurucus registradas no município de Jacareacanga, no sudoeste do Pará. Foi aberto procedimento administrativo para averiguar possíveis irregularidades e o caso está sendo investigado pela Procuradoria da República em Santarém. Um perito especializado em Antropologia fará levantamento das condições existentes na região junto aos índios para auxiliar o procurador da República, Felipe Braga.

Ele emitiu ontem nota sobre o assunto: "Em setembro do ano passado, estive na Aldeia Teles Pires, de índios da etnia mundurucu, onde pude constatar diversas deficiências nos serviços de assistência à saúde prestados pela Funasa e sua conveniada. Constatamos casos de desnutrição e hanseníase, bem como inexistência de filtros de água, falta de reposição de hipoclorito para purificação da água, atrasos nos pagamentos feitos através da Prefeitura de Novo Progresso, ausência de médico na Casa em Jacareacanga, oxidação de material estéril, inadequação e falta de manutenção do local destinado à habitação do agente indígena de saúde. Em novembro, tomou posse o servidor público antropólogo, o qual, dentre outras incumbências, deverá monitorar a prestação de serviços de saúde aos índios das diversas etnias. Em data próxima, o Ministério Público Federal estará visitando as aldeias da etnia mundurucu na região de Jacareacanga para fazer uma constatação detalhada do que vem ocorrendo."

Outro caso em investigação trata da situação dos tembés, na região do Alto Guamá, no norte do Estado. O procurador da República, Felício Pontes, apura em procedimento administrativo atrasos no repasse de dinheiro da Funasa para a Associação do Grupo Indígena Tembés do Alto Rio Guamá (Agitargma). A associação usaria o dinheiro no tratamento de saúde dos índios, mas entrou com representação contra a Funasa, em setembro do ano passado, porque as parcelas do Convênio 2.098/04 (que garante verbas da Funasa para a Agitargma) não estariam sendo depositadas desde fevereiro do ano passado.

A Agitargma também questionava o descredenciamento da Prefeitura de Capitão Poço do Programa de Atenção Básica dos Povos Indígenas e solicitava a inclusão do município de Ourém no mesmo. A Funasa repassa o dinheiro do convênio para as prefeituras, que, por sua vez, o distribuem às associações credenciadas.

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