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Índio quer respeito

Jornal do Brasil-RJ
Autor: Marcos Terena
31 de Ago de 2001

A história do Brasil ensinada nas escolas é feita de disparates, cretinices e infâmias que envergonham e abatem. Em relação ao contato entre índios e negros, neste pedaço de chão, inventou-se que o indígena nutria pelo negro a maior aversão. Chamaram a isso de ''repugnância antropológica'', metáfora literária de força impressionante para exploradores e escravagistas. Mas na realidade, na vida dos indivíduos negros e índios que deram origem ao povo brasileiro, houve a íntima fusão de almas e corpos que, nos altos das serras de Palmares, buscaram o direito à vida sob a égide da liberdade. O homem Tupy não repeliu o homem negro. O Tupy, ao divisar pela primeira vez o homem de pele cor da noite, clamou: Tapayuna (Tupy Preto!).
O índio brasileiro, que um dia foi chamado de preguiçoso, selvagem e sem alma, mesmo sem jamais poder se defender de tais injúrias, viu, ao longo dos avanços colonialistas, suas terras serem reduzidas para 11% do território nacional e seus povos para 350 mil pessoas em 230 sociedades étnicas. Civilizações indígenas com valores sociais, econômicos, culturais e espirituais que nunca foram respeitados pelo homem branco e por isso, não eram moedas suficientes para o respeito mútuo no relacionamento entre um e outro. O que gerou um holocausto indígena erguido em silêncio por 500 anos.
A realização da Conferência Mundial contra o Racismo reacende a esperança de que o governo irá produzir um programa corajoso para a demarcação de todas as terras indígenas, respaldado nos princípios dos direitos humanos e seu caráter universal, coletivo e individual. Com a retomada da consciência indígena, a muralha do preconceito vai sendo pouco a pouco destruída, descobrindo-se que nunca houve uma política indigenista oficial. Só ações paliativas como o assistencialismo e o paternalismo, instrumentos de um racismo institucional sob a égide da proteção. Os povos indígenas afirmam seu compromisso de combater essa prática que anula pessoas, sociedades e uma nação.
Analisar a questão indígena torna necessário falar do governo federal, no mínimo para lembrá-lo, sempre, de que não pode fugir ou omitir sua dívida com os povos indígenas. Vale assinalar, com frustração, que possivelmente o presidente Fernando Henrique foi quem reuniu maiores condições de consolidar as profecias de Darcy Ribeiro e Severo Gomes, inclusive para os afrodescendentes. Baseado nos ensinamentos do grande Chefe Tupi - de que não descende o covarde do forte - nós, índios, temos a clareza de que graças à nossa persistência e articulação, as Nações Unidas decidiram estabelecer uma Década Internacional do Índio, instalar um fórum permanente para questões indígenas e um Fundo Indígena do Banco Interamericano. E que deveria haver uma correspondência prática e uma ação compensatória no país, políticas públicas inclusivas interculturais e medidas legais e jurídicas para regulamentação dos direitos constitucionais indígenas, especialmente quando os países latinos buscam resgatar sua ancestralidade. Basta ver o exemplo de Toledo como Aymara e presidente do Peru, Rondon como Bororo e como general. Como poderia ter feito Fernando Henrique resgatando sua origem indígena e amazônica.
Nesse início de milênio, além do índio ajoelhado em Porto Seguro, o melhor retrato da ignorância contra nossos povos foi assistir, impotentes, a um homem branco caricaturar, em uma novela, nossa dignidade como gente. Um flagrante ato de discriminação dos meios de comunicação de massa. Uga-Uga não! O Índio exige respeito!
Vale lembrar o texto Tapayuna, publicado em 1931 no jornal Progresso, de São Paulo, que insistia em um dos compromissos mais sérios para as futuras gerações: a aliança afro-indígena. Neste momento, na África do Sul, podemos reascender em todos nós, negros, brancos e índios, a utopia de ressocialização do Brasil. Trata-se de um processo educativo para índios e não índios.
A propósito: quem representará oficialmente o índio brasileiro nessa conferência contra a discriminação racial será um cara pálida. Uga-Uga!

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