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Índio quer proteção contra ameaças

O Globo, Razão Social, p. 4-5
05 de Jul de 2011

Índio quer proteção contra ameaças

Camila Nobrega
camila.nobrega@oglobo.com.br

Almir Suruí é um personagem essencial da floresta escondido nas mais recentes estatísticas brasileiras que estudam a Amazônia sem rostos. E está correndo sério risco de vida.
Enquanto o governo brasileiro discute um plano para reduzir o desmatamento - que teve um aumento desde maio -, Almir está sob um fogo cruzado, lutando contra clareiras que avançam na floresta. Por isso, depois da morte de um casal de ambientalistas no Pará, em maio, não esperou que a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) chegasse até ele.
Conhecido pelo mundo por ter denunciado à Organização dos Estados Americanos (OEA) a exploração ilegal de madeira nas terras indígenas de Rondônia e premiado pela Sociedade Internacional de Direitos Humanos, Almir usou a rede social Facebook para clamar por sobrevivência, no mês passado. E conseguiu apoio. Segundo a SDH, ele será um dos 150 membros do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PNPDDH). Essa é a segunda vez que Almir participa do programa. Já havia sido incluído na lista entre os anos 2007 e 2008, mas o apoio foi falho:
- Eu pedi apoio em 2007, após fazer a denúncia à OEA, mas pouquíssima coisa foi feita pela SDH. Não me senti seguro.
Agora, com a discussão nacional, estou confiando que as ações vão ser sérias. Precisam ser, porque minha vida está em jogo - disse Almir, pelo telefone, muito nervoso, após se reunir com a equipe do programa, em Brasília, semana passada.
Pouco conhecido pelos brasileiros, Almir é um ícone da floresta para instituições internacionais. É índio e vive na Terra Indígena Sete de Setembro, município de Cacoal, Rondônia. O estado onde vive é um dos mais afetados pelo avanço de madeireiras nos últimos meses. Segundo dados do último Boletim Transparência Florestal, divulgado mês passado pela ONG Imazon, o desmatamento cresceu 72% na Amazônia em relação a maio de 2010. E Rondônia responde por 21% dos 165 quilômetros desmatados, atrás apenas do Pará e do Mato Grosso. O governo brasileiro não reconhece, mas ambientalistas ligam o boom do desmatamento ao texto do Código Florestal, de autoria do deputado Aldo Rebelo, aprovado na Câmara dos Deputados em maio. O código deu força aos ruralistas, anistiando o desmatamento até 2008 e flexibilizando a recomposição de mata.
O fato é que há mais madeira ilegal sendo retirada da floresta, como mostram os dados de satélite. E, segundo Almir Suruí, por isso cresceu nos últimos meses a pressão sobre ele, que ocupa o cargo de chefe maior do povo suruí.
Almir publicou uma carta em seu perfil do Facebook em 16 de junho, para tornar público o pedido de proteção que havia feito à SDH.
- Sofro o código florestal na pele. Enquanto não fecham a discussão, motosserras avançam na floresta e madeireiros querem me calar. Sou ameaçado há muito tempo, mas agora piorou. No início de junho, vi a necessidade de ajuda. Eles ganharam confiança e acham que nada acontecerá, se me matarem - disse o índio, que vive com a esposa e seis filhos, três meninos e três meninas.
Segundo ele, as ameaças vêm de várias formas. Desde avisos trazidos por índios de aldeias vizinhas, até mensagens via celular. Sem contar quando são mais diretas, com o envio de capatazes ao território indígena onde Almir mora.
Ele sabe a origem de todos, mas prefere preservar o nome das empresas, por sua própria segurança. Embora os empresários nunca apareçam, os moradores da região sabem quem são. Estão nas cidades de Cacoal e Espigão do Oeste, especialmente no distrito de Pacarana, retirando madeira de forma ilegal.
Segundo a equipe de coordenação do PNPDDH, o caso do índio está sendo analisado e uma articulação feita junto à Funai, ao Ibama e à Polícia Federal deve estabelecer ações para protegê-lo. A secretaria confirma que o índio havia sido incluído no programa entre 2007 e 2008, mas não sabe informar quais ações foram tomadas na época para protegê-lo. Ainda de acordo com a assessoria da SDH, a ideia não é retirá-lo do local, ou pôr um policial para fazer segurança direta, mas fazer um esforço na região para que a fiscalização do Ibama seja mais forte e a polícia esteja mais presente, assim como a Funai. É o que os líderes indígenas e rurais reivindicam há anos.
Um dos problemas que vem se agravando na região e, consequentemente, tornando mais difícil a situação de Almir, é o aliciamento de índios para o corte de madeira. Segundo o chefe Suruí, como há grandes áreas preservadas dentro de territórios indígenas, é interessante para madeireiros que índios entrem para o esquema:
- A pressão é forte. Se a gente não tomar providências agora, vai crescer. As pessoas saem da aldeia para ir trabalhar para madeireiras. O apoio do governo federal ao programa de desenvolvimento sustentável dos suruis para os próximos 50 anos está devagar. Sem outras alternativas de renda, os índios ficam vulneráveis. Ainda tem o código florestal que afrouxa a pressão sobre o desmatamento.
É uma combinação terrível.
Os suruís são pioneiros entre os índios brasileiros na área dos projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD).
O povo possui um documento oficial que concebe o projeto no território e há empresas estrangeiras interessadas em compensar suas emissões de carbono com o programa, mas a regulamentação brasileira para o REDD ainda está tramitando na Câmara dos Deputados, o que atrasa o início do financiamento.
Segundo Luiza Viana, advogada da Equipe de Conservação da Amazônia (ACT Brasil), instituição que dá apoio a projetos dos suruís e acompanha de perto a situação de risco do líder indígena, o REDD poderia ser um mecanismo para reduzir o desmatamento e até a pressão sobre ambientalistas:
- O REDD pode tornar o desenvolvimento sustentável legítimo na região. O atraso na regulamentação tem consequências para os povos da floresta e o meio ambiente. E isso não acontece só no Brasil. A falta de um consenso internacional atrasa o andamento de tudo.
Ainda não se sabe de onde virão os recursos do REDD, se do setor privado ou de recursos públicos. E, segundo a ACT e outras organizações que atuam na Amazônia, ospovos da floresta ainda não foram ouvidos para opinar sobre o REDD brasileiro. Os suruís, por exemplo, usariam o recurso para desenvolver atividades florestais não madeireiras. Fica a informação.

Centenas em busca de proteção

Há, atualmente, 150 pessoas no Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PNPDDH), da Secretaria de Direitos Humanos. Mas, a cada dia, o programa recebe pedidos para pôr mais nomes, segundo equipe da secretaria que trabalha no setor de inclusão de novos nomes. São agricultores, índios e ambientalistas em geral que sofrem pressão de empresas e latifundiários. Muitos deles têm suas terras invadidas pelo agronegócio e a extração ilegal de madeira. Outros são pessoas que conhecem a situação e denunciam. Mas a secretaria afirma que não tem como atender todos os pedidos.
Segundo moradores da região, a falta de regularização fundiária em vários locais teria levado ao problema, embora ele exista até em áreas legalmente demarcadas.
No fim de maio, enquanto o Código Florestal era discutido na Câmara dos Deputados, quatro ambientalistas foram assassinados na região, três no Pará e um em Rondônia. Apenas uma das mortes ainda não foi confirmada como resultado de conflito agrário.
Mas o número de pessoas ameaçadas devido a conflitos agrários é muito maior, segundo informações divulgadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no final de maio. Uma lista apresentada para o governo federal tinha 1.855 nomes de trabalhadores que sofreram algum tipo de ameaça entre 2000 e 2010. Casos mais graves somavam 207 pessoas - dessas, 42 foram assassinadas. Restam 165. A lista foi apresentada para a Secretaria de Direitos Humanos.
No entanto, no dia 1 de junho, a secretária da pasta, Maria do Rosário, afirmou ao GLOBO que seria impossível proteger a todos imediatamente. "Seria errôneo e uma ilusão dizer que temos condições para atender a esta lista. Vamos fazer uma avaliação", declarou. Por isso, a CPT entregou uma lista de apenas 30 ambientalistas para serem protegidos imediatamente.
O nome de Almir Suruí não está nessa lista, porque oficialmente ele já fazia parte do programa desde 2008, embora as ações de proteção não tenham acontecido na prática.
Sobre o salto no número de pedidos de proteção, a coordenação da SDH considera que isso tem ocorrido por conta da maior divulgação do programa, após o assassinato dos ambientalistas em maio. Já a CPT e líderes rurais afirmam que a pressão tem sido crescente naárea. Um dos motivos seria, como o próprio Almir Suruí citou, a aprovação do novo texto do Código Florestal na Câmara dos Deputados.
Segundo a coordenação do PNPDDH, o primeiro passo para incluir um nome na lista é a verificação, com visita de uma equipe ao local de moradia. Depois disso, inicia-se um esforço conjunto entre a SDH, a Polícia Federal, o Ibama e outros órgãos locais. O programa funciona baseado em decreto presidencial de 1998, mas há um projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados que pode transformá-lo em permanente.

O Globo, 05/07/2011, Razão Social, p. 4-5

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