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Índio quer escola

Revista Educação -São Paulo-SP
01 de Mai de 2005

A população cresce, as matrículas aumentam, mas faltam recursos materiais e humanos
Existe um país que cresce 7,9% ao ano. É essa a taxa estimada de crescimento médio, entre 2004 e 2005, do número de estudantes das escolas indígenas. Enquanto a população brasileira como um todo aumenta 1,4% ao ano, a população indígena cresce 3,4% ao ano. A demanda se achava reprimida até 1991, mas explodiu desde que os governos estaduais e municipais passaram a ser os responsáveis pela educação indígena, em lugar da Funai. A qualidade desse sistema de ensino ainda vem se ressentido da inexperiência com a realidade dos índios e da insuficiente injeção de recursos.

A morte de várias crianças indígenas por desnutrição em Dourados (MS), desde o início do ano, ilustra um abandono que resistiu a 505 anos de história. Para os índios, a educação é exatamente um recurso indispensável para enfrentar esse descaso. Mas o que seria solução passa a ser um problema, porque faltam escolas, professores, carteiras e material didático.
"Sabemos que em terras indígenas quase não há rede física escolar adequada", diz Kleber Gesteira, coordenador geral de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC. "É dramática a necessidade de produzir materiais didáticos especiais em mais de 150 línguas indígenas diferentes. Além das dificuldades operacionais causadas pela localização das escolas indígenas em áreas de difícil acesso. Portanto, sem acréscimo de recursos não conseguiremos implementar uma educação escolar indígena que valorize a cultura desses povos e mantenha a diversidade étnica".

Desde 2002, aumentou em 31,6% o número de matrículas em escolas indígenas. Entre 2002 e 2004, o número dessas escolas no país saltou de 1.724 para 2.232. Mas a conseqüentemente necessária ampliação da infra-estrutura não aconteceu. Por isso, o próprio MEC relata que faltam até itens básicos como giz, lápis e cadernos. "Isso é uma prova cabal da injusta distribuição dos recursos", resume Gesteira.

Segundo ele, o valor do Fundef para a zona rural, que inclui quase a totalidade da educação indígena, é de R$ 1.612,70, para alunos de 1ª a 4ª série. Mas no Brasil há uma lógica perversa, explica o representante do MEC: governos diminuem a qualidade dos serviços e do material destinados à periferia da zona urbana e à zona rural. No caso das escolas indígenas as dificuldades se ampliam, por conta até das grandes distâncias que as separam dos centros urbanos.

Em São Paulo (SP), no ano de 2004, funcionários do Centro de Educação e Cultura Indígena(Ceci), escola-indígena considerada modelo ficaram vários meses sem receber salário, por questões burocráticas. Em São Paulo de Olivença (AM), até o início de março, alunos da comunidade Ticuna do Vendaval assistiam aulas amontoados no chão, em "salas de aula" que na verdade eram as casas dos próprios professores. A escola ficou sem classes por 12 anos e só no dia 7 de março ganhou prédio próprio, conforme a Secretaria de Estado da Educação do Amazonas.

"Temos muitas comunidades indígenas, não dá para atender todo mundo, tem que ser aos poucos", resume Mauricéia Martins dos Santos, secretária da Educação de São Paulo de Olivença. A merenda não está garantida. "É nossa prioridade, mas não posso responder pelas administrações anteriores", diz a secretária. "Hoje nós tentamos abranger todas as comunidades indígenas, mas há problemas, principalmente porque as aldeias são muito distantes".
Dispersão - As escolas indígenas estão sob a responsabilidade de governos municipais e estaduais. Em conseqüência, a qualidade dessa educação varia por região. Gesteira, do MEC, não diz de quais Estados chegam mais queixas por parte das organizações indígenas, mas dá uma pista: conforme as informações recebidas dos índios, por telefone, ofícios, fax e cada vez mais por e-mail, Estados como Minas Gerais, Santa Catarina, Acre e Espírito Santo são os que motivam menos reclamações.

Um dos motivos para a discrepância é a falta de orçamentos específicos nos Estados. Em Minas Gerais, onde há essa dotação, a situação é melhor. "Em Rondônia, nos últimos seis anos, foi aplicado recurso importante na formação de professores indígenas sem descontinuidade", diz Gesteira. "O mesmo acontece no Acre, que mantém programa de formação de professores. Infelizmente essa não é a regra geral, inclusive em Estados com mais poder econômico". No orçamento do MEC, a educação indígena tem R$ 3,3 milhões - verba que pode ir para projetos de secretarias estaduais e de ONGs. Mas o ministério ainda poderia passar para o setor verbas de outros programas para escolas públicas, como o Brasil Alfabetizado e o Fazendo Escola (educação de jovens e adultos).

"Uma boa parte da arrecadação dos estados está vinculada à educação", diz Gesteira. "Quando alguém diz que não tem dinheiro, os índios ficam muito desconfiados. Eles sabem que escolas deles precisam ter a mesma qualidade das demais".

Por conta dessas diferenças regionais, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica, propõe que a educação indígena seja federalizada, seguindo o modelo da saúde. "O fato de as escolas indígenas serem estadualizadas cria uma diferença brutal entre elas", diz o vice-presidente do Cimi, Saulo Feitosa. Ainda que, para ele, tenha havido avanços em alguns pontos, como na mobilização de professores indígenas, que construíram modelos de escolas conforme suas etnias e montaram seus próprios calendários.

O Conselho considera ainda que os governos estaduais se submetem mais facilmente às pressões dos ruralistas, dos madeireiros. "Talvez a federalização de tudo que se refere aos índios permita a formulação e a execução de políticas públicas gerais", afirma Feitosa. "O MEC faz muito menos que o necessário para elaboração de materiais didáticos e treinamento de professores. A maioria das aldeias que consegue estabelecer um modelo pedagógico diferenciado, como elaboração do material pedagógico, o faz por meio de parcerias com entidades, sem apoio do governo".

Segundo o MEC, a federalização depende de uma emenda constitucional. O próprio Cimi considera que seria difícil aprovar o projeto. Antes de 1991, a Funai dividia a responsabilidade pela educação indígena com missionários católicos e protestantes, o que, segundo Kleber Gesteira, permitia ações educativas movidas por proselitismo religioso. Hoje, a Igreja luta pelo direito dos índios à auto-gestão, mas com o controle do governo.

O governo federal diz que respeita a posição do Cimi, mas mantém os índios como principais interlocutores. "Vários setores da nossa sociedade abandonaram a escola pública", diz o representante do MEC. "Mas, se há um setor social que lute pela qualidade da escola pública, são os índios. A eles não ocorre pensar numa escola particular. Eles querem gerir as escolas, mas sob a responsabilidade do estado - exatamente na linha de esperar um pagamento da nossa dívida histórica".

Um dos credores dessa dívida, o índio Ary Paliano, da etnia Kaingang, de Santa Catarina, desabafa: "A situação educacional é de descaso, desde a pré-escola até o ensino superior. Com a municipalização e a estadualização do ensino, a população indígena não tem como cobrar, ninguém assume a responsabilidade. Os índios ficaram vulneráveis, principalmente na distribuição das verbas, que não atendem às necessidades das aldeias. Existe também o preconceito. As pessoas acham que a educação indígena é menos importante. Estamos sempre relegados a segundo plano. As decisões sempre são tomadas entre quatro paredes. Nós queremos ser ouvidos, respeitados, mas as pessoas acham que temos que ficar isolados do mundo, em reservas indígenas que, de fato, nunca foram nossas".

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