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Índio quer celular

Gazeta de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Oliveira Júnior
10 de Jun de 2005

Só falta um deles virar garoto propaganda de uma das operadoras de telefonia móvel. No final de semana passado, tive a oportunidade de fazer duas reportagens na Aldeia Seringal, da nação Pareci, no município de Campo Novo dos Pareci, a 400 km de Cuiabá.

Durante três dias, cerca de 2 mil índios de 9 etnias dançaram, cantaram e até arriscaram praticar alguns esportes pouco conhecidos pelo homem branco, como o incrível "cabeça-bol". Mas não foi só a técnica desses primeiros habitantes de nosso país que me impressionou. Se contássemos para alguém que mora em São Paulo, Rio de Janeiro ou outra grande cidade que os nossos índios não andam mais a pé e até usam celular, quem acreditaria? Pois foi assim, como bem mostraram as imagens do cinegrafista Hélio Lopes, apoiado pelo auxiliar Otair Antunes, que na aldeia local era chamado de "Calça Frouxa".

A população indígena brasileira, de acordo com a Funai, soma cerca de 410.000 índios divididos em 220 povos, incluindo aqueles que vivem fora das aldeias. Essa população encontra-se em diferentes processos de integração com a sociedade nacional, apresentando um quadro bastante complexo, onde temos desde índios recém-contatados a índios cujo contato remonta há séculos, a partir das frentes de expansão. Nesse sentido, temos etnias que estão reduzidas à massa uniforme do campesinato brasileiro e outras que resistiram no processo de integração nacional. Etnias tidas como desaparecidas e etnias ressurgidas a partir de mecanismos de reconstrução de identidade étnica. Há grupos vivendo em áreas de 800 hectares por índio, como ocorre na Amazônia, e grupos em que cada índio não ocupa mais do que 0,59 hectare, como ocorre no estado do Mato Grosso do Sul.

No caso específico dos Pareci, eram apenas 200 há 10 anos, estavam perto da extinção, e, hoje já são 1.500 em Mato Grosso.

Este cenário indígena gera discursos e afirmativas, na maioria das vezes conflitantes entre índios e outros segmentos da sociedade brasileira, que disputam com os índios as terras, os recursos naturais e, até mesmo, valores simbólicos da identidade nacional.

A dificuldade em definir se são ou não índios; se é necessário integrá-los definitivamente ou mantê-los como estão; e se possuem muitas ou poucas terras, são algumas das questões que dividem opiniões, além das divulgadas na mídia nacional e internacional, como no caso das mortes de crianças indígenas vítimas de desnutrição. Em conjunto, todas essas questões estão interligadas e merecem reflexões.

É de conhecimento amplo que as terras indígenas são fundamentais para a sobrevivência física e cultural dos índios, por serem tradicionalmente povos coletores e caçadores e por estabelecerem com elas uma relação simbólica. Hoje, a maioria das sociedades indígenas enfrenta dificuldades em relação a sustentabilidade e à gestão de seus territórios. Os que praticam a agricultura perderam parte de suas técnicas de cultivos, suas sementes tradicionais, e tornaram-se monocultores dependentes de insumos comerciais e de bens que não têm como produzir.

As áreas indígenas são ricas em recursos naturais e, em geral, estão localizadas em regiões de fronteira agrícola e de expansão do capital, tornando-se, freqüentemente, alvo de conflitos. Em Campo Novo, foi possível perceber a imprescindível participação da iniciativa privada e do governo local, que dão sustentação à sobrevivência daquela aldeia. Já os enawenê nawê, que ficam a 10 horas de barco da cidade de Juína, sequer ouviram falar sobre esses problemas; não falam uma palavra em português e pouco contato têm com o branco.

Essa "interação cultural", em parte, é tida pelo branco, como fundamental para a socialização indígena; mas muitos caciques, como o próprio Narcísio, dos pareci da Aldeia Seringal, mostram-se assustados com essa rápida transformação.

Oliveira Júnior é jornalista, editor de esportes de A Gazeta e escreve neste espaço às sextas-feiras

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