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Índio Genérico x Etnicidade

Jornal do Tocantins-Palmas-TO
Autor: Odair Giraldin
19 de Abr de 2002

Refletindo o 19 de Abril

A Campanha da Fraternidade deste ano elegeu como tema: Terra de Irmãos, Terra sem Males. Em vários materiais publicados para os cultos e também para as atividades missionárias vemos ser trabalhada a imagem de um índio genérico, juntamente com uma tentativa mais acentuada de se ressaltar as etnicidades específicas dos diversos povos indígenas que vivem no Brasil.

A abordagem da imagem de um índio genérico tem sua importância política quando procuramos tratar das diversas questões que são comuns aos diversos povos indígenas: em relação aos trabalhos para a resolução dos problemas relacionados à saúde; aos problemas dos conflitos pelas demarcações de terras; àqueles advindos das explorações das cobiçadas riquezas existentes nas áreas indígenas e também para encaminhar a reivindicação talvez mais crescente na atualidade - a educação indígena.

Mas quando passamos a tratar de questões relacionadas aos aspectos culturais (língua, sistema de parentesco, forma de organização social, visão cosmológica, religião), então temos que abandonar o índio genérico e passar a tratar das especificidades étnicas. Já não podemos mais, então, falar que: "os índios do Brasil têm um sistema de parentesco com sistema de clã"; ou então que: "os índios do Brasil têm formas de organização social baseadas na família nuclear"; ou ainda que: "os índios do Brasil têm uma visão animista do mundo". Faz-se necessário considerarmos as diversidades culturais de cada povo.

Vejamos a exemplificação do mencionado acima com o caso das especificidades dos povos indígenas que vivem no Tocantins. Dos mais de duzentos povos indígenas que vivem no Brasil, seis deles (pertencentes a dois troncos lingüísticos) vivem no território do Estado do Tocantins. Esses cinco povos falam línguas distintas entre sis, com graus diferentes de distinção entre elas.

Entre a línguas Krahô e Apinajé, pertencentes a família Jê Setentrional (veja quadro I adiante), existe compreensão mútua, numa distinção como se fosse entre Português e Espanhol. Mas, entre estas duas línguas e as demais do tronco Macro-Jê, as diferenças lingüísticas impedem o uso da língua nativa no diálogo interétnico. As diferenças entre Akwen-Xerente/Karajá/Apinajé e Krahô, são análogas às diferenças entre as línguas portuguesa e alemã. Além disso, a diferença entre as línguas do tronco Macro-Jê e do tronco Tupi, é análoga com a diferença entre o inglês e o russo.

A essas diferenças lingüísticas, estão associadas diferenças culturais (veja quadro II adiante). Enquanto os Apinajé possuem um sistema de dois pares de metades, formando quatro grupos sociais que englobam tanto o mundo social quanto os demais elementos do universo, os Krahô possuem diversos pares de metades, que possuem a mesma característica de classificarem todos os elementos do universo (social ou natural). Mas os Krahô possuem outros grupos cerimoniais não existentes entre os Apinajé. Estes grupos são semelhantes aos clãs, mas não estão presentes grupos de linhagens. A presença de clãs é clara entre os Akwen-Xerente: são seis clãs divididos em duas metades, sendo que a forma de afiliação é patrilinear. Já entre os Karajá, inexistem linhagens ou clãs, nem tampouco um sistema de metades. O que prevalece entre eles são os grupos famílias, ou famílias extensas (household).

Além das diferenças de organização social e políticas, os povos indígenas que vivem no Tocantins diferem também quanto à cosmologia (organização do universo) e antropogonia (surgimento dos humanos). Os Karajá crêem ter sua origem num mundo subaquático, onde ainda vivem os seres primordiais. Para os Krahô e Apinajé, eles foram criados a partir de cabaças plantadas por Sol e Lua (dois heróis míticos) no início dos tempos. Acreditam na existência de um mundo subterrâneo. Os Akwen-Xerente não têm uma versão de antropogonia, mas possuem uma concepção cosmológica clara de que existe um mundo celeste e outro subterrâneo.

Assim, penso que qualquer ação ou programa a ser implementado entre os povos indígenas no Tocantins deve levar em consideração essas especificidades culturais, havendo sempre a necessidade de tratá-los enquanto etnias distintas.

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