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Índio ensina a cortar madeira

O Liberal, Cidade, p. 10
26 de Out de 2000

Índio ensina a cortar madeira

Os índios Xicrin do Cateté, do sul do Pará, deram ontem um exemplo de como extrair a madeira da floresta sem devastá-la, como faz a grande maioria dos madeireiros e os próprios índios de outras tribos. A técnica de extração poupa, durante o corte da árvore, que outras espécies sejam atingidas. Os ministros da Justiça, José Gregori, do Meio Ambiente, José Sarney Filho, a presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Marília Marreco, e o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Glênio Alvarez, afirmaram, durante solenidade de retirada da primeira safra de madeira, que o projeto de manejo deverá ser levado para outras áreas da Amazônia.
Esse projeto - resultado do esforço conjunto de órgãos governamentais, entidades ambientalistas e empresas, como a Companhia Vale do Rio Doce -, de acordo com o ministro José Gregori, é um "belo exemplo" de como se deve, a partir da utilização de técnicas de manejo, combater o corte indiscriminado de árvores e o contrabando de madeira dentro de reservas indígenas. "Aqui, nenhum madeireiro irá entrar para retirar madeira, pois será colocado para fora pelos índios", disse o ministro José Sarney Filho. "Estou diante de um perfeito trinômio de legalidade, de técnica e da boa convivência com a floresta", interveio Gregori.
O plano de manejo dos Xicrin do Cateté é resultado de uma parceria entre a Associação Bep-Nói de Defesa do Povo Xikrin do Cateté e o Instituto Socioambiental (ISA) e conta com o apoio logístico e financeiro da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), do Ibama e do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, subprograma Pro-Manejo, do Ministério do Meio Ambiente. O local da reserva de 450 mil hectares é uma área de 40 mil hectares onde o projeto está sendo executado. Técnicos do ISA e ambientalistas, após exaustivos estudos, definiram a área, onde 22 espécies de madeira podem ser cortadas. O mogno é a principal espécie a ser explorada.
Durante o corte da árvore, o tronco é direcionado com o objetivo de evitar que, na queda, as árvores que ainda estão em fase de crescimento sejam atingidas. A presidente do Ibama, Marília Marreco, disse que essa forma de exploração faz com que, em apenas 30 anos, a área de onde a madeira foi retirada seja recomposta. O resultado dessa exploração dará aos índios a autonomia econômica, pois eles poderão comercializar diretamente com os compradores a madeira que retiram da floresta.
"O meu povo está muito feliz. Agora nós vamos melhorar de vida e ensinar para os mais novos aquilo que estamos aprendendo com os "brancos", resumiu o cacique Bep Karod. O dinheiro obtido com a venda da madeira será administrado pela Associação dos Xicrin do Cateté.
Para comemorar o sucesso do projeto e a visita das autoridades, os xikrins, que são um subgrupo kaiapó, vestiram-se para festa, reunindo os moradores das duas aldeias, Cateté e Djudje-Ko, para cantar e dançar durante todo o dia. "Os xikrins foram os primeiros entre os povos indígenas a conseguir a legalidade na exploração da madeira e para isso contaram com sua própria força de vontade e a ajuda de parceiros", disse o ministro Sarney Filho.
Ao todo, sem contar a estrada, foram necessários cerca de R$ 2 milhões, incluindo a participação do ISA e seus parceiros financeiros, para viabilizar esse projeto. O volume retirado nessa primeira colheita experimental foi de 800 metros cúbicos de toras, cerca de 80% de mogno que serão comercializados e deverão gerar uma receita entre R$ 80 mil e R$ 100 mil reais para os índios.
Novas áreas serão exploradas a partir do ano que vem
A terra indígena Xikrin do Cateté, com área total demarcada de 439.150 ha, está localizada na região sul do estado do Pará, entre os municípios de Parauapebas e Tucumã. Vivem nesta área atualmente cerca de 700 índios, em sua maioria jovens com menos de 30 anos. Na década de 70, com a abertura de estradas que interligaram os municípios da região, ocorreu um forte processo de supressão da vegetação original, caracterizado pela exploração madeireira descontrolada, e o desmatamento para formação de pastagens. A principal espécie explorada até hoje é o mogno (Swietenia macrophylla), madeira de alto valor e enorme procura no mercado.
Ao final dos anos 80, toda a pressão ambiental em torno da terra indígena resultou em várias incursões de madeireiros e fazendeiros por dentro da área Xikrin, com ou sem autorização dos índios. Na tentativa de obter maiores lucros, por vezes os madeireiros compravam a madeira diretamente dos índios. Porém essa madeira era extraída de forma não sustentável, sem o monitoramento dos Xikrin, e ilegal perante o Ibama. Os acordos eram sempre vantajosos apenas para o madeireiro.
Apoio- Em 1995, apoiados pelo Instituto Socioambiental (ISA), os índios fundaram a Associação Bep-Nói de Defesa do Povo Xikrin do Cateté. Desde então vem sendo desenvolvido o Projeto de Manejo Florestal da Área Xikrin do Cateté, uma parceria entre a Associação Bep-Nói, o ISA e, desde 1998, a Companhia Vale do Rio Doce, que financia e apóia a iniciativa. A partir do ano 2000, o projeto passou a receber financiamento do ProManejo (Programa Piloto para Proteção de Florestas Tropicais do Brasil - MMA).
O plano de manejo de uma área de 1.400 ha foi elaborado pelo ISA e aprovado pelo Ibama em 1995. Agora, em 2000, se está realizando a colheita dessa primeira área, e extraindo um volume de aproximadamente 800 m3 de toras, em caráter piloto. Essas toras estão sendo transportadas até a cidade de Tucumã, onde são serradas e comercializadas.
Em 1999 foram realizados o inventário diagnóstico de uma nova área de 23.000 ha, e o inventário pré-exploratório de 1.100 ha. Essas novas áreas serão exploradas a partir do ano 2001.

O Liberal, 26/10/2000, Cidade, p. 10

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