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Índio acreano pede socorro em Brasília

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Romerito Aquino
07 de Dez de 2003

Líder Ashaninka adverte o governo brasileiro para o desastre ambiental que se avizinha na fronteira com o Peru

Um índio Ashaninka, descendente direto dos Incas, saiu dos pés dos Andes e veio a Brasília pedir socorro ao governo federal. Socorro contra as metralhadoras e outras armas pesadas que já são colocadas no seu peito e nos de seus irmãos por representantes de madeireiras e empresas petrolíferas peruanas, que há anos vem roubando suas árvores, afugentando suas caças, tirando sua paz e até sua nacionalidade ao roubarem e manipularem os marcos da fronteira entre Brasil e o Peru. O índio em questão é o líder Maldete da Silva Pinhanta, conhecido simplesmente como Benky, que vestido de cusma, portando colares e cocar e com o rosto pintado de urucum, fez uma grande peregrinação, semana passada, pelos gabinetes e corredores dos ministérios e do Congresso Nacional para chamar a atenção da gravidade da situação em que vive seu povo, na terra indígena Kampa, município de Marechal Thaumaturgo, no Vale do Juruá.

Chamando a atenção por onde passava, pela altivez de seu semblante e pela beleza de seus trajes, Benky logo se fez acompanhar de assessores dos senadores Tião Viana, Sibá Machado e Geraldinho Mesquita, e dos deputados federais Perpétua Almeida e Henrique Afonso, além de um representante da Secretaria de Meio Ambiente do governo do Acre, que se prontificaram a intermediar seus contatos com as autoridades de Brasília. Com um mapa do Acre debaixo do braço, Benky não se cansou de mostrar às autoridades federais que o seu povo e o Brasil estão seriamente ameaçados naquela região de fronteira com o Peru.

Em contato permanente com outros representantes de sua comunidade no Acre, para dar a eles notícia do andamento de sua "luta" na capital federal, o líder Ashaninka, que preside a Associação Apiwtxa, esteve na Funai, no Ministério das Relações Exteriores e fez contato telefônico com o Ministério da Justiça, dando detalhes sobre os graves prejuízos que as madeireiras e as petrolíferas estão causando ao seu povo. E ainda aos índios isolados existentes naquela região, que também estão sendo expulsos do território peruano e entrando em seguidos conflitos com os próprios Ashaninkas. Benky também manteve contato telefônico com seu irmão, Francisco Pinhanta, secretário de Assuntos Indígenas do Governo do Acre, que se encontrava em viagem na Espanha, dando a ciência a ele de como estavam os encaminhamentos da questão Ashaninka junto ao governo federal.

A primeira atitude de Benky em Brasília foi se dirigir à 6ª Câmara dos Povos Indígenas, da Procuradoria Geral da República, para formalizar a denúncia da invasão internacional de sua terra indígena. A mesma coisa ele fez junto à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Ambas as instituições prometeram investigar as atrocidades e as ameaças de genocídio que pesam hoje contra um dos grupos indígenas mais numerosos do Acre.

Acompanhado do senador Sibá Machado, coordenador da bancada federal do Acre, o líder Ashaninka esteve reunido com o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro. No Itamaraty, Benky deu detalhes sobre as ações das madeireiras peruanas Venado, Tito Peres e Cabrera em território brasileiro, onde estão tirando madeira de lei a torto e a direito. Imensas quantidades de mogno, cedro e outras madeiras valiosas, segundo o relato de Benky, estão sendo retiradas, de dentro do território brasileiro a partir do deslocamento ilegal para dentro das áreas indígenas brasileiras dos marcos de divisa entre os dois países. Roubando os marcos para colocarem em locais que lhes dão mais ganhos em madeiras, os representantes das madeireiras peruanas chegam a manipular a divisa e a soberania brasileira por mais de 300 metros ao longo de uma extensa faixa territorial naquela região fronteiriça.

Benky, o senador Sibá Machado e os representantes dos demais parlamentares acreanos conseguiram do ministro das Relações Exteriores o compromisso de entrar em contato imediato com a Embaixada brasileira no Peru para iniciar entendimentos prévios com as autoridades daquele país e de comunicar os fatos ao Grupo Brasil-Peru de Cooperação Ambiental Fronteiriça, que foi criado em 2001 pelos dois países para resolver os conflitos ambientais na fronteira. Acompanhado de Benky, uma assessora do senador Sibá Machado ligou para o chefe de Gabinete do ministro da Justiça, Sérgio Sérvulo, relatando as ameaças de morte que o líder Ashaninka e outros indígenas vêm sofrendo dos representantes das madeireiras e até por traficantes de drogas, que também transitam no território brasileiro. Sobre isso, Benky informou que só a madeireira Venado possui 400 homens acampados na região fronteiriça e que a empresa contaria, inclusive, com representantes na cidade de Marechal Thaumaturgo, possivelmente para preveni-la e alertá-la sobre possíveis ações que venham a ser tomadas pelas autoridades brasileiras na região. Os índios suspeitam também que esses "olheiros" das empresas peruanas em Marechal Thaumaturgo também estariam envolvidos com o tráfico internacional de drogas. O líder Benky esteve, ainda, reunido com o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, que acompanhado de vários assessores, do superintendente do Ibama no Acre, Anselmo Forneck, e do representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, ouviu o pedido de socorro dos Ashanikas, que desenvolvem hoje até projetos de manejo para recuperarem as áreas de florestas já derrubadas pelas madeireiras peruanas.

Funai quer ampliação da presença do Exército na região

Outra conquista do líder Ashaninka, em sua peregrinação pela capital federal, foi o envio de um ofício do presidente da Funai, Mércio Gomes, ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, dando ciência aos fatos graves naquela região de fronteira do país e sugerindo ações que devam ser colocadas em prática, de imediato, para evitar a continuidade das ameaças aos índios e à destruição de sua floresta. O presidente da Funai sugeriu ao ministro da Justiça que ele determine à Polícia Federal fazer uma fiscalização imediata naquela fronteira do Acre com o Peru, "no intuito de se coibir, de forma definitiva, as ações daquela empresa peruana contra o patrimônio indígena Ashaninka e contra a soberania nacional".

Em seu ofício ao ministro, o presidente da Funai também sugere ao ministro que dê conhecimento dos fatos aos ministros da Defesa e das Relações Exteriores "para tomarem as providências cabíveis". Entre as providências, Mércio Gomes indica que seja reforçado o grupamento do Exército na cidade de Marechal Thaumaturgo, onde se situa a terra indígena, e que seja feito o devido entendimento diplomático com representantes do governo peruano "para o estabelecimento de unidades de conservação ambiental e terras indígenas destinados a povos indígenas isolados que perambulam ao longo da fronteira internacional entre os dois países".

O líder Ashaninka deixou Brasília no final de semana convicto que cumpriu o seu papel de alertar aos principais ministérios e outros órgãos encarregados da segurança nacional, do meio ambiente e dos direitos humanos, de que, se nada for feito pelo governo brasileiro, aquela região de fronteira poderá se transformar, dentro em breve, numa das mais conflituosas da Amazônia. Bem no clima de faroeste que o governo federal vem tentando desarticular atualmente na região chamada de Cabeça do Cachorro, no Sul do Pará, onde madeireiros, fazendeiros e outros empresários vêm matando e torturando pequenos agricultores e índios em plena luz do dia a muitos anos.

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