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Indigenista: Caso dos Pataxós é "emblemático"

Terra Magazine - terramagazine.terra.com.br
Autor: Thais Bilenky
26 de Set de 2008

O Supremo Tribunal Federal (STF) julga hoje, 24, os processos relacionados à demarcação da Terra Indígena Caramuru-Paraguassu, do Povo Pataxó Hãhãhãe, no sul da Bahia. A Fundação Nacional do Índio (Funai) espera que os ministros do Supremo anulem os títulos de propriedade de arrendatários dentro dos 54 mil hectares da reserva indígena.

As ações tramitam na Justiça há 25 anos e contestam a legalidade dos imóveis, uma vez que a reserva foi demarcada "com instrumentos legais nos anos de 1920 e 1930", segundo o ex-presidente da Funai Eduardo Almeida.

Aproximadamente 200 indígenas Pataxó Hãhãhãe desde ontem estão em Brasília para pressionar decisão favorável à saída dos fazendeiros. Em nota, eles alegam que "tais arrendamentos ocorreram de forma violenta, com espancamentos, perseguições e mortes dos que não concordavam em desocupar a área".

Até hoje, cerca de 20 lideranças foram mortas no conflito. Entre elas, o pataxó Galdino Jesus dos Santos, queimado vivo em Brasília, no ano de 1997. Ele estava na capital para discutir o caso da reserva Caramuru-Paraguassu no Ministério Público Federal e dormia em um ponto de ônibus, quando um grupo de jovens colocou fogo em seu corpo. Hoje, os pataxós pretendem homenageá-lo em ato religioso na Praça do Compromisso, na Asa Sul de Brasília.

A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb) afirmou em nota ontem (23) que "questões ideológicas não poderão prejudicar os produtores". Faz mais de 30 anos que os agricultores receberam título de posse na região, já então demarcada como reserva indígena, segundo a Agência Brasil.

Almeida afirma que "este julgamento poderá até ser paradigmático, emblemático". "Até pelo fato de que o julgamento da Reserva Raposa Serra do Sol ainda não terminou, agora toda a pressão está em cima deste julgamento. Pode ser até que não seja concluído amanhã (hoje), mas a idéia é pegar estes casos que estão se arrastando há muitos anos e julgar logo, o que eu considero positivo", diz o ex-presidente da Funai.

Leia abaixo entrevista com Eduardo Almeida, em que o indigenista e jornalista explica como se deu o processo de ocupação da Terra Indígena Caramuru-Paraguassu e a origem dos problemas hoje em debate.

Terra Magazine - Qual é a formação dos povos indígenas que habitam o sul da Bahia?
Eduardo Almeida - Os Pataxó Hãhãhãe são, na verdade, um conjunto de etnias reunidas ali, sobretudo nos anos 1920 e 1930 e até um pouco mais de uma região mais ampla da Bahia. Os Pataxó Hãhãhãe propriamente ditos foram os últimos indígenas isolados contactados nesta parte do Brasil. Isso se deu no ano de 1936. Era um grupo pequeno de remanescentes. Mas para aí o governo levou em momentos diferentes os Camacã, Baenã, Cariri-Sapuiá. Porque lá foi demarcada uma área visando justamente uma reserva de bom tamanho, que pudesse abrigar não só os Pataxó Hãhãhãe mas estes outros também.

Como começaram os problemas?
Criou-se essas comunidades, o SPI (Serviço de Proteção aos Índios) demarcou, mas ao longo do tempo houve uma degradação do SPI propriamente dito e os funcionários começaram a arrendar terra aos fazendeiros. Uma desculpa era de que precisavam de renda para viver. E outras eram coisas mal-intencionadas, ou corrompidas... A troco disso, os arrendatários foram entrando, se instalando. Alguns começavam pequenos, ficavam grandes. Depois vendiam para grandes que vinham. O SPI entrou em crise e os índios foram deixados à propria sorte.

Exatamente quando o SPI entrou em crise?
Entrou em crise nos anos 1940. É uma história pouco conhecida no Brasil, mas muito interessante. Essa crise se deve em parte ao fato de que alguns dos funcionários mais dedicados e sensíveis eram pessoas que tinham ligações com a esquerda - o Partido Comunista, a Aliança Nacional Libertadora. E houve certa repressão, perseguição por parte do Estado Novo, no final dos anos 30, na ditadura Vargas, e mesmo depois nos anos 50. Alguns (destes funcionários) até sobreviveram porque estavam em locais remotos, ficaram na moita, calados. Mas muitos foram perseguidos e prevaleceram setores mais corruptos no SPI. Tanto que nos anos 1960, depois de denúncias e escândalos, o governo - já era ditadura militar - decidiu extinguir o SPI e criou a Funai em 1967.

Como ficaram os Pataxós?
Os Pataxós neste período - anos 50, 60 - se dispersaram. Uns ficaram na própria região. Outros foram para São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, cidades maiores, para sobreviver. Até que no início dos anos 80, parte deles conseguiu rearticular um grupo e resolveram fazer uma retomada. Sendo que, como eu disse, uma parte nunca saiu de lá - a comunidade dos Pataxó Hãhãhãe e os Cariri-Sapuiá.

Sim...
O grupo resolveu retomar algumas fazendas da parte sul, perto de Pau-Brasil. E isso estabeleceu um conflito que vem até hoje. Um conflito muito dramático.

O que o senhor espera do julgamento de hoje no STF?
Acredito que vá se fazer justiça. Até pelo fato de que o julgamento da Raposa (Serra do Sol) ainda não terminou, agora toda a pressão está em cima deste julgamento. Pode ser até que não seja concluído hoje. Ele teria basicamente três alternativas a priori. Uma seria dar razão 100% aos índios. Outra é negar, acatar a tese de fazendeiros. Acho esta muito improvável, mas no Brasil a gente não deve descartar nenhuma hipótese. E a terceira seria tipo meio termo - determinaria, como na Raposa, demarcar ilhas, uma área que não é contígua.

Portanto...
Fora a decisão de ganho total dos índios, todas as duas outras opções não serão uma solução para o conflito, porque é complicado. Porque deixar alguns fazendeiros e outros que foram objeto da ocupação dos índios poderiam ter o mesmo direito. Porque a situação é exatamente a mesma.

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