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Autor: Geovanna Torquato e Lislaine dos Anjos
02 de Mar de 2024
Prefeitura de Cuiabá apresentou área de 3,5 hectares que deve ser cedida às famílias indígenas; terreno foi aprovado pelos venezuelanos
"Tudo é difícil" é o que diz Rabel Rivero, líder da comunidade de indígenas venezuelanos da etnia Warao. O grupo de 50 famílias está em Cuiabá há quase dois anos e se alocou em um terreno argiloso no bairro São José, próximo à Avenida Fernando Correa. A área foi emprestada por um ano, prazo que vence em abril. Mas após muitas dificuldades e tempo de espera, a comunidade finalmente se vê diante da chance de ganhar uma área permanente de moradia - o que pode fazer a capital mato-grosense se tornar a primeira cidade do Brasil a construir uma aldeia urbana para abrigar os indígenas da etnia Warao.
No local atual, a comunidade destoa no meio das residências com terrenos compridos. É preciso descer um barranco com barro para conhecer mais das pessoas que vivem entre as lonas e estacas de madeira. Os Warao vieram para o Brasil há quatro anos, sendo que estão há dois em Mato Grosso. Desde então, as principais dificuldades encontradas pelos refugiados têm sido moradia e trabalho. Rabel comenta que os salários oferecidos são baixos e insuficientes.
"No trabalho, pagam R$ 600 por mês e não querem pagar mais. A pessoa não quer pagar mais que isso, mas tem gente tem família com seis filhos, até nove filhos. O dinheiro não dá", pontua.
Já na questão da moradia, a comunidade não possui o mínimo de condições para manter a higiene, bem como está exposta a uma área de mata e não possui segurança nas delimitações do terreno. Os abrigos, por sua vez, se amontoam e tem "paredes" de lona, feitas com saco de lixo ou banners de eventos velhos. Dentro das casas improvisadas, os moradores abrigam os pertences em uma base singela de cimento, enquanto dormem em redes penduradas junto aos varais de roupa.
Para a irmã de Rabel, Hernaida Rivero, estar há quatro anos longe de seu país e não ter conseguido se estabilizar é motivo de questionamento e tristeza.
"Por isso que estamos conversando, pedindo ajuda, porque precisamos de um lugar permanente, porque queremos viver, para que as crianças recebam educação, que tenham apoios de professores, é isso que necessitamos. Nós todos temos o direito de aprender. Já se passaram anos desde que saímos de Pacaraima e chegamos aqui. Eu vou fazer dois anos daqui. Depois de tudo o que passamos, depois do tempo que ficamos aqui, não vamos melhorar? Vamos ficar sempre assim? Não queremos, queremos uma vida melhor, tanto para as crianças como para os adultos", declara.
Insegurança e dificuldade de alfabetização
A localização atual do grupo causa preocupação aos pais e mães da comunidade. Por não ter muros ou cercas, já ocorreram situações em que criminosos armados chegaram a intimidar os moradores. No caso das crianças, os moradores relataram que, por duas vezes, homens chegaram em carros até crianças na rua perguntando se elas não gostariam de "dar um passeio".
Na comunidade, existem cerca de 40 crianças com idade para cursarem o Ensino Fundamental I e que não são alfabetizadas nem em espanhol. Além disso, outro grupo grande de crianças na faixa etária de creche também não frequenta a rede de ensino. Desde a vinda para o Brasil, as crianças e adolescentes foram afastadas das escolas e, ao se instalar no país, a adaptação ao ensino brasileiro não foi bem sucedida.
Mãe de seis filhos, Hernaida conta que professores da rede pública de ensino não souberam lidar com a barreira da linguagem e excluíam seus filhos das aulas.
"Meu filho, com seis anos, não sabia falar português e a professora o colocava para fora da sala, mas ele nunca tinha ido na escola. A mão dele é dura para escrever. E aí ele não gostou e não mandei mais ele para a escola, porque ele estava sofrendo e chorava", comenta.
A professora Marinete Luzia, que acompanha o grupo com o ensino de português desde 2023, coordena um curso de português para todos na comunidade, com o auxílio de estudantes dos cursos de educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Atualmente, ela tem como meta buscar meios para que haja oferta de educação formal para a comunidade.
"A gente está tentando ver se a secretarias municipal e estadual de educação oferecem educação formal pra eles, porque a gente está vendo que o que nós vamos oferecer não atende toda a necessidade. Como eles são uma comunidade vulnerável, essa é uma necessidade, porque precisa ser um ensino bilíngue e eles já estão aqui há três anos sem escola", argumenta Marinete.
A razão para a iniciativa de ensino de português se dá, principalmente, pela escassez de intérpretes nos serviços públicos, pelos quais os indígenas são beneficiados. Não obstante a falta de estrutura para o ensino de português, a distância da UFMT é um impedimento para a presença nas aulas, sendo necessário um local mais próximo para a realização do curso.
Luz no fim do túnel: a conquista de um terreno
O Ministério Público de Mato Grosso (MPMT), no dia 25 de janeiro, pediu à Prefeitura de Cuiabá que indicasse três áreas públicas para possível instalação dos indígenas. Nesta sexta-feira (1o), o prefeito Emanuel Pinheiro (MDB) apresentou a área que agora deverá se tornar a moradia permanente dos indígenas da etnia Warao, que somam cerca de 160 pessoas - entre adultos, crianças e idosos.
O local possui uma extensão de três hectares e meio, conta com um lago, rede de energia elétrica, e nas proximidades existem escolas, postos de saúde, linhas de ônibus. A área fica no bairro Jardim Novo Pequizeiro, às margens da MT-040, próximo de onde está sendo executada a obra do Hospital Universitário Júlio Muller.
"A atual situação em que vivem essas famílias da étnica Warao não é adequada, por isso que, prontamente, assim que me foi solicitada a indicação de possíveis áreas, já montamos uma força-tarefa para que a solicitação advinda do procurador Paulo Prado fosse atendida o mais breve. E assim fizemos. Esse é o espaço e agora vamos partir para a parte burocrática. Vamos fazer todos os procedimentos necessários para fazer o ato de doação da área", declarou o prefeito Emanuel Pinheiro.
A área apresentada foi aprovada pela comunidade. Antes do anúncio de cessão do terreno, o líder Rabel havia comentado com a reportagem o desejo do grupo de ter um espaço em que eles possam progredir e desempenhar as atividades de sua cultura, como o artesanato e agricultura, e como conseguir um terreno parecia um sonho distante, em razão da nacionalidade estrangeira dos indígenas. "Não somos donos desse país, não temos raízes, não temos nada. Se conseguirmos um lugar, nós vamos cuidar", comentou, na ocasião.
Após a apresentação da área que deverá se tornar a nova moradia dos indígenas da etnia Warao, a comunidade apresentou uma "Carta Aberta" às autoridades com 19 reivindicações. A lista inclui a construção de casas para as famílias morarem, implantação de saneamento básico, eletricidade em todas as casas, instalação de contêiner para coleta de lixo, apoio para implantação de quintal produtivo e materiais necessários, linha de crédito popular para aquisição de bens domésticos essenciais, entre outras providências.
O procurador de Justiça Paulo Roberto Jorge do Prado, que acompanha a luta de perto, falou os próximos passos a serem tomados a partir de agora. "Nós iremos à Câmara Municipal conversar com os vereadores para que a utilização deste espaço seja autorizada. Em um segundo momento, sentaremos com o superintendente urbanístico da Universidade Federal e da Prefeitura Municipal e com representantes das instituições que atuam diretamente com a causa indígena para criarmos uma comissão para elaboração de um projeto para construção da aldeia, de acordo com os costumes dos Warao", adiantou.
Auxílio
Segundo a Prefeitura de Cuiabá, desde o mês de novembro de 2022, a Prefeitura de Cuiabá, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, Direitos Humanos e da Pessoa com Deficiência, tem prestado assistência a esse grupo.
Atualmente, as 50 famílias recebem auxílio do bolsa-família e ganham doações de cesta básica de benfeitores. A Secretaria Municipal de Assistência Social, Direitos Humanos e Pessoa com Deficiência disse ao , por meio de nota, que os indígenas Warao recebem auxilio de R$ 600 a R$ 1200 e estão inseridas no CadÚnico. A comunidade também recebeu 200 cobertores no dia 14 de fevereiro, assim como 40 cestas básicas com 42 caixas de leite e 60 kits de higiene ((sabonete, papel higiênico, pasta de dente, entre outros).
Além disso, foram providenciados encaminhamentos para oportunidades de emprego, resultando na colocação de 28 famílias em empregos formais na empresa Cocremix e 5 na rede de supermercados Comper, todos com o suporte e orientação da equipe do CRAS Getúlio Vargas.
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