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Indígenas protestam contra xinguana escolhida por Bolsonaro para acompanhá-lo à ONU

G1 - https://g1.globo.com/natureza/blog/amelia-gonzalez
Autor: GONZALEZ, Amélia
23 de Set de 2019

Indígenas protestam contra xinguana escolhida por Bolsonaro para acompanhá-lo à ONU

Por Amelia Gonzalez
Escreve sobre sustentabilidade e debate temas ligados a economia, meio ambiente e sociedade

Tão logo souberam que a indígena Ysani Kalapalo, da região do Xingu, foi escolhida pelo presidente Jair Bolsonaro para ocupar uma das cadeiras da bancada do Brasil no momento em que ele for discursar na Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira (24) em Nova York, lideranças indígenas do próprio território xinguano protestaram com veemência.

Ysani tem apoiado, nas redes sociais, as posições ambientalistas de Bolsonaro desde a campanha, inclusive quando ele afirmou que o fogo na Amazônia pode ter sido provocado por ONGs. Ysani, desta forma, afastou-se de seu povo, que não se sente representado por ela.

A carta de repúdio foi endossada pelos povos indígenas Mebêngôkre/Kayapó, pelo Instituto Raoni e outras tantas instituições que representam algumas etnias brasileiras. Diz um trecho da carta, que circulou nas redes sociais neste fim de semana que passou:

"Como representantes dos 16 povos indígenas do Território Indígena do Xingu (Aweti,Matipu, Mehinako, Kamaiurá, Kuikuro, Kisedje, Ikpeng, Yudjá, Kawaiweté, Kalapalo, Narovuto,Povo Waurá, Yawalapiti, Trumai, Nafukuá e Tapayuna), chegamos à sociedade brasileira para repudiar a intenção do governo brasileiro de incluir a mulher indígena Ysani Kalapalo na delegação oficial brasileira para participar da Conferência Geral das Nações Unidas, Assembleia a ser realizada na cidade de Nova York em 24 de setembro de 2019.

Mais uma vez, o governo brasileiro demonstra desrespeito ao renomado Xingu, povos e líderes indígenas e outros líderes indígenas nacionais, desrespeitando a autonomia, organizações de povos indígenas a tomar decisões e nomear seus representantes em eventos nacionais e internacionais. O governo brasileiro ofende os líderes indígenas do Xingu e do Brasil, destacando uma indígena que trabalha constantemente em redes sociais com o único objetivo de ofender e desmoralizar os líderes e movimentos indígenas do Brasil".

Não seria muito difícil para o presidente fazer outra escolha, menos polêmica. E nem precisaria pagar passagem. Lá mesmo, em Nova York, está uma delegação da Associação Indígena Kisêdjê para receber o Prêmio Equatorial 2019, dado pela própria ONU pela excelência de um trabalho de produção de óleo de pequi na Terra Indígena Wawi.

O mais interessante é que os Kisêdjê iniciaram a produção depois de retomarem as terras que tinham sido invadidas por fazendeiros e que já estavam degradadas. Só no ano passado produziram 315 litros do óleo, e já estão pensando em exportar.

A lógica defendida pelo presidente Bolsonaro, de que os indígenas precisam ter o direito de explorar suas terras, incluindo as reservas legais, se afasta do modelo de produção que esses povos preferem adotar. Bolsonaro quer que grandes empresas tomem à frente do trabalho e distribuam o lucro entre os indígenas.

Mas a maioria dos povos tradicionais quer continuar tendo autonomia sobre tais atividades, como sempre tiveram. O caso do pequi dos Kisêdjê é apenas um entre muitos que são bem sucedidos, com técnicas agrícolas menos invasivas, que respeitam o solo, a água.

Há outros tantos. O próprio Xingu, berço de Ysani, tem uma Rede de mulheres que caminham pela floresta a catar sementes para recompor áreas que foram desmatadas para o plantio de soja. É um trabalho minucioso, realizado com apoio do Instituto Socioambiental, que ajuda na recuperação de terras degradadas, dialogando assim com a "Década da Restauração de Ecossistemas", que a ONU pretende adotar como norma a partir de 2021.

Desta e de outras tantas maneiras, os indígenas mostram que já sabem o que fazer com as terras que são deles por lei. E usam, para isso, métodos que aprenderam com seus ancestrais. Gosto de compartilhar esta reflexão, sobretudo para quem torce o nariz e aponta o dedo para lembrar que "não podemos regredir no tempo e voltar a viver como índios".

Manter uma floresta em pé é um desafio que os indígenas enfrentam, com esforço, mas sabendo que é o único jeito de evitar o grande colapso ambiental.

Mesmo tendo sido marginalizados e inviabilizados durante todo o tempo de civilização moderna, lá estão eles, fazendo a preservação que não soubemos fazer.

Vejam bem, não me refiro a florestas plantadas artificialmente para esconder degradações provocadas pela indústria ou em monoculturas. Falo da agrofloresta, sistema difícil de manter, mas que promove, verdadeiramente, benefícios econômicos e ecológicos a um só tempo.

No domingo (22), antes da reunião dos líderes mundiais, ainda na Cúpula do Clima, a pedido das Nações Unidas, a chefe da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e ativista ambiental Sonia Guajajara, discursou no plenário, levando outra lógica sobre os povos tradicionais que representa.

Guajajara aproveitou o espaço e lembrou que, na Marcha das Mulheres Indígenas que aconteceu em agosto em Brasília , houve uma convocação para que as mulheres lutassem pela construção do "Bem Viver" em todas as sociedades.

O "Bem Viver", como já mencionei neste espaço é um conceito que propõe uma ruptura civilizatória para se construir sociedades verdadeiramente solidárias, sustentáveis. Nasce, é moldado, na visão de mundo dos povos indígenas, mas vai além. Foi organizado por Alberto Acosta, que foi ministro no Equador, quando incorporou o conceito na Constituição do país.

No livro homônimo, editado em 2015 pela Editora Elefante, Acosta demonstra didaticamente as principais características do Bem Viver. Se fosse adotado em nossa civilização, ah... estaríamos em outra posição, talvez com mais vantagem até mesmo com relação às mudanças climáticas.

Para começar, entraríamos numa fase pós-capitalista e pós-neoliberalismo. Mas, acima de tudo, ampliaríamos a nossa capacidade de diálogos e reflexões porque a proposta do Bem Viver não é ser excludente, ao contrário, como explica Acosta em seu livro:

"Quando falamos do Bem Viver, propomos, primeiro, uma reconstrução de futuro a partir das visões andina e amazônica. No entanto, esta aproximação não pode ser excludente ou produzir visões dogmáticas... O Bem Viver não pretende assumir o papel de um imperativo global, como sucedeu com o desenvolvimento em meados do século XX. O Bem Viver é, por um lado, um caminho que deve ser imaginado para ser construído, mas que, por outro, já é uma realidade", escreve Acosta.

Não pensar unicamente em desenvolvimento, mas aceitar sugestões de alternativas de vida forjadas, sobretudo, em exemplos de quem vive o dia a dia enfrentando os desafios de uma floresta. Ou, de quem vive o dia a dia enfrentando as angústias de uma vida no asfalto, numa comunidade urbana tomada por violência que acaba com a vida de crianças.

Lá e cá é preciso ter coragem. Lá e cá é preciso fazer contato, algo que fica distante dos tomadores de decisões, tão longe dos territórios que eles julgam estar representando.

É um bom tempo, este. No fim das contas, estamos abertos a novas propostas e, sobretudo, querendo atores nas mesas de debate que não transmitam ao mundo o velho discurso de sempre. Não há mais espaço para isto.

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