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Indígenas na BA falam sobre preocupações e desafios das comunidades durante pandemia: 'Medo maior é de novo genocídio'

G1 BA - g1.globo.com/ba
Autor: Phael Fernandes
27 de Jun de 2020

Na reportagem, o G1 reúne cinco etnias: Pankararé, Pataxó HãHãHãe, Tupinambá, Tumbalalá e Tuxá. Há relatos de 10 indígenas e cada um apresenta as consequências da pandemia no dia a dia e como são feitas articulações para tentar se proteger do novo coronavírus

Em escala global, o novo coronavírus tem mudado as relações, modo de vida e apresentado dificuldades diante de um cenário incerto e com sotaque carregado no distanciamento entre os pares. Nas aldeias indígenas da Bahia, além das incertezas, os povos tentam evitar que a doença atinja as comunidades - isso nas que ainda não têm nenhum caso - enquanto precisam driblar o problema em não escoar os alimentos das terras e administrar a ausência de atividades rotineiras, como os cultos.

Conforme dados da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), o estado baiano tem 25 etnias indígenas, distribuídas em 192 comunidades e 6.609 famílias. Isso significa um total de 33.042 indígenas aldeados, em 39 municípios de 15 Territórios de Identidade.

Nesta matéria, o G1 reúne cinco dessas etnias. São elas: Pankararé, Pataxó HãHãHãe, Tupinambá, Tumbalalá e Tuxá. Há relatos de 10 indígenas e cada um apresenta as consequências da pandemia no dia a dia e como são feitas articulações para tentar se proteger do novo coronavírus, a exemplo das barreiras nas estradas.

Dinamam Tuxá, diretor executivo de articulação dos povos indígenas do Brasil, chama atenção, no entanto, que organizações desse tipo são consequências da falta do apoio do estado.

"Precisou-se fazer barreiras para que tivesse um controle da comunidade ao seu território. Esse controle se dá porque o estado até hoje não conseguiu implementar uma ação, uma forma mais estruturante de proteção a esses povos frente à Covid-19, e também não conseguiu ainda discutir um apoio emergencial específico para os povos indígenas", relatou.
Ele pontuou também que, por mais que haja iniciativas dos povos indígenas, ainda não são suficientes para que fiquem protegidos da doença, uma vez que precisam enfrentar uma rotina pendular, com alguma frequência, para vender os produtos que produzem - quando podem.

"Com a chegada do coronavírus, principalmente na região nordeste, por falta de terra, não tem como garantir a sua sustentabilidade dentro da pequena gleba de terra que vivem e sobrevivem. Daí, automaticamente, necessitam, sair desse pedaço de terra para buscar sua subsistência fora da sua aldeia, da sua área. E, com isso, se torna ainda mais vulneráveis, frente a esse processo, a essa pandemia que estávamos vivendo hoje", contou

Já Thais Pankararé compartilhou o medo de que um novo genocídio esteja próximo. Ela conta que, por mais que exista atendimento médico para as aldeias, não há uma regularidade e é comum faltar medicamentos básicos.

A preocupação de Thais é reflexo do número de casos que aumenta com frequência, além de localidades antes não atingidas que começaram a ter registro da doença.

De acordo com o boletim semanal mais recente organizado pela Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí) e pelo Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoíba), divulgado no dia 26 de junho, 48 indígenas foram diagnosticados com a Covid-19 e uma morte.

Desse total, 13 são considerados como caso ativo e 34 curados da doença. Entre os contaminados, sete estão na aldeia Coroa Vermelha, três na Comexatibá, dois no território Caramuru Paraguaçu e um entre os povos Tupinambá de Olivença, em Ilhéus, onde houve o registro do primeiro caso de morte entre indígenas da Bahia por causa da Covid-19.

Para tentar evitar novos casos, além das barreiras, por exemplo, as comunidades se articulam através de acordos.

"Nós construímos acordos e diálogos com os pequenos agricultores e também com a comunidade sem terra. Por exemplo: os nossos parentes indígenas só vão nas cidades vizinhas fazer compras a cada 30 dias. Os agricultores e os sem terra, a cada 15 dias. Com isso, nós tentamos diminuir o fluxo de pessoas passando nas BAs, e também indo para as cidades", disse Agnaldo Pataxó HãHãHãe.
Confira abaixo outras iniciativas e posturas da comunidade indígena frente ao cenário pandêmico.

Povo Pankararé

Conforme Thais Pankararé, que atua como professora na Aldeia Serrota do Brejo, em Glória, cidade do norte da Bahia, a pandemia tem apresentado desafios no processo de organização para manter o movimento indígena ativo.

"As organizações das comunidades indígenas antes da pandemia, eram através de movimentos, encontros. Através do movimento indígena, a gente defende e luta pelos nossos direitos, nacional e regional; direitos territoriais, na saúde, educação, entre outros. Hoje, o nosso movimento, por causa da pandemia, é através da internet", disse.
Apesar de haver uma movimentação por causa do cenário atual, ela chama atenção que nem todas as pessoas da aldeia têm acesso à internet ou facilidade para dominar as tecnologias mais recentes.

"Temos muitas dificuldades, pois nem todas as comunidades têm acesso à internet [...] e nem todos têm acesso as novas tecnologias, principalmente os nossos mais velhos. A nossa dificuldade maior é manter o movimento", completou.

Thais afirmou também que a comunidade adotou todos os protocolos indicados pelas organizações de saúde, como o uso de álcool em gel. Por outro lado, o medo de contaminação ainda é uma marca muito grande.

"A nossa saúde não tem estrutura suficiente, é precária, e se a nossa comunidade for afetada, nosso medo maior é de ter um novo genocídio nos nossos povos indígenas [...] A gente tem acesso a equipe médica, passa aqui nas comunidades, mas até o medicamento de doenças crônicas faltam para nosso povo aqui. [...] Se esses simples medicamentos faltam, imagine esse novo vírus afetar a nossa aldeia? Os nossos povos? A gente vai ter um novo genocídio. O nosso medo maior é esse", concluiu.

Povo Pataxó HãHãHãe

Segundo o Cacique Fábio Titiah, da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, que se entende entre os municípios de Camacan, Itaju do Colônia e Pau Brasil, a principal articulação do Povo Pataxó HãHãHãe tem sido a criação de barreiras.

"Nós estamos enfrentando essa pandemia com criação de barreiras para impedir o acesso de pessoas estranhas na nossa comunidade, pessoas essas que representam risco a saúde do nosso povo. A todo momento, procuramos evitar aglomerações de pessoas, se organizar para que não venha ninguém da comunidade a contrair [a Covid-19]", contou.

"Nós estamos evitando as entradas das pessoas nas nossas comunidades. Por esse motivo, a nossa comunidade tem conseguido controlar e impedir que a doença chegue [por aqui]", completou.

O cacique pontuou que a pandemia traz à cena grandes dificuldades, a exemplo de escoar os produtos produzidos nas terras.

"Aqui, os agricultores indígenas estão tendo dificuldades em vender o seu produto, levar sua agricultura para vender no município vizinho. O que acaba acarretando prejuízo para as famílias que precisam dessa renda para viver", revelou.

Ele comentou ainda que, diante das dificuldades, foi necessário o apoio de algumas pessoas para que não faltasse comida. "A união conseguiu ajudar a comunidades em duas etapas de cesta básica. Mas ainda é pouco, as cestas são pequenas para essas famílias que, geralmente, são grandes famílias.

Ele revelou também que a comunidade recebeu ajuda da prefeitura, mas, "devido ao número de indígenas que faz parte do município, que está incluindo no orçamento do município", deveria receber mais.

Povo Tupinambá

Segundo a Cacique Valdelice, da Aldeia Itapoã, da Terra Indígena Tupinambá de Olivença - que se estende entre as cidades de Buerarema, Ilhéus, Olivença, São José da Vitória e Una - a situação da comunidade é preocupante durante a pandemia. Ela conta que o turismo era um forte aliado na economia da aldeia. Atualmente, com as praias vazias e as cidades apenas com os moradores, faltam recursos e alimentos.

"Hoje, com a situação da Covid-19, nós ficamos com a nossa comunidade parada. Aqui não se recebe visita, não temos como sobreviver dessa forma. Precisamos ter um meio de sobrevivência. Falta recursos, alimentos. [...] A situação vai ficando mais difícil a cada dia que passa. A gente que sobrevive do turismo sofre muito.", revelou.

Já para Elisângela Tupinambá, da Aldeia Serra do Padeiro, e que atua como técnica de enfermagem na comunidade, a pandemia tem apresentado novos desafios no atendimento de saúde para os indígenas.

"O atendimento à saúde indígena sempre foi desafiador. Na aldeia Serra do Padeiro a assistência à saúde sempre foi feita com muito esforço da própria comunidade. A Secretaria Especial de Saúde indígena (Sesai) mantém uma equipe de profissionais, mas não dá condições de trabalho. Antes da pandemia, a equipe estava diariamente na aldeia, fazendo todos os atendimentos", disse.

"Hoje, com a pandemia da Covid-19, a situação piorou. Os dois carros que dão assistência na aldeia Serra do Padeiro estão quebrados. Hoje, a equipe médica não está atendendo diariamente na aldeia por falta de transportes. Há duas semanas, esses veículos estão quebrados. A instituição Sesai foi informada, mas, até o momento, nenhuma providência foi tomada", completou.
Ela chamou atenção ainda para a falta de Equipamento de Proteção Individual (EPIs).

"Também nos faltam EPIs básicos para atendimentos. A equipe faz todo um esforço. Os profissionais vêm com recursos próprios para aldeia, para tentar minimizar a situação. Mas a Sesai, que é de responsabilidade, que tem o compromisso com a saúde indígena, nos deixa essas falhas", relatou.

O G1 entrou em contato com a Sesai para pedir um posicionamento sobre a situação, mas, até a última atualização desta reportagem, não obteve retorno.

De acordo com Marcineia Tupinambá, parente do primeiro indígena que morreu com a Covid-19 no estado, nem os cuidados que tiveram foram suficientes para que a doença não chegasse até eles.

"Mesmo com todos os cuidados de higienização, aconteceu o contágio da doença, contágio no hospital, a partir de um internamento, e esse internamento, além da contaminação para dentro da comunidade, trouxe um óbito, o primeiro óbito que, infelizmente, foi da minha família", disse.
Rosilene Tupimabá, que atua como Conselheira de saúde do polo base de Ilhéus e distrital da Bahia, e faz parte da Aldeia Acuípe do Meio 1, conta que após a chegada da doença a situação é desafiadora.

"A pandemia chegou ao nosso território e está sendo muito difícil para todos nós indígenas. Nós, enquanto comunidade, sabíamos como nos cuidarmos na questão da higienização e no uso da máscara. Hoje, aumentou essa preocupação", revelou.

A movimentação, diante de todo esse cenário, é para que as medidas certas, contando com o que tem, sejam colocadas em prática.

"Estamos orientando de todas as formas possíveis, em especial ao lavar das mãos. Nós não temos acessos e recursos para termos álcool em gel a todo momento. Mas precisamos ter oportunidade de ter acesso a água para que possamos lavar as nossas mãos, tomar os nossos banhos", disse Nicinha Tupinambá, profissional da saúde.

A comunidade pontuou também que tem contado com a fé e na sabedoria das ervas para que nada de ruim aconteça.

"Não sabemos o que vem depois ainda, mas esperamos que com nossas medidas de proteção, com nossos cuidados, com a sabedoria que nós temos com as nossas ervas, que nós consigamos passar esse momento tão difícil. A fé está em toda nossa vida", contou Marcinéia Tupinambá.
Povo Tumbalalá
Indígenas Tumbalalás enfrentam a pandemia de Covid-19 na região do município de Curaçá

Para o povo Tumbalalá, em Curaçá, cidade do norte da Bahia, uma das principais marcas do novo coronavírus tem sido o impacto na economia. Conforme o cacique Miguel Tumbalalá, algumas comunidades já estão passando fome.

"A gente vive de roça. Quem tem roça comercializa e a gente tinha que estar no meio do povo, na rua. Qual foi a precaução da gente? Na hora da pandemia, que a gente se isolou, por meio de WhatsApp, a gente conscientizou o povo de não sair e se isolar. Com isso, estamos isolados até hoje. Não estamos passando fome porque tínhamos uma sustentabilidade, um plano do governo que passou. Mas, hoje, a gente está praticamente passando fome. Tem comunidades que está passando fome. A gente tem que apelar para o governo estadual. Até agora a gente não teve apoio nenhum", disse.

"Estamos sujeitos a pegar esse vírus, morrer. No nosso município já tem casos. Não podemos dizer que estamos salvos. Estamos nas mãos de pai Tupã. Que nos proteja e nos livre dessa pandemia para que não se espalhe nas comunidades", completou.
Já sobre a assistência à saúde, Benedito Tumbalalá contou que os atendimentos médicos são feitos e que as lideranças ajudam os profissionais de saúde a orientarem a comunidade.

"Sobre a saúde, o pessoal do posto está nos atendendo normal. Mudou um pouco, a gente fez reuniões. No início da pandemia a gente ainda conseguiu, ficando afastado, fazer reuniões com o pessoal da educação. Nós da liderança ajudamos o pessoal da saúde a orientar o nosso pessoal, o nosso povo. Dentro da nossa comunidade não temos nenhum caso confirmado [da Covid-19]. Mas, infelizmente, no nosso município tem. A gente evita o máximo ir na cidade. A situação não está fácil", falou.

Povo Tuxá

Dinamam Tuxá, que é da Aldeia Mãe, que fica em Rodelas, no norte da Bahia, afirma que a pandemia agrava ainda mais a situação dos povos indígenas, que passam por processos de violação históricos.

"Os povos indígenas vem passando, historicamente, por um processo de diversas violações. Entre elas, o enfraquecimento da política indigenista. Esse enfraquecimento da política indigenista, que abarca problemas referentes a demarcação de terras indígenas, a fiscalização das terras, como também a política de saúde específica e diferenciada", disse.

"Diante disso, devido a esse enfraquecimento, a esse desmonte, a pandemia veio agravar ainda mais a situação dos povos indígenas, que já vinham passando por um processo de vulnerabilidade socioeconômicas, sociais, ambientais e demarcação de terra".

Ele pontua que a ausência do estado com políticas indigenistas aumenta a sensação de vulnerabilidade, e traz à tona situações enfrentadas pelos indígenas: como o genocídio.

"Nós já passamos por vários processos de genocídio e, dentro desses processos, alguns deles foi de utilização justamente do vírus para exterminar várias etnias no passado. Nós estamos percebendo que isso está se repetindo agora. O estado ainda não apresentou de forma consistente uma política estruturante para combater o coronavírus dentro das terras indígenas. Nós estamos sentido essa vulnerabilidade", pontuou.

"Não é só a população brasileira que está vulnerável, que está sofrendo com o aumento dos casos. Dentro das terras indígenas, nas áreas mais remotas, está acontecendo o mesmo. Mesmo com as barreiras, tomando todos os cuidados necessários para que pessoas estranhas não adentrem nesses territórios. Mas, infelizmente, como somos vulneráveis socioeconomicamente falando, precisamos ir para as comunidades buscar os auxílios emergenciais, bolsa-família, ou até mesmo uma cesta básica", concluiu Dinamam.

O que diz o governo da Bahia

Por meio de nota, a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), disse que através da Coordenação de Políticas para os Povos Indígenas, tem acompanhado e mantido diálogo com as autoridades de saúde com o objetivo de preservar a saúde dos povos indígenas da Bahia.

Comentou que desde o início da pandemia, busca articular políticas públicas capazes de minimizar os efeitos da pandemia em tribos e aldeias, além de atuar para que as comunidades sejam abrangidas no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o PAA Leite - a exemplo das aldeias existentes às margens do Rio Pardo, no Município de Ribeirão do Largo, beneficiadas recentemente com alimentos desses programas.

Pontuou também que articulações federais distribuiu 10.050 mil cestas básicas para toda as regiões sul e extremo sul, e 7.500 para norte e oeste, além de 1.775 cestas básicas doadas pela Veracel Celulose S/A e mais 800 doadas pela Suzano Celulose S/A.

Sobre as barreiras nas estradas, o governo comentou que os bloqueios de rodovias, em alguns locais, acirraram conflitos fundiários existentes, mas que mantêm o "diálogo constante, na linha de que não deve haver a retirada forçada das "barreiras indígenas", mas sim a substituição destas por barreiras sanitárias promovidas por órgãos públicos".

Em relação à saúde das comunidades, a secretaria afirmou que orientou que as pessoas com suspeita de contaminação pelo coronavírus não entrem nas aldeias, que enviou de mais de 30 mil itens de trabalho (entre luvas, aventais e máscaras cirúrgicas, para as equipes médicas que atuam em áreas indígenas), e que realizou a testagem de membros da terra indígena Tupinambá de Olivença.

Algumas ações para enfrentamento
Diante da situação dos povos indígenas, algumas ações são feitas para tentar mudar a realidade nas aldeias na Bahia. A exemplo de uma vaquinha virtual que tem como objetivo arrecadar dinheiro para a produção de máscara. A ação ficará disponível até o final da pandemia.
Já a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS) doou 30 mil máscaras artesanais de proteção facial foram doadas aos povos indígenas de aldeias localizadas em Porto Seguro, Itamaraju, Euclides da Cunha e Ibotirama.
O Senado aprovou, na semana passada, um projeto que prevê medidas para tentar proteger os povos indígenas durante a pandemia do novo coronavírus. A proposta, já aprovada pela Câmara dos Deputados, segue para a sanção do presidente Jair Bolsonaro, que poderá sancionar o texto integral ou parcialmente ou vetar. O texto também é voltado a comunidades quilombolas e a povos tradicionais. São contemplados, ainda, indígenas que vivem em áreas urbanas ou rurais.

https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/06/27/indigenas-na-ba-falam-…

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