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Indígenas enfrentam falta de visibilidade

Jornal do Comércio - http://jcrs.uol.com.br
Autor: Fernanda Nascimento
27 de Mar de 2014

Participação está restrita a pequenos municípios e a alguns povos; no Estado, há dez vereadores e um vice-prefeito

Os descendentes dos primeiros habitantes do Brasil continuam pouco representados nos cargos eletivos municipais, estaduais e federais. Na terceira reportagem especial sobre o espaço ocupado pelas minorias representativas nos legislativos e executivos do País, o Jornal do Comércio apresenta dados que apontam para um leve crescimento da participação de indígenas na política nacional e mostra as consequências desta pouca representatividade. No Rio Grande do Sul, Estado com 32.989 indígenas, são apenas dez vereadores e um vice-prefeito.

De acordo com a Associação Nacional da Ação Indígena (Anaí), os povos indígenas conseguiram eleger 90 vereadores, cinco prefeitos e três vice-prefeitos em 2012. A maioria dos eleitos está em municípios com pouca população e distante dos grandes centros urbanos. Não há registro da presença de indígenas entre os deputados estaduais, federais e senadores. O único representante a chegar ao Congresso Nacional foi Mário Dzururá, ou Juruna, como ficou conhecido. Em 1982, o cacique xavante foi eleito deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro. Para o antropólogo José Augusto Laranjeiras Sampaio, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e diretor da Anaí, os indígenas estão entre as minorias representativas com maior dificuldade de alcançar cargos eletivos e visibilidade com suas demandas, especialmente no âmbito nacional.

"Eles são um grupo diferenciado. Se eles próprios não se representam, ninguém o faz. Uma das primeiras dificuldades é o próprio contingente eleitoral, porque eles contam, na maioria das vezes, unicamente com o voto dos indígenas", avalia. O pesquisador aponta que o crescimento na representatividade está relacionado com o próprio reconhecimento dos indígenas como eleitores - a legislação tem um regramento diferenciado para os indígenas, tornando o alistamento facultativo em situações específicas. Outro fator que interfere é a própria cultura indígena, nas quais os caciques são considerados os representantes legítimos das tribos, tanto interna quanto externamente.

A diferença na forma de povoação e organização dos povos indígenas também interfere na representatividade eleitoral. No Rio Grande do Sul, apenas índios da etnia kaingang chegaram às prefeituras e câmaras municipais nas eleições passadas. Os guaranis e os charruas não estão representados em nenhum município. "Os kaingangs são mais numerosos, estão localizados em cidades pequenas e reunidos na região Norte do Estado, e isso contribui para que eles se elejam. Já os guaranis estão mais espalhados, têm muitos guaranis em Porto Alegre e em comunidades maiores, centros urbanos, onde é praticamente impossível eleger um indígena", explica Sampaio.

Para o antropólogo, a eleição de indígenas nos municípios contribui para o acesso a políticas públicas, "dá mais visibilidade para o movimento, ele se torna um porta-voz das preocupações de um povo". Mas o acesso a esferas como as assembleias legislativas e o Congresso Nacional ampliaria a garantia por direitos - em questões de demarcação de terras, por exemplo, existe uma bancada ruralista no Congresso, mas não há representantes indígenas.

"A dificuldade de eleger deputados é tão grande que, em alguns países da América Latina, existem cotas para índios. São países onde indígenas concorrem com indígenas. No Brasil, essa é uma demanda do movimento, porque, se não existir uma cota como esta, é impossível que um índio se eleja. É impossível que estas demandas nacionais sejam discutidas por eles", afirma. Em 2013, o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG) apresentou a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 320, prevendo a criação de quatro vagas específicas para indígenas no Congresso Nacional. O texto está em tramitação.
Lideranças divergem sobre formas de representação

A percepção dos indígenas sobre a representação política é divergente. Para Antônio Mig, cacique da etnia kaingang e vereador eleito pelo PT para o primeiro mandato em Ronda Alta, a conquista de espaço político deu visibilidade aos problemas enfrentados pelos indígenas da região Norte. "Sempre levo reivindicação dos indígenas e dos brancos, porque tive votos da comunidade branca também. Mas, depois que fui eleito, as nossas reivindicações começaram a aparecer na Câmara, e isso não acontecia antes", afirmou. Ele cita como exemplo a demanda por estradas. "Elas nunca chegavam nas aldeias. Agora, também vamos ter pavimentação. Estamos sendo ouvidos pela primeira vez."

Para a indígena Ângela Churra, que vive em Porto Alegre, a visibilidade é uma questão importante, mas lembrea que os indígenas têm suas próprias formas de representação. "Não sei se as questões indígenas se resolveriam de forma mais ágil com um representante na política. Os caciques das aldeias já têm autonomia para buscar direitos tanto dentro quanto fora dela. Ter um representante na política seria maravilhoso, mas não sei se, com o tempo, não iria se contaminar. Para nós, política é o povo falar por si próprio, sem ter um monte de engravatado dizendo o que devemos ou não devemos fazer", reflete a indígena da etnia charrua.

Ângela é a representante indígena do Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social (Conselhão). "A questão da visibilidade é importante. A visão que o povo que não vive nas aldeias tem do indígena é ainda aquela da troca de espelhinho com o homem branco. A entrada no Conselhão é muito recente. Ali, as demandas são de todo o Estado, e, até agora, não entrou nenhuma questão indígena. Estamos nos organizando para colocar a demanda indígena."

Para o cacique Mbyá-Guarani José Cirilo, as etnias têm perspectivas diferentes sobre a participação nas eleições. "A luta dos guaranis é principalmente pela questão da terra e da universidade. Precisamos ter estudo e falar em português, porque o mundo branco só respeita o diploma." Cirilo, que mora em uma tribo na Lomba do Pinheiro, na Capital, é representante dos guaranis no Conselho dos Povos Indígenas do Estado e acredita que é preciso haver cautela no ingresso na política. "Muitas vezes, um índio entra em um partido e outro em outro. Isso gera brigas por coisas que não são dos indígenas."

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