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Indiciados depoem e citam prefeitos em morte de freira

FSP, Brasil, p.A8
01 de Mar de 2005

Para a polícia, depoimentos reforçam existência de "consórcio"
Indiciados depõem e citam prefeito em morte de freira
Dois indiciados por autoria e co-autoria na morte da missionária Dorothy Stang, 73, envolveram ontem no caso o prefeito de Anapu (PA), Luiz dos Reis Carvalho (PTB), e o fazendeiro Laudelino Délio Fernandes Neto. As polícias Federal e Civil investigam as novas informações e convocarão o prefeito e o fazendeiro para depor nos próximos dias.
Rayfran das Neves Sales, 27, o Fogoió (que confessou ser o executor dos disparos que mataram a irmã no último dia 12), disse à comissão do Senado que investiga o caso, numa sala na delegacia de Altamira (PA), que o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, 34, o Bida (suposto mandante do crime, foragido), disse a ele após o crime que "iria fazer uma coletinha" para pagar um advogado.
O advogado os defenderia caso algum deles fosse preso. Para coletar o dinheiro, Bida teria dito que iria procurar o prefeito de Anapu. Segundo Fogoió, Bida também disse que pediria um avião a Laudelino Délio Fernandes Neto para fugir da região.
Délio, como o fazendeiro é conhecido em Altamira, é um dos maiores fazendeiros da região e é apontado pelo Ministério Público Federal como fraudador de projetos da extinta Sudam.
Além dele, a PF e Polícia Civil vão investigar o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, que vendeu a fazenda em Anapu para Bida e é réu no mesmo processo que apura desvio de verbas da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia). A CPI da Terra pediu na semana passada, em Brasília, a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de Bida, Délio e Taradão.
Acareação
A Folha teve acesso a trechos da acareação feita pelos senadores na manhã de ontem. Segundo Fogoió, Bida disse a ele: "Vocês livram a nossa cara. Vou arrumar um advogado e vou fazer uma coletinha, com o prefeito, e vou pedir um avião para Délio para sair". Fogoió chorou durante o depoimento, disse estar arrependido e que Bida mandou que eles saíssem da fazenda porque a polícia iria para o local.
Já Amair Feijoli da Cunha, o Tato, negou que tenha sido o intermediário entre o mandante e os pistoleiros. "Não posso assumir uma coisa que eu não fiz." Ele disse ainda ter percorrido a pé 120 km em uma semana de fuga na mata se alimentando apenas de farinha. O relato não convenceu os senadores nem os delegados.
O depoimento de Fogoió reforça a tese de que haveria um "consórcio" para arrecadar verbas. As declarações de Fogoió foram confirmadas por Clodoaldo Carlos Batista, 31, o Eduardo, indiciado como co-autor do assassinato.
Além de Fogoió e de Eduardo, as polícias Federal e Civil indiciaram ontem por crime hediondo Tato, como co-autor, e Bida, como co-autor e mandante.
O inquérito foi entregue à Justiça de Pacajá. As polícias indiciaram dois vaqueiros de Bida que ajudaram na fuga dos acusados e foram presos no fim de semana pela PF. "Vamos instaurar autos complementares para investigar as novas informações", disse o delegado Ualame Machado.
"Os executores reconhecem que, quando chegaram à fazenda do Bida [após o crime], ele teria dito para que fugissem e que, se fossem presos, negassem a participação dele [Bida] e de Tato, porque ele arrumaria um advogado no valor de R$ 50 mil a R$ 100 mil para defendê-los. Eles fariam uma coleta para arrecadar o dinheiro e mencionaram o nome do prefeito de Anapu", disse o senador Demóstenes Torres (PFL-GO), relator da comissão do Senado criada para acompanhar o caso.
A comissão ouviu também lideranças em Anapu e enviará as notas taquigráficas para as polícias. O relatório final será entregue ao governo federal. Além de Torres, integram a comissão os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP), Ana Júlia Carepa (PT-PA) e Flecha Ribeiro (PSDB-PA).

Outro lado
Petebista diz que acusação deturpa investigações
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ALTAMIRA
O prefeito de Anapu, Luiz dos Reis Carvalho (PTB), negou ontem qualquer envolvimento no assassinato da missionária Dorothy Stang.
Segundo ele, as afirmações de Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, não são verídicas e foram feitas para deturpar as investigações. O prefeito se defendeu das acusações numa audiência pública realizada por quatro senadores em Anapu, ontem à tarde.
No dia do crime, Carvalho chegou a divulgar uma nota de repúdio contra o assassinato. No documento, o prefeito diz demonstrar sua solidariedade e respeito pelo "grande trabalho social" desenvolvido por Stang. Ontem ele foi não foi localizado.
O fazendeiro Laudelino Délio Fernandes Neto, 45, conhecido como Délio, não aparece há vários dias em sua casa em Altamira. Pelo interfone, seu irmão Luciano Fernandes dizia, na quinta-feira, que Délio estava em uma fazenda nos arredores. Desde esse contato, os telefones e os celulares permaneceram incomunicáveis.
Na sexta-feira, no aeroporto de Altamira, a Folha localizou outro irmão do agropecuarista, o vice-prefeito de Altamira, Silvério Albano Fernandes (PTB). Questionado sobre o paradeiro de Délio, Silvério Fernandes disse que ele estava "numa das fazendas da famílias".
Sobre um suposto envolvimento, afirmou: "A gente tinha confronto de idéias [com a irmã], mas era judicialmente, jamais iríamos agir dessa forma".

Iniciativa protegerá defensores dos direitos humanos
CHICO DE GOIS
ENVIADO ESPECIAL A BELÉM
Ativistas de direitos humanos do Pará reuniram-se ontem para tratar da criação e da implantação da coordenadoria estadual do programa de proteção aos defensores de direitos humanos.
A iniciativa, em conjunto com o governo federal, visa identificar quem são os marcados para morrer e mapear os locais onde atuam para pôr em prática um plano que lhes dê garantias de vida.
O Pará e mais oito Estados (SP, BA, MT, PE, PB, RN, ES e PR) integram um plano piloto do programa nacional de proteção aos defensores de direitos humanos criado em outubro do ano passado.
Segundo a lei federal, "o Estado garantirá a proteção, pelas autoridades competentes, de toda pessoa, individual ou coletivamente, frente a toda violência, ameaça, represália, discriminação de fato ou de direito".
A procuradora-geral da Ouvidoria do Estado do Pará, Anelyse Freitas de Azevedo, informou que a idéia central é que os ameaçados tenham um canal onde apresentar denúncias. A partir daí, uma comissão proporá ações que julgar viáveis.
A operacionalização da proteção deverá ser feita pela PM. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, só uma sindicalista no Pará tem proteção da PM. "A coordenação do programa terá representantes de segmentos representativos da sociedade. Com isso, os ameaçados se sentirão mais seguros para enviar seus problemas."

FSP, 01/03/2005, p. A8

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