VOLTAR

Índia trabalha usando camisa de partido político na aldeia dos Pancararus, em Pernambuco Índia trabalha usando camisa de

Revista ComCiencia
10 de Abr de 2005

A organização política dos indígenas na América do Sul teve início na década de 80. Em alguns países, a maior presença indígena na população, algumas garantias constitucionais de participação política, dentre outros fatores, favoreceram uma participação política efetiva. Em outros casos, esse processo foi bem mais lento. Na Bolívia, por exemplo, um partido indígena-camponês tem hoje a maior bancada de oposição no parlamento. "Nos anos 80, as lideranças indígenas começaram a perceber que não é possível o êxito de qualquer projeto étnico-político sem uma aliança com outros setores da sociedade não-índia. Essas lideranças começaram a entender que a vitória ou a derrota de seus projetos enquanto povos distintos estavam historicamente vinculadas aos projetos políticos da sociedade não-índia", explica Paulo Porto ex-militante do PC do B e atual membro da direção estadual do Partido Comunista (PC) do Paraná.

O PC do B é um dos partidos que possui maior número de lideranças indígenas em seus quadros, confirmando a tendência sul-americana de candidaturas indígenas predominantemente em partidos de esquerda. Segundo Ávila, os candidatos indígenas ainda não possuem uma ideologia partidária explícita, "indo do PC do B ao PFL". "Um partido indígena seria uma idéia interessante, mas vejo dificuldades de se colocar uma articulação forte e consolidada que efetivamente dê suporte para as candidaturas indígenas", ponderou.

Para o líder indígena Uilton Tuxá, membro da Apoinme (Comissão Executiva da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), já existe um consenso do movimento indígena no Brasil sobre o a necessidade de ampliar a participação indígena em todas as esferas políticas. "Só assim poderemos defender em linha horizontal os nossos direitos ameaçados pelos grupos de políticos anti- indígenas no congresso nacional", enfatizou.

Outra questão importante que envolve a qualidade da representatividade política indígena é o despreparo de muitos candidatos índios para lidar com os "modos de fazer política branca". Essa falta de preparo diminui as chances dos representantes eleitos agirem e se articularem politicamente em prol das comunidades indígenas."Existe hoje uma expectativa de se iniciar uma articulação sólida entre as organizações que compõem o movimento indígena, os parlamentares e lideranças; para que os prefeitos e vereadores eleitos possam usar esses espaços em defesa de seus direitos", completou Tuxá. Além disso, afirmou Ávila, o voto étnico indígena é muitas vezes corrompido pela política municipal ou pelos tradicionais meios políticos de exploração da miséria e dos currais eleitorais, clássicos da política brasileira.

Um parlamento indígena

Uma idéia discutida pelos diversos movimentos indígenas brasileiros é a constituição de um parlamento indígena. Essa proposta foi discutida durante o "Seminário Índios e Parlamentos" que ocorreu em Brasília em novembro de 2003. O parlamento deveria ser reconhecido pelo governo federal e seria uma instância de articulação indígena que faria a ponte entre as necessidades e opiniões das comunidades indígenas e os ministérios. "O único e exclusivo objetivo da criação do parlamento é o fortalecimento do movimento indígena, pois nele seriam contemplados organizações, lideranças e parlamentares indígenas. Essa instância de articulação teria um caráter interministerial e estaria lutando permanentemente em defesa dos direitos dos povos indígenas", explicou Tuxá.

Na visão de Ávila, a idéia de um parlamento indígena é bastante interessante, desde que ele seja reconhecido como uma instância política no mesmo nível do nosso parlamento e que seja chamado para opinar e tomar decisões sobre temas que envolvem diretamente os indígenas como mineração em áreas indígenas, acesso aos recursos genéticos com conhecimento tradicional associado e regularização fundiária. "Um parlamento indígena seria um canal de discussão mais representativo dos direitos indígenas do que o parlamento brasileiro com suas bancadas contrárias aos interesses indígenas", argumenta o antropólogo.

Tutela e proteção do conhecimento indígena

A criação de um parlamento indígena e o aumento da participação dos índios nas esferas políticas estaduais e federais seria um passo importante para aprovar uma antiga reivindicação de grande parte dos movimentos indígenas: a mudança do atual Estatuto do Índio. Isso porque, a Lei 6001, promulgada em 1973, que passou a ser conhecida como Estatuto do Índio é considerada hoje ultrapassada pela maioria dos movimentos indígenas.

As críticas são dirigidas principalmente à parte que determina que os índios ou silvícolas devem ser "tutelados" por um órgão indigenista até que estejam "integrados à comunhão nacional". Segundo o Estatuto, os índios seriam "relativamente incapazes" de exercer seus direitos civis, o que justificaria o estabelecimento da tutela. Para Ávila a tutela indígena seria hoje injustificada já que os povos, organizações e lideranças indígenas lutam ativamente em busca de seus interesses, articulando e mobilizando diversos setores da sociedade nacional e global.

Segundo Tuxá é preciso que os povos indígenas façam um novo Estatuto onde sejam incorporados artigos que visem a proteção dos direitos de conhecimento intelectual, direito à posse coletiva sobre as terras indígenas e parte das riquezas do subsolo. Também seriam necessárias adequações nos sistemas de educação e saúde de forma que possam atender a atual demanda dos povos indígenas e definir modelos de sistemas de proteção e gestão territorial sustentável.

Na opinião de Ávila, o desrespeito às diferenças de costumes, crenças e organização social foram os elementos fundamentais para estabelecer o conceito equivocado de tutela indígena, onde as diferenças culturais são colocadas como sinônimo de incapacidade. "É preciso separar e distinguir a tutela da responsabilidade federal frente aos assuntos e questões indígenas", lembrou ainda o antropólogo.

A questão relacionada ao direito de propriedade intelectual do conhecimento indígena ainda não possui nenhuma regulamentação específica no Brasil. A constituição brasileira apenas reconhece que os povos indígenas têm o direito de manter suas diferenciadas formas de organização social. Existe um Projeto de Lei em tramitação há mais de oito anos mas, a questão é, por enquanto, normatizada por uma Medida Provisória. "Vejo a questão da legitimidade política - quem tem o direito de falar e assinar um contrato em nome de um povo - como um grande desafio. As sociedades indígenas brasileiras nunca tiveram uma centralização política que representasse um conjunto de aldeias. Cada aldeia é uma unidade política em si", acrescenta Ávila. Essa questão já tem trazido problemas concretos para a população indígena como no caso do povo Krahô, numa experiência de parceria com a Universidade Federal de São Paulo .

Segundo Tuxá, a proteção dos conhecimentos indígenas é um dos grandes desafios para as comunidades indígenas hoje e será necessário que a proposta de Estatuto dos Povos Indígenas tenha normas claras sobre como será feita essa proteção. Segundo ele, os movimentos indígenas já estão articulando uma revisão das propostas de Estatuto que tramitam pelo congresso. Essa revisão deve ser realizada em três oficinas nas regiões Leste/Nordeste, Sul/Sudeste e Norte/Centro-Oeste. Após essas 3 oficinas regionais será feita uma última oficina nacional de onde será tirada uma única proposta dos povos indígenas no Brasil que será apresentada ao congresso.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.