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Indaspi fica sem convenio

A Critica, Cidades, p.C7
04 de Jun de 2004

Indaspi fica sem convenio
Acusada de maus-tratos cometidos na Casa do Índio de Manaus, ONG terá que esperar para renovar contratos
Thaís Brianezi
Da equipe da Crítica
O coordenador regional da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Osvaldo Falhares, decidiu ontem suspender por tempo indeterminado a renovação do convênio existente entre o Ministério da Saúde, por meio do órgão no Amazonas, e a Organização Não-Governamental (ONG) Instituto de Desenvolvimento de Atividades de Auto-sustentação das Populações Indígenas (Indaspi), que ajuda a administrar a Casa do índio de Manaus.
A decisão foi fornada em virtude da denúncia de que os funcionários da casa estão maltratando os índios. A denúncia foi publicada em A CRÍTICA na terça-feira, mas desde junho de 2002 o Ministério Público Federal investiga a situação da Casa do índio.
O Indaspi firmou o primeiro convênio com o Ministério da Saúde em 2001, ano em que a enfermeira Maria Margareth Machado pediu licença da Funasa para tornar-se diretora da ONG. Ela pediu licença não-remunerada por dois anos e a renovou por igual período. No ano que vem, quando o prazo da licença terminar, ela pretende voltar ao trabalho na Funasa. "Eu não vejo problema algum nisso, é um direito que eu tenho como funcionária pública", disse Margareth. "Essa questão está em análise pela Procuradoria da Funasa, assim como a de outras ONGs. A lei não é clara a esse respeito, mas o procurador irá analisar a situação do Indaspi do ponto de vista da moralidade pública", informou, por telefone, a assessoria de imprensa da Funasa nacional, que fica em Brasília.
O último convênio entre o Indaspi e a Funasa venceu em março deste ano. A ONG pediu uma suplementação de verba para cobrir os gastos de abril e maio, enquanto o novo contrato não era assinado. Essa parcela, no valor de R$ 180 mil, ainda não foi paga, por dificuldades na prestação de contas. Por isso, os 48 funcionários da Casa do índio que são contratados pelo Indaspi estão com os salários atrasados.
A assessora dos convênios de saúde indígena, Isaldina de Andrade Paula, informa que a situação do Indaspi deve ser definida até sexta-feira da próxima semana, para que o atendimento de saúde aos índios em Manaus não seja prejudicado. Ela chegou de Brasília na terça-feira com a missão de levantar toda a documentação necessária para a, celebração dos novos convênios entre a Funasa e as nove ONGs que atuam na saúde indígena em todo o Amazonas.
Outra Área
Além de atuar na saúde indígena em Manaus, onde administra a Casa do índio, o Indaspi também está presente no interior do Estado, atuando no Distrito Sanitário Especial de Parintins (Dsei). Nessa condição, atende indígenas das etnias que vivem nos Municípios de Parintins, Barreirinha, Nhamundá e Terra Santa, no Estado do Pará.

Memória
As Organizações Não-Governamentais (ONGs) que apresentaram erros e problemas na prestação de contas são a Paca e Cunpir, com atuação em Rondônia; Uniacre, do Acre; Kaneguatin, do Maranhão; Pró-Vida e SDC, do Distrito Federal; e o Civaja, do Amazonas.

Busca rápida
Civaja é a única do Estado
Das nove Organizações Não-Governamentais (ONGs) que atuam na saúde indígena no Amazonas, uma foi condenada pela auditoria realizada em agosto de 2003 pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Trata-se do Conselho Indigenista do Vale do Javari (Civaja). Uma nota de esclarecimento publicada pela Funasa na terça-feira informa que "há um termo de ajustamento de conduta na área do Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena (Dsei) e que não está sendo cumprido na íntegra pela entidade, portanto, a ONG será substituída". A assessora de convênios da Funasa, Isaldina de Andrade Paula, afirmou que ainda não se sabe qual será a entidade que assumirá os trabalhos deixados pela Civaja. Desde abril de 2003, o Governo Lula realizou "auditorias preventivas" para avaliar as contas de 13 ONGs conveniadas com o Ministério da Saúde que atendem indígenas. Sete delas foram condenadas por problemas na prestação de contas.
Entrevista
Isaldina de Paula
Assessora de Convênios da Funasa Nacional
"Funasa tem cartilha com as normas"
No novo modelo de convênios qual é a divisão de responsabilidades?
As ONGs respondem pelos recursos humanos, insumos - emergenciais e pelo controle social. A Funasa fica responsável pela aquisição nacional de combustíveis, medicamentes e horas-vôo.
O que se entende por controle social?
É o acompanhamento da execução da política pública de saúde indígena, feito pelos conselhos de saúde local e distrital. É uma exigência do próprio movimento indígena.
O modelo de prestação de contas não é complicado demais para as ONGs?
É, mas a Funasa elaborou uma cartilha com todas as normas, todos os procedimentos legais exigidos. E na página da Funasa na lnternet estão disponíveis todos os formulários necessários.
Há como fugir dos Impasses causados pela burocracia?
Há o Sistema de Prestação de Contas instalado nas Ongs e nas Prefeituras. No ano passa do, em Manaus, durante duas semanas, os chefes dos, distritos e mais duas pessoas de cada organização receberam treinamento sobre ele. Agora vejo uma dificuldade, que é o rodízio de profissionais dentro das próprias ONGs.

Governo Lula quer mudar modelo
Transferência das ações de saúde para ONGs, no Governo FHC, é vista com reservas por técnicos da Funasa
O Governo Federal quer reassumira responsabilidade pela saúde indígena em todo o Brasil. A função havia sido repassada para Organizações Não-Governamentais (ONGs), em 1999, durante a administração do então ministro da Saúde José Serra.
Neste ano, o atendimento de saúde dispensado aos povos indígenas, que estava a cargo da Fundação Nacional do índio (Funai), passou para a esfera do Ministério da Saúde, representado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), então dirigida pelo economista e ex-superintendente da Zona Franca de Manaus (Suframa) Mauro Costa.
Nessa época também o Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso criou um modelo de convênios entre a Funasa e ONGs, prefeituras e universidades, repassando para essas entidades verba para a execução das ações de saúde indígena. "A Funasa se escondeu por trás dos convênios e jogou a responsabilidade pela saúde indígena na mão das ONGs", acusa o coordenador geral das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Sateré-Maué.
A partir de dezembro de 2003, com as mudanças aprovadas na 12a Conferência Nacional de Saúde, o modelo de integralidade das ações das Ongs deu lugar ao de complementaridade. A portaria 70 do Ministério da Saúde, publicada em janeiro deste ano, tira das ONGs a responsabilidade pela gestão e execução das ações e a transfere para a Funasa.
Como a Funasa enfrenta a burocracia estatal para contratação de pessoal e compra de insumos, as duas atividades continuam sendo executadas pelas ONGs. "Para contratar, hoje temos que fazer concurso público; para comprar, licitação. Isso impossibilita que assumamos agora todo o atendimento de saúde indígena", explicou o coordenador regional da Funasa, Osvaldo Palhares.
As discussões sobre a mudança de modelo de saúde indígena começaram no princípio do ano passado. 0 Governo Federal sinalizou o desejo de tomar para si todo o atendimento de saúde indígena. A permanência das ONGs foi também fruto de reivindicações. "Somos nós que conhecemos as localidades da Amazônia, suas culturas", defendeu Jecinaldo Sateré-Maué.

EM NÚMEROS
345 mil índios vivem hoje no Brasil.
Eles estão distribuídos em 215 sociedades indígenas e perfazem 0,2% da população brasileira. A Fundação Nacional do índio (Funai) esclarece que esse dado populacional considera tão somente aqueles indígenas que vivem em aldeias e não leva em conta também os índios isolados.
190 mil índios. Essa é a estimativa mais realista sobre aqueles que vivem em áreas fora das aldeias.
Esse contingente sofre com a violência, falta de oportunidades no mercado de trabalho e, principalmente, com o alcoolismo.

Funcionários não tiveram treinamento adequado
ONG que administra a Casa diz que problema foi gerado pela Funasa
Além de estar há dois meses sem salários, os 26 novos funcionários da Casa do índio não receberam treinamento antes de começar o trabalho. Entre eles está a assistente social Maria Amália Benetton, acusada de ter ordenado amarrar as pernas e os braços de dois hóspedes da Casa, fato ocorrido em 22 de maio. As vítimas eram os índios Carlos Pinheiro, 34, sateré, e Reinaldo Costa, 23, cocama.
O atraso nos salários ocorreu porque o convênio entre o Indaspi e a Funasa, com duração de um ano, terminou em março. Como o novo contrato iria demorar, o Ministério da Saúde orientou à ONG para que fizesse um pedido de suplementação de verba, no valor de R$ 180 mil, relativo aos meses de abril e maio. 0 pedido foi feito, mas a verba ainda não foi liberada. 0 novo convênio já está pronto, mas só será
assinado depois que o dinheiro retido chegar ao Indaspi. 0 diretor da Funasa, Osvaldo Palhares, afirmou que a liberação deve ocorrer entre hoje e amanhã. "A burocracia estatal já matou muita gente", acusou Jecinaldo sateré-maué, coordenador da Coiab, uma entidade indígena que também possui convênios com a Funasa.
Os 26 funcionários novos começaram a trabalhar em abril deste ano, logo ao fim do último convênio. Dez deles substituíram antigos funcionários e dezesseis assumiram cargos recém-criados. A diretora do Indaspi, Maria Margareth Machado, acusa a Funasa de não ter feito o treinamento emergencial necessário para esses profissionais. Para o Ministério Público e a Coiab, o despreparo dos trabalhadores da Casa do índio para lidar com a questão indígena é generalizado. "Ouvi de uma assistente da Casa a reclamação de que os índios pediram para assar o peixe em cima de uma telha, como se fosse um absurdo. E eu lhe perguntei: Aqui é sua casa ou é a Casa do índio?", exemplificou Marcos de Almeida, antropólogo do Ministério Público Federal.

A Crítica, 04/06/2004, p. C7

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