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Incra vai passar por 'revolucao organizativa'

FSP, Brasil, p.A6
25 de Jan de 2004

REFORMA ADMINISTRATIVASegundo estudo do governo, órgão beira o caos; "estruturas mentais" do funcionalismo têm de ser alteradasIncra vai passar por "revolução organizativa"
JOSIAS DE SOUZADIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA O governo planeja anunciar, ainda no primeiro semestre, uma "revolução" no setor agrário. Não será feita no meio rural, mas no campo administrativo. Visa reformar a burocracia do Incra.Em quatro meses -de abril a outubro de 2003- um grupo de trabalho avaliou o funcionamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Traçou um diagnóstico que aproxima a autarquia do caos.O Incra convive com "insuficiência de recursos", "baixa capacitação funcional", inobservância "à hierarquia", resistência ao planejamento e um imenso etc.Concluiu-se que uma simples reforma "seria insuficiente" para arrumar a casa. "Requer-se uma revolução organizativa, e nada menos que uma revolução."A exortação consta do relatório final preparado pelo grupo de trabalho. Um calhamaço de 204 páginas. Afora outra centena de folhas enxertadas como anexos.O relatório contém teses, de fato, radicais. Busca-se, por exemplo, a alteração das "estruturas mentais" do funcionalismo do Incra. Único modo de modificar a "cultura institucional" da autarquia.No estágio atual, pré-revolucionário, as transformações produziram um primeiro resultado, mais palpável: o gasto de R$ 188 mil. O dinheiro foi dos cofres do Incra ao caixa da Strategia Consultores S/C, sediada em Natal (RN).A empresa potiguar foi contratada para supervisionar a revisão da máquina administrativa do Incra. Firmou-se o contrato em moldes que o PT, nos tempos de oposição, desaprovaria: sem licitação. Alegou-se que a Strategia dispõe de método de trabalho que nenhuma outra empresa é capaz de prover.A Folha tentou fazer contato com a Strategia. Queria detalhes sobre as técnicas exclusivas, "indisponíveis" no mercado. Mas os telefones da empresa estavam conectados a uma secretária eletrônica. Ficou o recado. Não houve resposta.O documento redigido sob orientação da Strategia incluiu no rol de defeitos do Incra uma prática tida como deletéria no serviço público: "90% das compras [de materiais] são realizadas na modalidade dispensa de licitação".Por ora no papel, a reviravolta no Incra parte da idéia de aproveitar a "força inovadora do novo padrão político ideológico" supostamente inaugurado com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência."Governo comunitário"A estratégia se baseia no princípio da descentralização administrativa. Avaliou-se que o poder decisório no Incra está excessivamente concentrado na presidência e nas superintendências nacionais. Brasília se ocuparia excessivamente de problemas de "baixo valor".Sugere-se que o poder seja vigorosamente repartido com as superintendências estaduais, hoje confiadas majoritariamente a pessoas ligadas aos chamados movimentos sociais, sindicatos e igreja.Diz o documento do grupo de trabalho, à página 24: "A descentralização deve chegar até o nível da promoção do governo comunitário". O que é "governo comunitário"? O texto não diz.Instado a traduzir o conceito, o presidente do Incra, Rolf Hackbart, disse que certos termos "não ajudam". Traduziu a expressão à sua maneira: "O trabalho do Incra, sozinho, não basta para fazer a reforma agrária. É preciso buscar a participação da sociedade".Hackbart assumiu a presidência do Incra há cinco meses. Pegou o debate interno em torno da reforma administrativa do meio para o final. Estimulou os estudos. Recebeu o relatório conclusivo em novembro de 2003.Nas próximas semanas, discutirá o conteúdo das mais de 300 páginas com seus auxiliares diretos. Compõem o conselho diretor do Incra. Hackbart deseja enviar o quanto antes uma proposta aos ministérios do Dsesenvolvimento Agrário e do Planejamento.A tese da descentralização encanta o presidente do Incra. Ele planeja patrocinar a migração de funcionários graduados, mais bem remunerados, de Brasília para os Estados.Para realçar diferenças em relação à gestão "liberal" de FHC, o texto do Incra foi deliberadamente escrito em timbre ideológico. Fez-se, contudo, uma concessão à terminologia de mercado.O relatório do grupo de trabalho sugere que os serviços do Incra passem a ser chamados de "produtos". Existiriam os "produtos terminais" -a obtenção e desapropriação de terras, por exemplo- e os "produtos intermediários" -todas as atividades meio indispensáveis à consecução dos objetivos finais.O documento elege quatro "produtos terminais": 1) gerenciamento da estrutura fundiária do país; 2) obtenção de terras; 3) implantação de projetos de assentamentos; e 4) consolidação/emancipação de projetos de assentamento.Na estrutura atual, as atividades do Incra espalham-se por diferentes repartições. Propõe-se o redesenho do organograma da autarquia, de modo a delegar cada "produto" a um único departamento, facilitando a cobrança de resultados.Há no texto do grupo de trabalho duas alternativas de reestruturação. Uma mais branda e outra mais profunda. Rolf Hackbart pretende chegar a um meio termo, fundindo as duas propostas. A mudança depende da edição de um decreto presidencial.
Relatório aponta "descompasso" que compromete a reforma agrária
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA A julgar pelo documento elaborado pelo grupo de trabalho que analisou a estrutura administrativa do Incra, a autarquia incumbida de implementar a reforma agrária no país está mergulhada no caos. O quadro esboçado no texto é dramático.Um dos problemas detectados parece longe de ser resolvido. Há falta de dinheiro. O que, associado à ausência de planejamento, gera "descompasso entre os cronogramas físicos e financeiros" da reforma agrária.Em entrevista que concedeu no último dia 14 de janeiro, o ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) traduziu em cifras algo que o documento do Incra insinua em palavras.Segundo Rossetto, falta dinheiro até mesmo para cumprir a meta de assentar 115 mil famílias em 2004. O orçamento do ministério reserva para esse fim R$ 1,1 bilhão. Seriam necessários R$ 2,6 bilhões.Para complicar, o relatório anota dados que estimulam a suspeita de que os "poucos recursos" disponíveis estão sendo pessimamente aplicados. Eis algumas das falhas:"Inexiste avaliação sistemática da gestão do Incra"; os sistemas de controle são "frágeis"; há "baixo domínio das técnicas de planejamento"; a "aquisição de recursos materiais" ocorre de modo desordenado; "90% das compras" são feitas sem licitação.Nas superintendências estaduais do Incra, verificou-se "baixa capacidade de gestão nas áreas orçamentária e financeira".A autarquia não dispõe de uma corregedoria. Concentrado na sede, o trabalho de auditoria dos gastos é mal visto pelos escritórios regionais.Listaram-se ainda problemas como o "desrespeito aos níveis hierárquicos" e o "conflito de competências nas ações de execução orçamentária".Brasília, de resto, toma decisões centralizadamente e "sem suporte técnico adequado".Não há uma "agenda formalmente estruturada para a articulação gerencial" entre a sede e as superintendências estaduais.A formalização de "contratos e convênios" é submetida à "forte pressão política".Em meio a desorganização, o Incra se esquece até mesmo de providenciar o seguro de seus automóveis e equipamentos. Desprezados, "documentos históricos" são destruídos.Há no texto do próprio grupo de trabalho trechos que expõem o grau de envenenamento que tomou conta da burocracia agrária. Um exemplo: ao referir-se a projetos especiais tocados pelo Incra, o relatório identifica "ingerência do Ministério do Desenvolvimento Agrário em alguns programas de interesse específico".Soa como se o "subordinado" reclamasse do "chefe". O presidente do Incra, Rolf Hackbart, apressa-se em retificar o texto: "Não faz sentido. Buscamos trabalhar de forma coordenada com o ministério [do Desenvolvimento Agrário], que define as políticas", afirmou.(JOSIAS DE SOUZA)
Hackbart se anima com a reforma, que deve tornar órgão mais "eficiente"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA A reformulação da estrutura administrativa do Incra passa pela contratação de pessoal. Na década de 80, a autarquia tinha mais de 10 mil funcionários. Hoje, tem 5.200. Seu presidente, Rolf Hackbart, estima que os quadros do Incra teriam de ser vitaminados até chegar a cerca de 8.000 servidores.A recomposição seria gradual. Organiza-se hoje um primeiro concurso público. As provas devem ser realizadas em março. Até maio, serão contratadas 366 pessoas de nível superior -entre agrônomos, fiscais de cadastro e técnicos em comunicação.Hackbart está animado com a perspectiva de reformulação das engrenagens do Incra. Espera tornar a autarquia mais "eficiente". Menciona como exemplo da falta de funcionalidade da estrutura atual a fragmentação da gestão orçamentária. "Para me informar sobre a execução de um determinado programa, tenho de falar com vários departamentos, o que não é prático", diz.A eliminação de sobreposições resultará, imagina Hackbart, em "redução de custos" e "otimização de resultados". É preciso, na sua opinião, "estabelecer áreas específicas", com objetivos claramente definidos.Espera também "adequar as estruturas das superintendências estaduais" à de Brasília. Em muitos Estados, o Incra possui organogramas diferentes dos da sede.Hackbart quer, de resto, que o Incra trabalhe contemplando "as diversidades regionais" do país. "Um assentamento no Acre é muito diferente de um assentamento em São Paulo." (JS)

FSP, 25/01/2004, p. A6

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