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Incra vai assentar 500 familias para reduzir tensao em Anapu

OESP, Nacional, p.A11-A12
17 de Fev de 2005

Incra vai assentar 500 famílias para reduzir tensão em Anapu
Técnicos começam a identificar propriedades na segunda-feira e os projetos homenagearão Dorothy Stang

BELÉM - Cerca de 500 famílias de trabalhadores rurais serão assentadas em Anapu pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para reduzir a tensão fundiária na região onde quatro assassinatos ligados à luta pela posse da terra ocorreram em apenas cinco dias. A decisão foi tomada ontem durante reunião na sede do Incra em Belém e da qual participaram representantes do Ibama, Polícia Federal, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Exército e Delegacia Regional do Trabalho.
O trabalho começa a partir de segunda-feira, dia 21, e vai mobilizar cinco equipes de técnicos. A primeira providência será a identificação de propriedades com até 100 hectares, hoje nas mãos de posseiros. As terras serão tituladas pelo Incra. O órgão anunciou também que vai desapropriar as áreas que serão destinadas ao Programa de Desenvolvimento Sustentável. Todos os projetos levarão o nome da missionária Dorothy Stang, assassinada por pistoleiros no último sábado no município.

RETRATOS FALADOS

Ontem, a Polícia Civil do Pará divulgou os retratos falados dos pistoleiros Eduardo e Fogoió, que teriam matado a irmã Dorothy. Também a Superintendência do Ibama no Pará informou que os grileiros Vitalmiro Bastos e Regivaldo Pereira Galvão, conhecido por Taradão, ambos suspeitos de envolvimento no assassinato de irmã Dorothy, já haviam sido multados pelo órgão por destruir as florestas de Anapu.

Bastos, que está foragido após a decretação de sua prisão preventiva pela justiça paraense, foi multado no dia 27 de agosto de 2004 em R$ 1,5 milhão por desmatar uma área do tamanho de mil campos de futebol. O local era área de preservação permanente do Ibama.

No dia 6 de novembro do ano passado, o mesmo Bastos foi autuado pelo Ibama após ter queimado outros mil hectares de floresta nativa para transformação da área em pasto. Já Galvão, foi multado também no mesmo dia 6 de novembro em R$ 750 mil por provocar um incêndio em 500 hectares de floresta. Galvão é o agiota que emprestava dinheiro para os empresários de Altamira acusados de fraudes contra a Sudam. Ele chegava a cobrar até 30% de juros e ficava com parte do dinheiro desviado dos cofres públicos.

O gerente executivo do Ibama no Pará, Marcílio Monteiro, garantiu que todos os projetos que estavam em andamento em Anapu continuarão a ser fiscalizados pelo órgão.

CPI da Terra pede proteção policial para 4 ativistas

BRASÍLIA - Parlamentares da CPI da Terra pediram ao presidente em exercício, José Alencar, proteção policial para quatro ativistas de movimentos sociais no Pará que estariam sendo ameaçados de morte. Eles são Gabriel Domingues do Nascimento, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Francisco de Assis dos Santos Souza, diretor do mesmo sindicato, o padre José Amaro, da Paróquia de Anapu, e Deorival Xavier, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pacajá.
Os parlamentares acompanharam na terça-feira o enterro da freira Dorothy Stang, assassinada sábado, e visitaram ontem Alencar para fazer um relato da viagem. Segundo o deputado José Geraldo (PT-PA), Alencar ficou de encaminhar o pedido à Polícia Federal.

Os integrantes da CPI também pediram a Alencar o envio de um advogado para auxiliar os agricultores e a disponibilidade de um helicóptero na região. Segundo Geraldo, o principal problema lá é a falta de regularização fundiária. Ele explicou que mesmo empresários e produtores que querem agir dentro da legalidade não dispõem de documentos que comprovem a posse da terra.

O deputado avalia que o alto nível de preservação dessa região do Pará, conhecida como Terra do Meio, também contribui para o aumento dos conflitos. "O grande motivo da grilagem é a madeira", disse. A Terra do Meio, segundo Geraldo, tem 80% da floresta preservada, situação bem superior à do sul do Pará. Ele contou que a Reserva Verde Para Sempre, criada recentemente com 1,4 milhão de hectares, era explorada por apenas seis grileiros. Agora a exploração da área será feita de acordo com zoneamento definido pelo governo.

Há um ano, freira pediu ajuda à CPI
Irmã Dorothy acusou madeireira, policiais e um militar

BRASÍLIA - Em depoimento à CPI da Terra, em maio do ano passado, a irmã Dorothy Stang denunciou a empresa Copam Madeiras e sete pessoas pela exploração ilegal de madeira em Anapu e pela violência contra os moradores da região, incluindo policiais e pelo menos um militar. "Eles entram aqui com combustível, todo o maquinário está por aqui, devastando tudo", afirmou, num depoimento gravado, a cuja transcrição o Estado teve acesso.
À CPI, Dorothy atribuiu a gravidade da situação à omissão das autoridades. "(Madeireiros e posseiros) sabem que o problema vem de longa data e ninguém faz nada. Então eles continuam porque isso não é de hoje, eles sabem que se fazem esses levantamentos, mas tudo fica no mesmo." A seu pedido, o depoimento foi sigiloso, para se preservar das ameaças de posseiros e madeireiros. A CPI ouviu a missionária após audiência pública na Câmara Municipal de Altamira (PA) que tratou de crimes ambientais ocorridos na região. Ela mostrou, num mapa que levou ao depoimento, a localização das áreas das quais estava falando.

O presidente da CPI, senador Álvaro Dias (PSDB-PR), disse que na ocasião alertou o Ministério da Justiça quanto à necessidade de enviar uma força-tarefa para proteger a população, mas nada foi feito. "Foi preciso que ocorresse um crime brutal, com repercussão internacional, para finalmente o governo cumprir seu dever."

Segundo o depoimento de irmã Dorothy, um homem identificado como Dério Fernandes derrubou pelo menos 12 mil a 13 mil hectares. "Botou fogo em tudo, mas nunca tirou sequer uma tora", acusou. "Deu corte raso beirando esses rios (Anapu e Pacajá). Aqui tem área de mineração." A missionária disse que Fernandes começou a devastar a área em 1999.

"Nós fomos a tudo quanto era Ibama e Incra para proteger essa área, que é nossa... este ano agora, em novembro, dezembro e janeiro, ele derrubou, em outra área nossa, mais ou menos 400 alqueires, que representam 2 mil hectares, bem aqui, beirando o rio, com corte raso." E lamentou: "Isso corta o nosso coração porque essa é a nossa reserva para o futuro."

Dorothy referiu-se a outro homem de Marabá, de nome Altair, que teria derrubado 300 alqueires e a um "sargento do 51.o Batalhão de Infantaria da Selva com grandes derrubadas aqui". Acusou também um certo Avelino e Taradão. Ficou inaudível o nome de uma empresa de Marabá, citada por ela antes de denunciar a Copam e identificar José Francisco Vitoriano como o que "tem a contabilidade da Conta Norte". "Eles derrubaram 300 alqueires e botaram fogo em tudo. E esta área aqui é totalmente invadida... levando toda a madeira clandestinamente pelos rios para o mar, de Portel para Belém", acusou.

"O irmão do Dério queimou 20 casas, expulsou o povo do coração do PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável) e colocou uma cancela", acrescentou. "Nosso povo, nesse lote, tem de passar agora pelo pasto dele, pela cancela dele e está botando pista de avião bem aqui, no coração do projeto."

Apesar da violência, reclamou ela, "ninguém toma posição". Dorothy contou que outro fazendeiro, cujo nome ficou inaudível na gravação, invadiu a área com "seis policiais de Anapu, com metralhadoras, tirou o povo do local que ocupava há 6 anos, queimou 4 casas e ameaçou queimar mais". "Agora, ele está lá (trabalhando) com o trator dia e noite, com essa pista de avião, porque ninguém toma posição."

Bispo culpa agronegócio pela tensão no campo
Para Comissão Pastoral da Terra, morte da missionária "é quase uma profecia"

BRASÍLIA - O presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), d. Tomás Balduíno, acusou o governo federal, o governo do Pará e o agronegócio pela tensão na região de Terra do Meio, no Pará, onde no último sábado foi assassinada a missionária Dorothy Stang. Conhecido pelas duras críticas que faz ao governo federal, d. Tomás afirmou que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva é um "fracasso" na área social e o assassinato da freira confirma os problemas enfrentados.
"Pode ser que do lado do agronegócio, do superávit primário, seja um sucesso. O pessoal está eufórico, rindo até o queixo. Mas aí está a morte de Dorothy que é quase uma profecia", disse d. Tomás em entrevista, ontem, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). D. Tomás vê o agronegócio como o principal culpado pela violência no campo. "O agronegócio é violento. Onde o agronegócio é mais forte também é mais forte a violência. Não é só violento contra as pessoas, mas contra a natureza e a floresta." O presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Antônio Ernesto de Salvo, rebateu ontem d. Tomás, dizendo que a declaração é "muito preconceituosa". "A violência impera onde o Estado se ausenta, onde o Estado é frouxo", esbravejou. "O progresso e a presença do Estado é que acabam com a violência. Sem Estado, há sempre violência", completou o representante dos agricultores. "Dos homens de Deus se espera uma mensagem fraterna, não declarações como essas."

De Salvo rebateu também a afirmação de que "o agronegócio é violento com a natureza". Para o presidente da CNA, no passado, os agricultores não tinham consciência da necessidade de preservar o meio ambiente. "Agora, há consciência de que devemos nos esforçar para comprometer o menos possível a natureza", comentou De Salvo. Mas, completou ele, "é impossível crescer sem modificar o meio ambiente".

ESTADO PARALELO

Ainda durante a entrevista, d. Tomás disse que a região onde atuava a missionária é um "Estado paralelo" onde o governo federal e o governo estadual não chegam ou são coniventes com os fazendeiros. Segundo ele, lá não existe estrutura, não existem fiscais dos órgãos federais e, quando existem, não têm estrutura para trabalhar. "Isso é um desgoverno. O crime organizado que engloba o Estado do Pará é que financia as campanhas políticas", acusou.

A ida do Exército para a região é "apenas um paliativo", segundo d. Tomás. "A tropa não pode ficar lá o tempo todo. No dia em que for embora volta a mesma situação. É preciso chegar à raiz do problema", afirmou. A solução passa, segundo o presidente da CPT, pela reforma agrária, retirada dos grileiros da região e ação policial efetiva. Mas não da polícia do Estado, que estaria tomada pela corrupção, mas da ação federal.

Líder sindical de Parauapebas também estava marcado para morrer

O sindicalista Soares da Costa Filho, executado a bala no final da tarde de terça-feira na zona rural de Parauapebas, ao sul do Pará, foi sepultado ontem no município maranhense de Fortuna, onde nasceu e foi criado. Mas a polícia ainda não chegou aos matadores, dois pistoleiros que cercaram Soares em uma estrada secundária. "Estamos conduzindo investigações, intimando testemunhas, são várias as hipóteses para o crime", declarou o delegado Marco Antonio Duarte. O policial citou uma hipótese: crime de encomenda. Ele acredita nisso pelo fato de os pistoleiros não terem levado dinheiro da vítima. A morte de Soares engrossa as estatísticas de violência na região: em janeiro, 14 pessoas foram assassinadas em Parauapebas, que tem 80 mil habitantes. Muitos crimes podem estar ligados a conflitos no campo. Os assassinos de Soares, líder do Assentamento Carajás e diretor dissidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parauapebas, fizeram cinco ou seis disparos. O corpo foi examinado pelos legistas de Marabá, distante 164 quilômetros. O laudo médico vai indicar com precisão quantos tiros Soares levou. Montados em uma motocicleta os pistoleiros usavam capacetes. "Isso dificulta a identificação", reconheceu o delegado Duarte. "A questão agrária precisa ser encarada de forma mais efetiva para assentamentos das famílias", defendeu Joseane Maria da Silva, presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Parauapebas. "Vivemos uma onda de violência no início do ano. O homem do campo está sendo manipulado por minorias inescrupulosas que se arvoram em donos de áreas." SEGURANÇA Joseane tem sido muito procurada por produtores rurais. "Eles estão bastante preocupados com a segurança, os dois lados estão se armando", revela a advogada. "Muitos atritos ocorrem em função dessa vida à margem da lei. É preciso tirar do meio dos colonos aqueles que estão aí apenas para obter vantagens." A advogada disse que a OAB conhece a realidade do país. "Não vamos proteger produtor rural ou latifundiário e nem invasor que viole o direito de propriedade, queremos é Justiça social, a OAB tem interesse em colaborar com as instituições.", declarou. Ela destacou que o governo do Pará está promovendo importantes melhorias na polícia e enviou para a cidade novos agentes e soldados. "O contingente policial é pequeno demais, são menos de 100 policiais em atividade", constata. "Imagina como é trabalhar dessa forma. A Polícia Civil sofre com falta de equipamento e de pessoal." Há 10 anos em Parauapebas, Joseane alerta para as invasões de fazendas produtivas. "Tem muita terra no Estado, mas a questão é a reforma agrária que precisa ter um novo direcionamento para atender às necessidades do homem do campo", observa. "Mas não é possível aceitar violações aos direitos dos produtores rurais, que também são homens do campo e têm o direito de sobreviver daquilo que é deles."

Bispos se orgulham de estar entre os ameaçados de morte
D. Heriberto e d. Casaldáliga avisam que continuarão a lutar por posseiros e índios

Os dois bispos que, segundo a Comissão da Pastoral da Terra (CPT), estão entre as 145 pessoas ameaçadas de morte, por causa de conflitos na zona rural, anunciam que vão continuar lutando em defesa de posseiros e índios, nos territórios de suas dioceses, como se nada estivesse acontecendo.
O norte-americano d. Heriberto Hermes, de Cristalândia (TO), e o espanhol d. Pedro Casaldáliga, de São Félix do Araguaia (MT), disseram que o fato de seus nomes constarem de uma lista de brasileiros marcados para morrer é motivo para orgulho, pois é sinal de que sua ação está incomodando quem explora o povo.

"Eu ficaria desapontado, se não entrasse nessa lista", declarou d. Heriberto, um beneditino de 71 anos que chegou ao Brasil em 1962 para trabalhar na cidade goiana de Mineiros. Ordenado bispo em 1990, ele sempre denunciou a corrupção e a violência na prelazia (diocese em formação) de Cristalândia.

ÍNDIOS INEXISTENTES

D. Heriberto atribui a inclusão de seu nome entre os ameaçados de morte a seu apoio a um grupo de índios craôs-canelas que há 30 anos foram expulsos de suas terras pela Fundação Nacional do Índio. "A Funai alega que esse grupo não existe, mas casas e cemitérios provam que eles moram há décadas na região de Lagoa da Confusão", disse o bispo.

São 86 índios que, segundo d. Heriberto, estão confinados na Casa do Índio, no município de Gurupi, "num verdadeiro campo de concentração, onde vivem de doações, porque não têm área para plantar nem para caçar". Além de sofrerem a resistência de fazendeiros, disse o bispo, os craôs-canelas enfrentam a hostilidade dos ocupantes de nove assentamentos construídos pelo Incra em suas terras.

"Os assentados acham que serão expulsos da área, se os índios voltarem, o que não é verdade", informou d. Heriberto. Além do bispo, também o padre anglicano Brás Rodrigues da Costa, que trabalha em parceria com ele, está na lista dos marcados para morrer.

D. Heriberto disse que entrou com representação na Secretaria de Segurança de Tocantins, quando foi ameaçado de morte no dia 18 de novembro do ano passado, mas nenhuma providência foi tomada. "O dono da balsa em que eu deveria atravessar o Rio Formoso para participar de uma reunião com os índios, assentados e representantes do governo gritou que era preciso jogar o bispo na água para as piranhas e os jacarés."

NAS MÃOS DE DEUS

D. Heriberto se escondeu e não embarcou na balsa. "Coloco minha vida nas mãos de Deus e vou trabalhar do mesmo jeito, apoiando meus irmãos e minhas irmãs que estão sendo maltratados", promete o bispo. Americano de Kansas, ele revela que, após a eleição do presidente Lula, começou a pensar em se naturalizar brasileiro. "Não fiz isso quando cheguei, no tempo da ditadura, porque não seria conveniente deixar de ser cidadão dos Estados Unidos."

Em São Félix do Araguaia, onde aguarda a chegada de seu sucessor, frei Leonardo Ulrich Steiner, que tomará posse em 1.o de maio, d. Casaldáliga também não se assusta com a ameaça de morte. "Faz tanto tempo que corre essa notícia que não me preocupo mais", disse o bispo, na prelazia desde outubro de 1971.

"Sensibilizado com o testemunho da morte de irmã Dorothy e solidário com o sofrimento de nosso povo, tenho uma sensação de impotência diante dos mandantes e dos executores que assassinam trabalhadores", afirmou d. Casaldáliga. Ele informa que vai morar na mesma casa de seu sucessor, a convite dele, para continuar trabalhando em defesa dos posseiros e dos índios, como faz há mais de 30 anos.

Se tem medo de morrer? "Estou com 77 anos, tem morrido muita gente mais nova", responde o bispo espanhol. Doente e enfraquecido, sofrendo do mal de Parkinson e de hipertensão, ele não consegue mais viajar pelo interior da prelazia, nos sertões do Araguaia. A Polícia Federal destacou agentes para protegê-lo, ano passado, quando um grupo de 500 xavantes tentou, com seu apoio, retomar uma área no município de Alto da Boa Vista.

OESP, 17/02/2005, Nacional, p.A11-A12

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