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Incra comeca a demarcar terras onde freira atuava

OESP, Nacional, p.A11
04 de Out de 2005

Incra descobre latifúndio dentro de assentamento Pente fino realizado em vários Estados revela venda de lotes, de madeira e outras irregularidades

ROLDÃO ARRUDA

O trabalho de moralização de assentamentos rurais, que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) começou a realizar no ano passado, está deixando à mostra alguns absurdos que nem os especialistas no assunto imaginavam. No assentamento Cidapar, que fica na fronteira do Pará com o Maranhão e onde a área média permitida para cada família assentada é de 30 hectares, os fiscais do Incra encontraram uma vastidão de quase 4 mil hectares concentrados nas mãos de um único dono. "Estava tudo com um madeireiro da região, que além de ocupar a terra ilegalmente, porque a venda de lotes é proibida, transgredia as leis ambientais explorando a reserva florestal do projeto", conta o superintendente do Incra em Belém, José Roberto Oliveira Faro.

O Cidapar é um dos maiores projetos de reforma agrária do País, com 329 mil hectares, espalhados pelos territórios de quatro municípios. Segundo Faro, cerca de 40% da área do assentamento apresentam irregularidades e estão voltando para o Incra, que age por meio de processos administrativos ou, quando encontra resistência, recorre à Justiça. "São lotes que estão abandonados ou foram vendidos ilegalmente para pessoas que não fazem parte da clientela da reforma agrária", afirma.

Situações semelhantes podem ser encontradas em diferentes pontos do País. O superintendente do Incra em Rondônia, Olavo Nienow, relata que um dos maiores problemas nos 132 assentamentos sob sua jurisdição é a reconcentração das terras distribuídas pela reforma agrária.

No Tocantins, o superintendente José Cardoso estima que do total de 19 mil lotes que foram distribuídos no Estado, 2 mil estão irregulares. "Terras que deveriam pertencer a pequenos agricultores ficaram concentradas nas mãos de funcionários públicos, comerciantes, vereadores, policiais", diz ele.

Dramático - Na área da superintendência de Marabá, no sul do Pará, a situação é uma das mais dramáticas do País. Ali, onde o número de assentamentos da reforma saltou de 20 para 380 no espaço de 15 anos, existe uma verdadeira cultura de comercialização de lotes, segundo informações da superintendente, Bernadete ten Caten. "Há casos de assentamentos em que até 80% dos lotes foram negociados ilegalmente", diz ela. "Encontramos verdadeiras fazendas em alguns projetos, com áreas de 1.500 hectares."

Um caso específico citado por Bernadete é o da Fazenda Bamerindus, com quase 50 mil hectares, que foi desapropriada há oito anos para a reforma agrária.
"No ano passado, quando começamos a intervenção ali, quase metade da área estava ocupada irregularmente", conta ela. "Encontramos fazendas com até 6 mil cabeças de gado e uma situação de conflito social permanente entre grandes e pequenos produtores."

Litoral - O exemplo mais curioso, provavelmente, foi localizado em Pernambuco, no Assentamento Engenheiro Amaragi, região litorânea. Dois lotes foram vendidos, por R$ 45 mil, a um empresário, que aproveitou a vista para o mar e ergueu no lugar uma casa avaliada em R$ 500 mil. "A venda de lotes da reforma agrária é ilegal e estamos brigando na Justiça para retomar os dois lotes", conta o superintendente do Incra em Pernambuco, João Faria de Paula Júnior.

De acordo com suas explicações e de outras autoridades do Incra, o trabalho de regularização dos assentamentos já apresenta resultados positivos. Um deles seria pedagógico. "Os negócios com terras de assentamentos começam a diminuir", diz a superintendente de Marabá. "As pessoas ficam com medo da fiscalização." "Começa a se difundir o temor do prejuízo", endossa João Faria.

Retomada - O efeito mais festejado, porém, é a retomada de áreas que podem ser reutilizadas para o assentamento de outras famílias. De acordo com informações do presidente do Incra, Rolf Hackbart, no ano passado foram retomados 257.700 hectares em todo o País. É uma área suficiente para assentar cerca de 6 mil famílias.

"A retomada dos lotes ocupados irregularmente, para destiná-los a quem precisa, é uma das nossas tarefas fundamentais", diz ele. "Todas as superintendências receberam orientação para aprofundar esse processo."

É uma forma de se fazer andar a reforma sem gastar muito - o que é fundamental para o Incra, que até agora não sabe de onde virão os recursos para o Plano Nacional de Reforma Agrária - que prevê o assentamento de 400 mil famílias até o fim do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

O superintendente do Tocantins acredita que a retomada de lotes vai permitir o assentamento de quase metade das 5 mil famílias que ele diz estarem acampadas no Estado. Em Marabá, Bernadete afirma que a retomada de 3.450 lotes em 2003 permitiu uma economia de R$ 50 milhões. "Era o que gastaríamos se tivéssemos que comprar essa área para a reforma."

Munição - Ao revelar esse quadro de irregularidades, a atual direção do Incra acaba dando munição às pessoas e instituições que criticam a forma como a reforma agrária tem sido encaminhada no País. A Sociedade Rural Brasileira, por exemplo, já se referiu em mais de uma ocasião à forma desorganizada de distribuição de terra e ao abandono do assentamentos.

Consciente disso, o presidente do Incra tem dito que as irregularidades são pouco representativas. "O Incra tem 5 mil assentamentos no País, com quase 500 mil famílias. Os lotes irregulares são uma minoria." A superintendente Bernadete bate na mesma tecla lembrando que a maioria dos agricultores selecionados permaneceu na terra: "Os que têm vocação de verdade permanecem trabalhando."

Especialista culpa pressão do MST por erros na área
O engenheiro agrônomo e especialista em economia agrária Francisco Graziano, mais conhecido como Xico Graziano, considera positiva a reavaliação dos assentamentos feita pelo Incra. Mas alerta: os erros vão se repetir em escala ainda maior se o governo continuar agindo sobre pressão do Movimento dos Sem-Terra (MST).

"Com seus acampamentos e invasões, o MST impõe uma dinâmica perversa, que obriga o governo a correr atrás de suas demandas, num processo desordenado, sem controle", diz.

A origem das irregularidades nos assentamentos, diz Graziano, está nos acampamentos: "Eles são essenciais para a política do MST, que passa a usar sem-terra falsificados para aumentar seu poder de pressão."

Segundo ele, as irregularidades já eram conhecidas do Incra, que sempre evitou dar destaque a elas, por pressão do MST e de organizações favoráveis à reforma nos moldes atuais: "Sempre que alguém aponta uma irregularidade, dizem que ele está contra a causa, a serviço do latifúndio."

Graziano vai lançar em março o livro O Carma da Reforma Agrária no Brasil - resultado de uma série de viagens e visitas a acampamentos e assentamentos.

Muitas das situações que o Incra aponta já foram observadas por ele, que acabou concluindo que o projeto da reforma no Brasil tem sido um fracasso:
"Nada funciona."

Números - Os superintendentes do Incra consultados pelo Estado têm uma visão diferente da causa dos problemas. Para eles, a culpa das irregularidades deve ser atribuída ao governo de Fernando Henrique.

Segundo Olavo Nienow, de Rondônia, a administração anterior do Incra teria se preocupado apenas com metas numéricas: "Criaram um assentamento após o outro, sem se preocupar em abrir estradas, garantir crédito, assistência técnica. A permanência na terra ficou impossível para muitos."

As demandas do MST são justas, segundo os superintendentes, que manifestam preocupação com a necessidade de esvaziar os acampamentos, assentando o maior número possível de pessoas.

Em Marabá, a superintendente Bernadete ten Caten, faz uma pequena ressalva:
"Acho que deveríamos ser um pouco mais rigorosos no processo de seleção de pessoas." (R.A.)

OESP, 08/02/2004, p.A10

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