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Incra anula benefício a famílias quilombolas

O Globo, Rio, p. 17
17 de Ago de 2006

Incra anula benefício a famílias quilombolas
Por ordem da chefe da Casa Civil, superintendente cancelou portaria reconhecendo direito à terra na Ilha de Marambaia

Antônio Werneck

Vinte e quatro horas depois de publicar a portaria número 15, no Diário Oficial da União, reconhecendo publicamente o direito à posse da terra das famílias quilombolas da Ilha da Marambaia, o superintendente do Incra no Rio, Mário Lúcio Machado Melo, recebeu do presidente nacional do órgão, Rolf Hackbart, uma ordem para emitir nova portaria, anulando a anterior. Segundo o procurador Daniel Sarmento, da Procuradoria Regional da República da Segunda Região (Rio e Espírito Santo), a determinação partiu da própria chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que teria considerado a publicação um ato de insubordinação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), ao qual o Incra é subordinado.
- É uma violação absoluta do estado de direito, um atropelo às leis em vigor. Com essa atitude, o governo demonstra um completo descaso com a população quilombola da Marambaia. Vamos questionar tudo com medidas judiciais. Estudar até a possibilidade de uma ação por improbidade administrativa da ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil - reagiu o procurador Daniel Sarmento, da área de Tutela Coletiva.
A primeira portaria foi publicada na última segunda-feira, com a íntegra do Relatório
Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território quilombola da Marambaia. 0 RTID está concluído desde maio deste ano, mas negociações políticas conduzidas pela Casa Civil e envolvendo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir), a Fundação Cultural Palmares (FCP), o Incra e o Ministério da Defesa adiaram a publicação, contrariando o que determina o Decreto 4.887/03, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A publicação do RTID é a etapa em que o Incra reconhece o direito dos quilombolas à área reivindicada.
A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, informou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que a portaria foi suspensa porque ainda não há "um consenso no governo sobre a questão". Em nota enviada ao GLOBO, o Ministério do Desenvolvimento Agrário informou que a portaria "foi tornada sem efeito por ter sido publicada indevidamente". Segundo o ministério, "ainda não estão concluídas as avaliações, por parte do governo federal, que permitam a solução definitiva da regularização do território dessa comunidade quilombola".
Procurado pelo GLOBO, o superintendente do Incra no Rio não quis comentar o assunto.

Impasse com a Marinha dificulta solução do caso
Problemas começaram em dezembro de 2005, quando técnicos do Incra foram barrados na ilha

Um impasse entre o Incra e a Marinha, que mantém na Ilha da Marambaia uma base dos fuzileiros navais, é o pano de fundo da crise envolvendo três ministérios e que tem impedido as famílias quilombolas de terem assegurado o direito à terra. Os problemas começaram em dezembro do ano passado, quando técnicos do Incra foram impedidos de entrar na ilha para elaborar o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). A publicação do RTID é a última etapa antes de os moradores receberem o título de posse da terra.
Vânia Guerra, presidente da Associação Quilombola da Marambaia, disse que os moradores não querem sair do local e não aceitam qualquer negociação com a Marinha antes da publicação do RTID no Diário Oficial da União. Ela disse ainda que aproximadamente 200 famílias (com cerca de 600 pessoas) vivem na ilha.
- Não temos saneamento básico, nem luz. Os telefones públicos funcionam precariamente. Vivemos com dificuldade, da pesca artesanal, mas não queremos sair daqui. Os que saíram morreram - afirmou.
A ilha era de propriedade do comendador Joaquim José de Souza Breves. Alguns moradores contam que ouviram dos avós que, numa de suas últimas viagens à ilha, o comendador Breves doou verbalmente cada uma das praias aos seus antigos escravos. Segundo um estudo do antropólogo Fábio Reis Mota, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a ilha se enquadra, de forma absolutamente coerente, na caracterização sociológica das chamadas terras de preto: "Domínios doados, entregues ou adquiridos, com ou sem formação jurídica, por famílias de escravos".

O Globo, 17/08/2006, Rio, p. 17

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