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Incompetência amazônica

OESP, Notas e Informações, p. A3
30 de Jul de 2006

Incompetência amazônica

Alvo fácil para campanhas politicamente corretas, o Brasil entrou na mira, mais uma vez, do famigerado Greenpeace, desta vez por causa da produção de soja na Amazônia. Induzidas por essa ONG, redes varejistas e empresas produtoras de alimentos da Europa anunciaram restrições à compra de soja brasileira. Só aceitarão, segundo informações publicadas em Londres na segunda-feira, produto cultivado sem devastação da floresta amazônica.

Com essa atitude, as empresas se protegem, antecipadamente, de boicotes de consumidores promovidos por entidades com bandeiras ambientalistas e de direitos humanos. A maior parte desses consumidores pode ignorar quase tudo sobre Amazônia e Brasil, mas isso não os impedirá de agir em nome das melhores intenções.

Essa ignorância é o maior perigo e o governo brasileiro não deve desprezá-lo. É fácil converter campanhas politicamente corretas em boicotes orientados segundo os interesses de concorrentes. Bandeiras politicamente corretas nem sempre servem a finalidades honestas.

Segundo o diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), Sérgio Castanho Teixeira Mendes, lavouras de soja no bioma amazônico ocupam 1,15 milhão de hectares, 0,3% da área total. Mais de 80% dessas áreas são do Estado de Mato Grosso. A proporção pode ser modesta, mas a indústria prefere não se arriscar a perder negócios.

No Brasil, esmagadores de grãos e exportadores decidiram aceitar a pressão, evitando um conflito potencialmente muito custoso. "O mercado manda e ele mudou", disse o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Carlo Lovatelli. A Abiove e a Anec divulgaram na segunda-feira o compromisso de não comercializar, na próxima safra, soja produzida em áreas desflorestadas no bioma amazônico.

As empresas ligadas às duas associações também romperão os contratos, se for verificado o uso de trabalho análogo ao escravo. As duas entidades agiram de acordo com seus interesses, mas sua iniciativa pode ter resultados econômica e socialmente benéficos. Outras entidades empresariais têm adotado políticas de controle da origem de alimentos e de combate à exploração do trabalho infantil.

Mas a mobilização de entidades privadas não dispensa o governo de suas obrigações. Políticas ambientais e de combate à exploração ilegal de mão-de-obra são atribuições precípuas do poder público.

Importadores, industriais e distribuidores podem apresentar suas condições a fornecedores brasileiros e desviar suas encomendas para outros países, se não ficarem satisfeitos. Mas impor o cumprimento da lei a todos os cidadãos não é papel de entidades privadas, como a Abiove e a Anec. Sua ação de controle pode até produzir resultados. O controle exercido pelas empresas, no entanto, só pode ser complementar, porque os problemas são de ordem pública e de interesse nacional.

Não se trata apenas das condições concretas de preservação da Amazônia e da exploração racional de seu potencial econômico. O governo tem falhado no tratamento desses problemas e, além disso, tem sido incapaz de mostrar ao mundo que o Brasil tem uma política para a região. Nada mais natural, quando o Ministério do Meio Ambiente se dedica mais ao cultivo do atraso econômico e tecnológico do que a funções verdadeiramente úteis.

Tudo contribui, portanto, para tornar o Brasil especialmente vulnerável a pressões de entidades ambientalistas, locais ou estrangeiras, honestas ou não, interessadas no bem público ou empenhadas em atender a interesses econômicos na concorrência internacional.

Não é o caso de questionar os propósitos do Greenpeace. Podem ser os melhores. Mas as pessoas de boa-fé ainda esperam que essa ONG mobilize consumidores e empresas para boicotar produtos fabricados no país produtor de 25% das emissões globais de dióxido de carbono. Os Estados Unidos são esse país - a maior fonte de poluição atmosférica - e seu governo rejeitou o Protocolo de Kyoto. Ainda não houve notícia de boicote comercial.

OESP, 30/07/2006, Notas e Informações, p. A3

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