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Incerta, regiao vive supersafra eleitoral

FSP, Mundo, p.A32
21 de Ago de 2005

No prazo de um ano, serão sete eleições presidenciais, das quais cinco têm cenário imprevisível até agora
Incerta, região vive supersafra eleitoral
João Carlos Botelho
Carolina Vila-Nova
Após entrar num período dos mais turbulentos neste início de século, com quedas de presidente na Argentina, na Venezuela (provisória), na Bolívia (duas vezes) e no Equador, a América do Sul está próxima de ver neste ano o início de um superperíodo eleitoral.
Entre dezembro próximo e o mesmo mês de 2006, serão sete eleições presidenciais nos 13 países do subcontinente. Haverá ainda, a partir de outubro, três legislativas, em separado, incluindo a de uma oitava nação, a Argentina.
Das sete disputas presidenciais, cinco estão com as perspectivas indefinidas. A explicação para isso não é só o tempo que ainda falta para a realização de cada uma. As eleições da Venezuela, por exemplo, são as que encerrarão a safra, em dezembro de 2006, e entram até o momento no grupo das previsíveis, ao lado das chilenas.
A mais de um ano da votação venezuelana, o presidente Hugo Chávez já pode ser apontado como favorito. Em pesquisa recente, ele aparece com cerca de 70% de aprovação. Também tem obtido sucessivas vitórias eleitorais: ganhou o plebiscito sobre seu mandato com quase 60% dos votos e possui aliados nos governos de 22 das 24 unidades da Federação.
Na companhia da Venezuela, está o Chile, onde a candidata da situação para as eleições de dezembro próximo tem 29 pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado. A ex-ministra socialista Michelle Bachelet soma 47% das intenções de voto, contra 18% do direitista Joaquín Lavín.
A Colômbia poderá ser o terceiro país a integrar o grupo dos previsíveis. Seu presidente, Álvaro Uribe, ainda tenta obter a confirmação judicial da reeleição aprovada no Parlamento. Caso consiga, entra na disputa de maio do ano que vem como favorito -tem 70% das intenções. Se não conseguir, a situação fica em aberto. Como a decisão judicial ainda está por sair, a Colômbia segue por ora entre os indefinidos.
No grupo dos imprevisíveis, o destaque é a Bolívia. Entre 2003 e este ano, dois presidentes (Gonzalo Sánchez de Lozada e Carlos Mesa, que era o vice) foram derrubados por protestos contra, entre outras coisas, a exploração das reservas de hidrocarbonetos do país por empresas estrangeiras.
Como resultado da última queda, que colocou o então presidente da Suprema Corte no poder, foram convocadas eleições antecipadas. Hoje, a pouco mais de três meses da votação, nem as candidaturas estão todas definidas. As intenções de voto também estão fragmentadas, com nenhum postulante obtendo mais do que 22%.
Situação parecida é a do Equador, que também viu a queda de um presidente neste ano. Lucio Gutiérrez foi destituído pelo Parlamento, sob a alegação de que havia abandonado o cargo, após protestos contra seus desmandos em relação à principal corte judicial. Ele, que deu lugar ao então vice Alfredo Palacio, foi o terceiro eleito a não encerrar o mandato em oito anos. Assim, para as eleições de outubro de 2006, está tudo em aberto. Não há pesquisas recentes nem candidatos favoritos.
No Brasil, onde a disputa presidencial está marcada para o mesmo mês de 2006, a indefinição também possui mais relação com o quadro político instável do que com o tempo até a votação.
Diante de um panorama econômico favorável, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vinha como favorito até ver seu partido e seu governo serem atingidos por denúncias de corrupção. Agora, a pesquisa mais recente já mostra que ele seria derrotado pelo principal rival de 2002 num eventual segundo turno entre os dois.
Para o cientista político Fabiano Santos, do Iuperj, o Brasil, apesar da crise atual, o Chile e o Uruguai são os países mais estáveis da região em termos estruturais. Segundo ele, autor, com mais dois colegas, de "Governabilidade e representação política na América do Sul", a principal explicação é o fato de as três nações terem contado com a organização de um partido de esquerda em seus processos de retomada da democracia.
Santos aponta também a importância dos resultados eleitorais para a consolidação ou não do processo de integração da América do Sul, que hoje tem o Brasil como seu entusiasta. "Os próximos governos definirão se haverá a integração", disse. "Será necessário ainda saber se o futuro presidente brasileiro terá a mesma disposição nesse sentido."
Lado bom
Há elogios para o respeito ao calendário eleitoral. "Em todos esses países, exceto na Bolívia, um importante traço em comum é que as eleições ocorrerão conforme foram programadas. Quando se pensa na história da América Latina, isso é um fato extraordinário", disse o cientista político Scott Mainwaring, diretor do renomado Instituto Kellogg da Universidade de Notre Dame (EUA).
"A existência de eleições regulares começou a se tornar lugar-comum, mas quando você pensa nas gerações de regimes autoritários e na longa história de golpes nesses países, é impressionante que governos democráticos e semi-democráticos tenham perdurado e que eleições regulares estejam acontecendo", afirmou.

Chile, Colômbia e Venezuela optam por continuidade
Há uma razão comum para Chile e Venezuela estarem no bloco dos países com quadros previsíveis: o desejo de continuidade. A Colômbia ainda é um candidato a integrar esse grupo, e, se vier a fazê-lo, a mesma explicação será aplicável.
No Chile, o eleitorado tem optado pela continuidade. Todos os três presidentes eleitos a partir do final da ditadura Pinochet (1973-1990) foram da Concertación, a coalizão na qual se destacam os partidos Democrata Cristão e Socialista. Depois de dois governos do primeiro e de um do segundo, a líder disparada nas pesquisas para as eleições de dezembro próximo é outra socialista.
Na Venezuela, democrática desde 1959, mas com presidentes eleitos só por dois partidos até 1994, a ascensão de Hugo Chávez se deu num contexto de busca do eleitorado por renovação política. Tanto que os três principais candidatos na disputa de 1998 não pertenciam aos dois partidos tradicionais.
Para dezembro de 2006, porém, predomina até agora a opção por manter Chávez. Caso isso se concretize, serão 14 anos na Presidência. Seria ainda a terceira vitória seguida dele para o cargo. Legalmente, concorrerá à reeleição, mas, na prática, já se reelegeu em 2000, quando, sob nova Constituição, mandatos obtidos em 1998 reentraram em disputa.
Já o panorama para o pleito colombiano, em maio de 2006, ainda depende da decisão judicial sobre a reeleição de Álvaro Uribe. Enquanto isso, o eleitorado tem deixado claro nas pesquisas que gostaria de renovar o mandato dado a ele em 2002.
Apesar de considerar que normalmente as eleições têm caráter plebiscitário em relação aos governos correntes, a cientista política Frances Hagopian avalia que, nos casos do Chile e da Colômbia, esse teor é mais claro.
"Pode-se ver o Chile como uma democracia que não está ameaçada, que parece atender às necessidades, e na Colômbia, o governo Uribe como tendo superado uma situação de insegurança pessoal e recebido um crédito."
A percepção sobre a política de segurança, porém, ainda pode mudar. Para o colombiano Alfredo Rangel, da ONG Fundação Segurança e Democracia, ela é afetada pelo "excesso de propaganda triunfalista" do governo.
Rangel diz que cresceram as ações das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em relação aos três primeiros anos da gestão anterior. Para ele, as Farc ainda podem "abalar a imagem de êxito" e diminuir o apoio de Uribe. (JCB E CVN)

Países andinos de maioria indígena são os mais imprevisíveis
Os países andinos majoritariamente indígenas -Bolívia, Peru e Equador- enfrentam suas próximas eleições presidenciais ante um panorama de intensas crises institucionais, convulsões sociais e uma profunda atomização do sistema partidário que exacerbam as indefinições eleitorais.
Em pelo menos dois -Bolívia e Equador-, devem exercer papéis importantes na definição da disputa os conflitos de natureza étnico-sociais que são o pano de fundo de suas crises históricas. Divisões ideológicas, nos dois casos, têm menos relevância. "As dimensões étnicas dessas eleições são muito importantes", avaliou a cientista política Frances Hagopian. "Essas são sociedades em que existe longa tradição de exclusão social e onde vemos nas últimas duas décadas a emergência de fortes movimentos étnicos."
Para ela, esse fortalecimento está ligado a um declínio dos partidos e uma fração entre eles e a sociedade. "Na Bolívia, os sofrimentos dos indígenas se tornaram um dos principais fenômenos políticos", reforçou Scott Mainwaring.
Outro vetor da disputa nesses dois países, concordam Mainwaring e Hagopian, é a política de gestão dos hidrocarbonetos (gás e petróleo), dos quais ambos dependem e cuja propriedade é fonte de controversas. "Na Bolívia, o gás natural e a água se tornaram temas muito explosivos, originando questionamentos políticos importantes", disse Mainwaring.
O cenário eleitoral na Bolívia, apesar de a votação ser em dezembro próximo, ainda está cercado de indefinições. Há dúvidas, por exemplo, sobre a capacidade de organização das eleições, que serão gerais e foram antecipadas. O Congresso ainda faz mudanças nas leis, discutindo questões como prazo para inscrição de candidaturas e cotas para mulheres.
Dos partidos tradicionais, só um já possuía candidato até a última sexta: o MAS, com o líder cocaleiro Evo Morales, em chapa com o cientista político e ex-guerrilheiro Álvaro García Linera.
Nenhum candidato soma mais de um quarto das intenções de voto. Mantido esse panorama, o próximo governante deverá ser escolhido em segundo turno por votação indireta no Congresso, o que mais uma vez abre a possibilidade de que um presidente sem legitimidade assuma o poder.
Forasteiro
Para o Peru, onde a eleição será em abril de 2006, a análise é de que a situação está em aberto e que as pesquisas atuais devem ser vistas com cautela. "Parece que outra vez teremos a presença de um "outsider", alguém que aparece em seis meses para disputar a Presidência", afirmou o cientista político peruano Gustavo Montoya. "E no horizonte político, esse "outsider" é Ollanta Humala."
Comandante do Exército na reserva, Humala liderou um levante contra o então presidente Alberto Fujimori, em 2000. Preso, foi anistiado após a queda de Fujimori. Hoje, percorre o país e tenta criar um movimento político, mas ainda não aparece em pesquisas.
Nesse cenário, o eixo da votação anterior, na qual o hoje campeão de impopularidade Alejandro Toledo se elegeu, pode ser repetir: a luta anticorrupção, já que os casos continuaram a surgir. (CVN E JCB)

FSP, 21/08/2005, p. A32

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