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Inaceitável

O Globo, Opinião, p. 6
31 de Dez de 2009

Inaceitável

Pouco importa quem está mais certo quanto à previsão: se o país levará 22 ou 66 anos para ter uma rede de saneamento básico satisfatória, pois, em qualquer dessas hipóteses, é muito tempo para que a população brasileira venha a ser atendida por um serviço tão essencial à saúde e à qualidade de vida.

O Brasil negligenciou demasiadamente nessa área, a ponto de o saneamento ser um dos fatores que mais derrubam o nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na comparação mundial feita pela ONU. Em grande parte do país, os serviços de saneamento estão sob responsabilidade direta de companhias estaduais e municipais, que passaram vários anos mergulhadas em situação de quase insolvência.

Governos estaduais e prefeituras também atravessaram um longo período de crise financeira, de maneira que a capacidade de investimento do setor foi a zero. A falta de recursos não só paralisou programas de expansão das redes de saneamento como levou várias dessas companhias a se desqualificar tecnicamente. Em situação de desespero, prefeituras entraram em conflito com os estados para assumir o poder concedente dos serviços. Assim, no Rio de Janeiro, vários municípios conseguiram transferir o setor para grupos privados, com bons resultados. Tal conflito fez com que o governo federal propusesse um novo marco regulatório, mas permanecem meio indefinidos os limites de estados e municípios. Diante do quadro inaceitável que havia se formado, autoridades e companhias estatais tiveram de aceitar a ideia de parcerias público-privadas.
E quase todas se viram forçadas a melhorar a gestão, recuperando com isso alguma capacidade de investimento.

O governo federal, por sua vez, passou a incluir em seu orçamento dotações para o saneamento básico, além de garantir a liberação de financiamentos. Projetos que não saíam do papel voltaram a andar, daí as divergências entre técnicos e autoridades sobre o tempo necessário para se atingir índices satisfatórios de atendimento. Até o presidente Lula entrou nessa polêmica ao atribuir a si o mérito de garantir saneamento básico a populações mais pobres. É um desafio que exigirá menos discursos e mais multiplicação de esforços. Tal incumbência não pode ficar restrita apenas às atuais companhias estatais. Nessa área o Brasil precisa ousar: até o fim da próxima década, a maioria da população deveria ser atendida por fornecimento de água e ter esgotos coletados e tratados. Sem estrutura de saneamento de esgoto vivem 95 milhões de brasileiros; sem água tratada, 34 milhões. Números vergonhosos.

O Globo, 31/12/2009, Opinião, p. 6

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