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Impressões da visita ao Peru entre o passado e o presente do povo Ashaninka

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Malu Ôchoa * e Isaac Pianko **
25 de Mai de 2003

Retorno a Rio Branco após uma viagem de 10 dias ao Peru, onde acompanhei os professores Isaac Ashaninka e Rufino Sales Kaxinawá, ainda com as impressões que tivemos nesta experiência que nos foi proporcionado pelo projeto da Rede de Cooperação Alternativa do qual a Comissão Pró-Índio do Acre e a Organização de Professores indígenas do Acre participam.

Visitamos e trocamos experiências com algumas organizações indígenas desse país e principalmente com as comunidades Ashaninka da Selva Central, próximas aos rios Ene, Peneré e Tambo na província de Satipo.

A "Selva Central" é o nome como é chamada a região do Peru cujas características geográficas são de montanhas coberta de vegetação amazônica formada pelas bacias hidrográficas dos principais rios Apurimac, Ene, Tambo, Urubamba, Alto Ucayali,, Pichis, Pachitea, Paucartambo, Chanchamayo, Perené, Satipo e outros.

A floresta foi desmatada em vários locais e substituída pela implantação de fazendas de cultivo de laranjas. Coincidentemente é uma região onde estão localizados apenas os povos indígenas pertencentes à família lingüística Arawak: Ashaninka, Yine, Mashiguenga, Nomashiguenga, é a região onde povos convivem lado a lado em terras invadidas pelos chori, como são chamados os colonos imigrantes vindos da região andina.

Os povos indígenas da família lingüística arawak vêm se organizando politicamente, buscando o fortalecimento da identidade e da defesa dos seus territórios através das suas associações locais e regionais. Pois se trata de uma região que foi pressionada pelas constantes invasões. Primeiramente o enfrentamento com o exército espanhol, mais tarde os missionários franciscanos e dominicanos que foram os primeiros a formar as primeiras fazendas abrindo o caminho para a colonização. Posteriormente, pela empresa Peruvian Coorporation que dominou uma grande parcela da região e, mais recentemente pelo grupo guerrilheiro Sendero Luminoso e narcotraficantes. É uma região com história de invasão e resistência cultural. Lugar de origem e história das primeiras famílias Ashaninka que chegaram ao Brasil, onde ao se andar, vemos sempre os Ashaninka ou alguma referência e aos seus costumes, que une pela tradição os Ashaninka dos dois países.

É sobre essas impressões da viagem que o professor Isaac fala com muita profundidade, reflexão e emoção, sentimentos que o tempo todo estiveram nos acompanhando durante as visitas às duas comunidades Ashaninka, como, por exemplo, quando o Pape, liderança da comunidade Atahualpa cantou três músicas dando as boas vindas ao Isaac, ou quando o Napo professor da comunidade de São Antonio de Sonomoro quem o reconheceu como irmão, como o próprio Isaac sentiu e diz, "me receberam como Ashaninka". E para eles um Ashaninka do Brasil parecia um sonho.

Os Ashaninka de lá e os Ashaninka daqui

Essa foi minha primeira visita ao Peru, principalmente às comunidades Ashaninka que pretendia conhecer há muito tempo, conhecer como que eles trabalham, como que eles vivem. Foi muito importante porque pude afirmar nessa viagem, várias coisas que meus antepassados contavam, várias histórias que para mim eram ainda da maneira que meus avós contavam. Pensava que estava do mesmo jeito ainda, mas quando cheguei lá, comecei a conhecer as pessoas vi que existia uma diferença, existia uma mostra, uma cara que tem o povo, mas também eles têm aqueles momentos, aquelas coisas que meus antepassados contavam, que eu pensava que ainda tinham, eles tem lá como no passado também.

Não é uma coisa assim que está no dia-a-dia, principalmente a questão que meu avô contava, na época das montanhas, onde as pessoas guerreavam, tomavam caiçuma. Meu avô falava muito do Rio Perené, do Kishia, do Tamai,. e então eu vi, quando cheguei lá que tinha muitas aldeias, perto de uma grande cidade,... Eu vi que lá tinha uma diferença, que não era aquela história que meu avô contava, e as pessoas estão quase no meio da cidade, da cidade grande, aonde têm comércio, tem mercado, tem carro, tem uma série de coisas que não é do mundo Ashaninka, Mas, no mesmo instante tem muitas coisas que são do mundo Ashaninka, a questão do hábito, da comida, da bebida, da caiçuma, mas tem outras coisas fortes que eu senti que ali não tem, que é a questão do Kamarãpi,, dessas coisas tradicionais que aparece só quando cantam.. O Pape cantou duas músicas do Kamarãpi, mas parece que ele não tem o Kamarãpi, só cantam a música.

Então essa minha viagem foi muito para aprender mesmo! Para ver essa realidade, a mudança que aconteceu lá. Apesar do meu povo ter saído de lá há muito tempo atrás, nós Ashaninka do Brasil, temos totalmente uma outra cultura, é a mesma, mas em outro nível, teve uma mudança, principalmente na questão da língua.Os Ashaninka de lá, falam diferente dos Ashaninka daqui.

Na música, quando eles cantam a música, a música tem muita coisa que é parecida com a nossa fala, está mais próxima com a nossa fala do que com a do dia-a-dia deles lá, a música tem muito a ver com a nossa própria fala, isso quer dizer que no passado, tinham diferentes dialetos, era quase a mesma coisa. E hoje é diferente. Isso eu pude observar.

A mina de sal

Outra coisa também foi à história do sal, lá o espaço que meu avô contava, que tinha esse espaço, e quando ele me contava ficava muito pensativo, ele falava que iam pegar sal, que viajavam mês a mês, depois retornavam, de dois, três meses, levando o sal, e eu visitei esse lugar, e nesse lugar tem muitas coisas concretas que estão lá, caco de cerâmica. É o local onde o Napoleon contou a história, dizendo que até hoje aparecem visões,Ele acha que são os Ashaninka que já morreram, que são os antayari que tinham poder, que mesmo saindo da terra,estando em outro lugar ele volta pra pegar sal.

Então quer dizer, tem muita coisa forte assim, da história contada. Ali é um espaço sagrado também, você vê que tem uma casa lá , do pessoal, onde eles tiram sal, tem muita plantação medicinal, então, mas ao mesmo instante também, já cobriram aquele espaço de laranja, e eu pedi que não fizessem aquilo, que conservassem aquele espaço, plantassem algumas coisas tradicionais como medicina, mas não, tipo laranja, essas coisas. E isso foi uma riqueza muito grande pra mim, eu me senti muito emocionado naquele momento de estar vendo aquelas coisas que meus avós contavam, que meus antepassados contavam, então pra mim essa viagem foi muito importante.

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