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Impasse judicial impede projetos na aldeia Paranapuã em São Vicente

Diário do Litoral (Santos - SP) - www.diariodolitoral.com.br
05 de Out de 2015

O domingo estava ensolarado. O encontro de lideranças indígenas, na aldeia Paranapuã, localizada no interior do Parque Estadual Xixová, em São Vicente, havia começado no dia anterior. Era hora do almoço quando a Reportagem chegou ao local. Enquanto os mais velhos aindam faziam suas refeições, as crianças brincavam com um pequeno morcego e conversavam sorridentes na língua tupi-guarani. Em meio à paisagem verde e o canto dos pássaros, a pauta em discussão era as demandas indígenas no Brasil, sobretudo a demarcação de terras, problema que aflige diretamente aquela comunidade.

"Temos o direito garantido das terras. Dizem que não pode ter aldeia no Parque Estadual, mas os índios estão aqui há mais de 1.500 anos. Os nossos direitos estão sendo violados. Sem demarcação não se pode plantar, caçar, colher, fazer projeto e vive como? Índio não pode nada, só o branco pode. A opinião pública precisa saber da nossa situação. Índio precisa de apoio e de ajuda", desabafou o cacique Adolfo Timóteo (Verá Mirim) da aldeia Ribeirão Silveira de Bertioga, que também participou do encontro de lideranças indígenas realizado em Paranapuã. Durante a reunião foram discutidas demandas a serem apresentadas na etapa regional da Conferência Nacional de Política Indigenista, que acontece na próxima semana, em São Paulo.

A aldeia Paranapuã foi formada em 2004. Um grupo composto por mais de 60 índios guaranis Mbya e Ñadeva, oriundos das aldeias de Itanhaém, Peruíbe e Mongaguá ocuparam a área conhecida como antiga 'Praia das Vacas', no Parque Estadual Xixová. A informação, na época, e de que eles haviam sido trazidos pelo Prefeitura para participar da Encenação da Fundação da Vila de São Vicente, espetáculo que acontece anualmente nas areias da praia do Gonzaguinha, durante as comemorações do aniversário da Cidade. A ocupação foi questionada pelo Governo do Estado, que moveu uma ação de reintegração de posse. O processo ainda tramita na Justiça.

Devido ao não reconhecimento da área, os índios sofrem com as dificuldades de implantação de projetos, principalmente os de subsistência, como a agricultura. Atualmente Paranapuã abriga um pouco mais de 80 índios. As casas são feitas de barro, pau ou bambu. Não há saneamento e a água é captada em uma antiga caixa existente no local. A principal fonte de renda dos indígenas é a comercialização de artesanato, muitas vezes realizada nas calçadas do Centro da Cidade e sem o apoio da Prefeitura. Com o meio de subsistência prejudicado, o apoio surge de pessoas sensíveis a situação.

"A gente pensa em fazer muitos projetos, mas não pode porque aqui não é área demarcada. Não está nem em processo de homologação. Aqui é um parque. Onde estão os índios, está no papel que é do Estado, mas nós já estávamos aqui quando eles (os brancos) chegaram. A gente necessita da demarcação da terra. Falam que esse pedaço de chão é invadido e não foi avisado antes. Como é que o índio tem que avisar para ter um pedaço de terra?", questionou Romildo Amarandios, de 33 anos, que mora em Paranapuã há quatro anos.

Um dos principais problemas de Paranapuã é a estrutura da escola indígena. As crianças da aldeia frequentam as aulas do Ensino Fundamental, que inclui a aprendizagem das línguas tupi-guarani e portuguesa, na antiga unidade da Fundação Estadul do Bem Estar do Menor (Febem), que fica naquela área. O prédio apresenta sérios problemas estruturais e se assemelha a uma prisão. A entrega da merenda também não é feita de forma regular. Os índios disseram que é feita pela Prefeitura de São Vicente, mas a Administração vicentina disse que a distribuição da alimentação escolar naquela unidade é de responsabilidade da Secretaria Estadual de Educação.

"Pelo meu entendimento deveria construir uma escola nova. Todo mundo está vendo que está desabando isso aí. Não temos outro meio", disse Alcides Mariano Gomes, cacique da aldeia Paranapuã. As aulas da escola são ministradas por três professores da própria aldeia, que são pagos pelo Governo do Estado.

O cacique Alcides disse que o problema da aldeia é o mesmo que outras comunidades indígenas do País enfrentam: a falta de demarcação de terras. "O nosso problema maior é a nossa demarcação dessa terra, que é uma terra sagrada. Nós soubemos que no histórico nós temos esse direito e o Estado brasileiro tem que descobrir como agilizar mais depressa a demarcação. Eu me preocupo bastante com as nossas crianças. Hoje eu não tenho uma segurança mínima para os nossos filhos. Se regularizasse melhoria o setor da educação, por exemplo, o setor da saúde, melhoraria o setor da agricultura. Para nós mantermos a nossa cultura é dificil sem isso".

Para ele, o impasse sobre a regularização da aldeia deve ser discutido pela sociedade. "Achamos que tem que ter uma audiência pública. Temos que correr atrás. Para nós é importante que todos saibam". No próximo dia 20 de janeiro, Paranapuã completará 12 anos, e o maior presente, segundo o cacique seria a demarcação. "Seria uma maravilha, mas, infelizmente, a gente sabe que não é bem assim".

Sem projeto

Questionada sobre a realização de projetos de fomento a comercialização de artenasato e de apoio a cultura indígena, no Município, a Prefeitura de São Vicente se limitou a informar que "nos eventos realizados pela pasta onde há grande circulação de público, os indígenas da aldeia Paranapuã são convidados a vender seus artesanatos". A Administração disse que há casos em que a Secretaria de Cultura fornece transporte e alimentação durante o evento, e que esta situação ocorreu nas Encenações de 2014 e deste ano e no Festival Naha Matsuri.

Reintengração

Logo após a ocupação dos indígenas no Parque Estadual Xixová, em 2004, o Governo do Estado, responsável pela unidade de conservação, pediu na justiça a reintegração da área. O processo aberto contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) tramita na Justiça Federal. Em 2008, após a juíza que acompanhava o caso conceder liminar a favor da permanência dos indígenas, foi autorizada a reforma de oito casas, da casa de reza e a elaboração de estudo antropológico com vistas para as questões culturais e situação da terra. Os documentos da ação, que agora tramita em sigilo, foram encaminhados para a Advocacia Geral da União (AGU) e ainda não houve retorno.

"Já existe uma comunidade de fato, que é reconhecida pela Funai, mas não pelo Estado. Acompanho a ocupação desde o início. Lá estava abandonado. O prédio da Febem abandonado. No plano de manejo do Parque não fala da ocupação indígena, que eles estão ali. Não deixam construir escola, não deixam construir banheiro, não deixa entrar nem merenda escolar. Não deixam nada. Não é o pensamento do gestor do parque. Ele é até sensível a isso, mas da instituição, que é o de prejudicar os índios ao máximo forçando a saída deles. Só que eles desconhecem que um dos adjetivos mais fortes do povo guarani é a resistência. Quanto pior está, mais eles vão ficar", afirmou Cristiano Hutter, coordenador regional da Funai Litoral-Sudeste.

Procurada para se manifestar sobre o assunto, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente apenas disse que a Fundação Florestal informou que a Ação Civil Pública, de 2004, tramita pela 1ª Vara Federal de São Vicente e aguarda decisão judicial.

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