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Imagens e imaginário sobre a Amazônia

ComCiencia-Campinas-SP
02 de Out de 2003

Pensar na Amazônia nos remete a muitas imagens e idéias, geralmente associadas a um paraíso na Terra, a gigantescas florestas e rios, a um vazio demográfico. Uma sensação de imensidão e uniformidade, de lugares inexplorados, intocados pelo homem. Imagens, imaginários e representações que, para a pesquisadora da USP, Magali Franco Bueno, são constantemente reelaboradas a partir de idéias já concebidas, seja pela representação das "Índias" pelos europeus no século XVI e do "Paraíso na Terra" pelos viajantes naturalistas - recriadas pelos ambientalistas a partir da década de 1990 - ou pelas idéias desenvolvimentistas das décadas de 40 a 60.

"O imaginário sobre Amazônia que povoa hoje as mentes de brasileiros, ao nível do senso comum, está referido principalmente à percepção transmitida pelos meios de comunicação. Mas essas noções não são mais do que a reelaboração, por jornalistas, de concepções anteriores, algumas delas com origem também em imaginários mais remotos. A construção da Amazônia hoje se faz sobre aquela Amazônia recriada, em décadas anteriores, a partir de autores que escreveram ou produziram imagens sobre ela", diz Bueno. A idéia de Amazônia passa a ser, portanto, uma construção social imbuída de muitos significados, formados por várias vozes e sentidos que se quer dar para esse espaço. Uma região que, segundo ela, "não possui uma existência a priori", mas começa a existir "na apropriação mental e material da sociedade", dentro de uma cultura e um contexto histórico.

E são essas vozes, esses sentidos e esses contextos que a pesquisadora procura mapear em sua dissertação de mestrado intitulada O imaginário brasileiro sobre a Amazônia: uma leitura por meio dos discursos dos viajantes, do Estado, dos livros didáticos de Geografia e da mídia impressa. Nessa cartografia, a autora percorre diversas épocas da história brasileira e documentos como os diários dos naturalistas do século XVI; os livros de Euclides da Cunha e Alberto Rangel, do início do século XX; as propostas de divisão regional elaboradas pelo governo e transmitidas pelos livros de Geografia nas décadas de 40 a 60, e reportagens e imagens veiculadas em três revistas brasileiras de 1950 a 2000.

A idéia - e o próprio vocábulo "Amazônia" - não faz parte do cotidiano dos moradores da região. Em busca dessas diferentes visões - a de quem é de fora e a de quem vive na região - Bueno fez um estudo de caso na comunidade rural de Anequara, no estado do Pará, e entrevistas nas cidade de São Paulo, Belém e Manaus. E, novamente, aparece a heterogeneidade das imagens e discursos: "Assim como a Amazônia não é homogênea, tampouco é a população da região. Com toda a heterogeneidade e polifonia de discursos, pode-se fazer uma distinção entre três grandes grupos: os intelectuais, as populações tradicionais e os demais, que estão entre os dois extremos, ou seja, os grupos urbanos, pessoas que têm maior acesso à informação e, portanto, às visões de Amazônia produzidas externamente. Todos esses grupos percebem os lugares e a heterogeneidade da região, mas os intelectuais usam a noção de conjunto como uma forma possível de inserção política e de resistência", afirma.

Nesse mapeamento, a autora nota que "a Amazônia vai destacando-se do conjunto das Américas e tornando-se um dos últimos redutos a ainda aproximar-se da imagem mítica do paraíso terrestre. Na época da chegada do europeu ao Novo Mundo, todo o continente era atrativo aos aventureiros ávidos por novidades e riquezas". De acordo com a pesquisadora, "no século XIX, é a parte sul do continente - a América Latina mais especificamente - que causa curiosidade aos europeus, aos quais juntam-se, então, os norte-americanos. Mais tarde, no século XX, pode-se notar a Amazônia causando curiosidade e mesmo perplexidade aos próprios brasileiros; poder-se-ia indagar se o mesmo acontece com peruanos, bolivianos, venezuelanos, enfim, nações cujos territórios também compõem a Amazônia".

A curiosidade e perplexidade das pessoas com relação à região foram alguns dos aspectos mostrados no projeto "Olhos Negros: Compartilhando Imagens". A equipe, formada por Allan Monteiro, Pedro Castelo Branco, Coraci Ruiz, Alik Wunder e Júlio Matos, alunos e ex-alunos da Unicamp, produziu dois vídeos e uma exposição fotográfica. O primeiro vídeo traz depoimentos de alunos de diversas escolas de Campinas e São Paulo com suas idéias sobre a Amazônia e perguntas que gostariam de fazer aos moradores da região. Esse vídeo foi apresentado a diversas pessoas que moram ao longo do Rio Negro (AM), enquanto era gravado o segundo vídeo, trazendo o depoimento dos moradores dessa região após assistirem ao primeiro.

Para Alik Wunder, assim como para Magali Bueno, a "Amazônia" é mesmo uma visão de quem está de fora, uma visão que traz uma idéia de homogeneidade. A proposta do projeto era trazer um pouco da diversidade que existe na região, "Percorremos desde comunidades ribeirinhas até cidades bem urbanizadas, locais onde a questão indígena era forte, e outros [locais] onde essa questão era tão distante quanto para a gente", conta Wunder. Os vídeos, que ganharam o Prêmio Especial do Júri do II Festival de vídeo-documentário de Santa Catarina (2003), acabaram trazendo poucas imagens de floresta e animais. "Mas só percebemos isso depois, quando uma pessoa nos disse que 'havia muito pouco de Amazônia' no vídeo. Nosso foco era trazer outras representações sobre a região que não são as marcadas pela mídia, principalmente a televisiva. Normalmente, a televisão trabalha como a idéia de um local exótico, mas não mostra a diversidade daquele espaço, nem coisas muito próximas à nossa realidade, como o inchaço urbano e a poluição", completa.

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