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Igreja e índios: radicalismo à vista

Gazeta de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Onofre Ribeiro
05 de Set de 2003

Recebi ontem telefonemas de produtores de Primavera do Leste preocupados com os desdobramentos das questões pendentes com os índios das reservas vizinhas de Sangradouro e de Volta Grande. Depois dos telefonemas recebi um fax enviado por uma pessoa que não conheço, contendo um documento emitido no dia 28 de agosto último por missionários e missionárias da Diocese de Barra do Garças, intitulado "Carta da Pastoral Indigenista da Diocese de Barra do Garças aos povos Indígenas Xavante e Bororo".

O documento é contundente e reflete encontro da pastoral em Barra do Garças. Pode-se dizer que é reacionário e que se depender da Igreja, o tema indígena vai continuar produzindo conflitos com a sociedade branca, especialmente com os produtores agrícolas. Em certo trecho diz: "Temos a preocupação em defender a vida e a cultura de nossos irmãos indígenas, especialmente aqueles que vivem no território de nossa diocese, os Bororo e os Xavante". E cita as nações: Sangradouro/Volta Grande, Meruri, São Marcos, Parabubure, Areões, Pimentel Barbosa, Marechal Rondon e Maraiwatsede.

A carta chama de "aliciamento de indígenas" o projeto de arredamento de suas terras ou a plantação de grãos, com participação indígena. E cita: "Lembramos que experiências anteriores tiveram um triste fim: o aumento da dependência indígena e a desestruturação econômica e social das comunidades.(...) A lógica do capitalismo é a riqueza a partir da plantação de grãos". Cita ainda recente discussão entre o governador de Mato Grosso e chefias indígenas na aldeia de Sangradouro, a respeito do arrendamento de áreas da reserva para a agricultura. O documento condena: "O pensamento deles é que as reservas atrapalham aquilo que eles chamam de desenvolvimento".

Depois de condenar veementemente o conceito econômico da agricultura e de defender a cultura isolada dos índios, o documento diz numa veia romântica: "Achamos que as aldeias devem estudar bem essa proposta e decidir com coragem e sabedoria. Acreditamos que os séculos de experiência das populações indígenas têm mostrado que o verdadeiro desenvolvimento é a busca da partilha, da generosidade, da solidariedade. Para que alguém ter muito dinheiro e não poder nadar, pescar, ter animais para caçar, água pura para beber, nem realizar seus rituais? Será que destruir os recursos naturais arrendando as terras ajudaria o verdadeiro desenvolvimento dos povos indígenas e suas culturas? (...) Será que em cidades como Primavera do Leste, Água Boa, Canarana, Nova Xavantina e outras, todos os "não-índios" participam da riqueza gerada pelos grãos?".

A conclusão dos documento diz: "no nosso entendimento, a verdadeira solução para os problemas vividos pelos povos indígenas não são projetos de integração e exploração de seus recursos naturais de acordo coma lógica capitalista. Se o governo do Estado quer mesmo ajudar os Xavante, que peça para o Ministério da Justiça mandar a Funai fazer seu serviço, que é defender a terra dos povos indígenas e defender os povos indígenas de falsos projetos. Que a Funai volte a organizar a plantação tradicional que os Xavante já fazem com seus tratores, plantações de acordo com os interesses de cada aldeia, cada comunidade, cada cacique. Que a Funai consiga sementes, combustível e garanta a manutenção para os tratores".

O que se percebe do documento pastoral é que, a depender da posição religiosa, que tem muito peso sobre as atitudes dos índios, os conflitos com Estado, municípios e produtores tendem a crescer, porque à Igreja interessa manter a tutela forte e não deixar margem para as nações indígenas decidirem seus rumos e, quem sabe, tentarem sair da miséria atual mendicância indigna em que estão vivendo na região do Araguaia e, de resto, em todo Mato Grosso.

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