VOLTAR

Igreja cobra homologacao de reserva

A Crítica, Cidades, p. C6
01 de Abr de 2004

Igreja cobra homologação de reserva
Arcebispo de Manaus condena demora na homologação de Reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima, e de outras na Amazônia

Gerson Severo Dantas
Da equipe de A Crítica

O arcebispo metropolitano de Manaus e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), regional Norte 1, dom Luiz Soares Vieira, condenou ontem a demora na homologação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, uma faixa de 1,7 milhão de hectares no Norte do Estado de Roraima. "0 Governo Federal precisa resolver esse problema, pois o decreto de homologação sairia em dezembro, mudou para janeiro e já estamos no fim de março e nada acontece", cobra.
Para o arcebispo, a falta de coragem do Governo Federal em homologar a terra em área contínua, como querem os indígenas ligados ao Conselho Indigenista de Roraima (CIR), está criando uma tensão desnecessária no Estado.
"As manifestações agressivas registradas em janeiro são o resultado lamentável da falta de iniciativa do governo, que há cinco anos vem retardando a homologação por força da pressão exercida por grupos econômicos e políticos contrários aos direitos dos povos indígenas", lamenta dom Luiz, referindo-se a um movimento organizado por rizicultores, grupos econômicos de Boa Vista e índios contrários à aprovação da reserva com efeitos jurídicos.
Durante essas manifestações, o padre amazonense Ronildo França, o padre colombiano Cesar Avellaneda e o missionário espanhol João Martinez foram seqüestrados e mantidos em cativeiro por três dias na aldeia de Contão, no Município de Uiramutã (a 320 quilômetros de Boa Vista). Além do seqüestro, os manifestantes invadiram os prédios da Fundação Nacional do índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e ainda fecharam todas as estradas federais e estaduais de Roraima.

AMAZONAS
Em nota oficial da CNBB/Norte 1 dirigida à imprensa, dom Luiz Soares Vieira lamenta que a inércia do Governo Federal também afete povos indígenas do Amazonas, onde quatro reservas aguardam a edição de portarias declaratórias e outras 16 esperam por homologação. Para a maioria dessas terras já existem recursos disponíveis no orçamento da União visando ao cumprimento das formalidades administrativas e, por isso, a CNBB/Norte 1 estranha a demora para colocar em prática simples atos administrativos. "Não aceitamos essa situação em virtude dos riscos que correm os indígenas da Raposa/Serra do Sol e da Amazônia, ao mesmo tempo em que conclamamos a todos os segmentos organizados da sociedade a solidarizar-se com estes povos", diz a nota assinada pelo arcebispo.

Para entender o caso
Nome: Reserva indígena Raposa/Serra do Sol
Localização: 1,7 milhão de hectares, estendendo-se desde a aldeia Raposa, no Município de Normandia, até a Serra do Sol, no Município de Uiramutã, em Roraima
Grupo indígenas que vivem na área: Macuxi, Uapixana, Taurepang, lngaricó e Patamona. São estimados em 15 mil
HISTÓRICO:

1988 - A Constituição Federal garante aos índios o direito à terra tradicionalmente ocupada por eles;
1992 - A Funai inicia os estudos visando definir os limites da área;
1994 - A empresa contratada pela Funai encerra os estudos e define os limites da Raposa/Serra do Sol propondo a demarcação de 1,7 milhão de hectares em terras contínuas;
1998 - O ministro da justiça do Governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Renan Calheiros, edita a portaria 820 reconhecendo a demarcação da Raposa/Serra do Sol;
2003 - O atual ministro da justiça, Márcio Thomaz Bastos, anuncia em dezembro que o Governo Federal vai homologar a Raposa/Serra do Sol em área contínua, como proposto na portaria de Calheiros;
2004 - Rizicultores, grupos econômicos e políticos de Roraima e indígenas, estimados pelo CIR em menos de 20% do total, contrários à homologação em área contínua paralisam o Estado por uma semana, protestando contra o anúncio feito por Thomaz Bastos. Eles fecham estradas, seqüestram três religiosos e ameaçam um grupo de estudantes manauenses que estava na missão Surumu;
- Câmara e Senado organizam comissões para estudar a homologação.
A maior parte dos parlamentares que foi a Roraima se posiciona contra a homologação. Eles sugerem a homologação em ilhas, com a preservação do Município de Uiramutã e das áreas usadas hoje por rizicultores grileiros;
- O Conselho Indigenista de Roraima e a CNBB/Norte 1, em março, defendem que a homologação é um ato meramente administrativo e não cabe alteração na portaria editada por Renan Calheiros em 1998.

Entrevista / Francisco Loebeins
Indigenistas enfrentam luta árdua

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Conselho Indigenista de Roraima (CIR) enfrentam uma luta árdua em defesa da homologação da terra indígena Raposa/Serra do Sol. Os missionários, sobretudo os da ordem Consolata, sofrem em Boa Vista com o "pão que o diabo amassou", pois atraíram a ira dos grupos econômicos e de parte da população do Estado. Nesta entrevista, o coordenador do Cimi, Francisco Loebeins, defende a liberação da área contínua e fala sobre incompatibilidade e a inconstitucionalidade de se discutir homologação em ilhas.
Missionários atraíram a ira de grupos econômicos

A CRÍTICA A demora na homologação prejudica os indígenas?

Francisco Loebeins - A indecisão permite a leitura de que a negociação sobre os limites ainda está aberta, o que não é verdade porque passamos dessa fase em 1998, com a edição da portaria do Ministério da justiça reconhecendo os limites da Raposa/Serra do Sol. 0 decreto de homologação, por sua vez, é um mero ato administrativo do presidente da República reconhecendo que a demarcação física, no chão, foi feita de acordo com o estabelecido na portaria. Essa indecisão também acirra os oânimos e, hoje, há muita pressão sobre os índios para que aceitem a invasão das terras que já são reconhecidamente deles.

AC - Quais os entraves para que a decisão seja tomada?

FL - São dois. 0 primeiro são os arrozeiros, em número de sete, que se instalaram na área em 1994, quando os limites já eram conhecidos. Portanto, foi um ato de má-fé visando a tomada da terra indígena. 0 segundo entrave foi a criação do Município de Uiramutã, em 1996, também em data posterior à definição dos limites da reserva. Nesse Município existem 27 famílias de não-índios que, portanto, conforme a discussão interna deles, poderiam ter de sair. O restante da população fica. Essas 27 famílias, basicamente, são compostas por funcionários da Prefeitura.

AC - A vida dos indígenas em Raposa/Serra do Sol é incompatível, por exemplo, com a produção de arroz e a existência de Uiramutã? Lembro aqui do caso da reserva uaimiri-atroari, no Amazonas, onde empresas como a Paranapanema, exploradora da mina de Pitinga, e a Eletronorte, dona da Usina Hidroelétrica de Balbina, pagam royalties aos índios pelo uso da terra.

FL - São casos diferentes. Na Raposa/Serra do Sol, por exemplo, a atividade dos arrozeiros gera impactos ambientais devido ao uso de agrotóxicos. Nesse sentido, não há possibilidade de ficarem dentro da reserva. Essa presença também gera um problema para o modo tradicional de vida dos índios, que têm o direito de se desenvolver dentro de um projeto próprio e não com a imposição de um outro modelo econômico que os pressiona a mudar o estilo. E bom dizer também que, com a homologação, os índios não deixarão de ser brasileiros, e assim vão precisar do Governo de Roraima. 0 fato de eu comprar uma fazenda não tira de mim a condição de morador de um município ou de um Estado, isso é um absurdo. Os índios vão continuar sendo cidadãos e interagindo com a sociedade, só não vão produzir nessa forma de acumulação capitalista que muitos querem.

AC - E a incompatibilidade da vida indígena com a existência da cidade de Uiramutã?

FL - Manter o Município, onde apenas 27 famílias não são indígenas, será uma insensatez. Não é solução, pois cria um problema permanente. À medida em que os limites urbanos da cidade crescem, isso sera feito dentro de área indígena, o que não pode acontecer.

AC - E a presença militg área? O Exército tem batalhão de fronteira ina do em Uiramutã...

FL - A presença de militares em área indígena ainda não regulamentada por lei complementar.O problema não é presença em si, mas sim a falta de critérios. O princípio colocado pelo Exercito é o da segurança nacional e o da proteção das fronteiras, mas isso não é suficiente No rio Negro, por exemplo, o problema não é a presença, mas falta de cuidado no contato. Nessa área, por exemplo, são mais de 130 índias mães-solteiras pedindo na justiça a concessão de pensão alimentícia de militares. O abuso sexual é um problema real.

A Crítica, 01/04/2004, Cidades, p. C6

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.