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Ideologias e interesses alimentam a polemica dos transgenicos

OESP, Geral, p.A12-A13
07 de Mar de 2004

Ideologias e interesses alimentam a polêmica dos transgênicos No momento em que o Senado analisa o projeto da nova Lei de Biossegurança, aumenta a pressão de empresas, organizações não-governamentais (ONGs), cientistas, agricultores e políticos interessados na liberação - ou proibição - dos trangênicos no Brasil.
Na frente de batalha, estão a Monsanto e o Greenpeace. Respectivamente, a empresa multinacional que inventou e domina o mercado mundial de transgênicos e a ONG multinacional que se opõe a eles em todas as instâncias. Ambas dizem ter a ciência do seu lado. As ONGs, entretanto, levam vantagem na opinião pública. Segundo uma pesquisa, 37 % das pessoas confiam mais em organizações ambientalistas para falar sobre biotecnologia, contra 33 % que acreditam mais nos cientistas.

Ambientalistas levam campanha para dentro do Ministério do Meio Ambiente
HERTON ESCOBAR
Organizações ambientalistas e de defesa do consumidor estão convencidas de que não há, no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, qualquer estudo que comprove a segurança dos transgênicos. O movimento contra os organismos geneticamente modificados (OGMs) no País é liderado pelo Greenpeace e pela Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, que conta com a participação de 85 entidades não-governamentais. Entre elas, a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA), o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e Movimento dos Sem-Terra (MST), além do próprio Greenpeace.
Com o início do governo Lula, ativistas também ganharam força no Ministério do Meio Ambiente (MMA), com a ocupação de cargos-chave para o licenciamento e a regulamentação de produtos transgênicos. No topo da hierarquia, está a ministra Marina Silva, que, quando senadora, já defendia uma moratória de cinco anos para os OGMs. A Secretaria de Qualidade Ambiental foi ocupada por Marijane Lisboa, que por vários anos coordenou a campanha antitransgênicos do Greenpeace.
A Secretaria de Biodiversidade e Florestas ficou a cargo do biólogo ambientalista João Paulo Capobianco, enquanto a gerência do Projeto de Recursos Genéticos passou para o geneticista Rubens Nodari, um acirrado crítico dos transgênicos. Nodari também assumiu o posto de representante do MMA na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Ele já havia tentado entrar na comissão como pesquisador, mas, segundo ex-integrantes, teve o currículo recusado por falta de trabalhos publicados sobre o tema.
Nodari e Marijane foram procurados pelo Estado, mas a assessoria do MMA informou que eles não dariam entrevista.
Outra das principais lideranças da campanha contra os transgênicos goza de intimidade no MMA: o americano David Hathaway, assessor da ASPTA e, mais recentemente, tradutor oficial da comitiva do presidente Lula nos Estados Unidos e na Índia.
É diante desse lobby que muitos cientistas e empresas acreditam ser impossível aprovar qualquer transgênicos no Brasil. Apesar de defenderem o "princípio da precaução", a posição dos ambientalistas é vista como ideológica. Uma evidência seria o documento intitulado Visão Geral da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos, incluído no voto da juíza Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal de Brasília, que acatou a liberação da soja transgênica.
O texto coloca como objetivo da campanha: "Impedir o cultivo e o consumo de OGMs no Brasil", acrescentando que, "a médio prazo, será necessário estabelecer uma lei específica dificultando a produção e o consumo de OGMs no País". Mais adiante, o documento destaca que "a continuação do sucesso na batalha jurídica depende da manutenção do impedimento (aos transgênicos), bem como da influência na forma como o Ministério do Meio Ambiente está implementando a avaliação do impacto ambiental de OGMs".
Um assessor do Greenpeace disse que o texto não é um documento oficial da campanha.
"Nossa posição não é ideológica, mas científica", garante a engenheira agrônoma Flávia Londres, assessora técnica da ASPTA. "Os OGMs que estão no mercado hoje não trazem nenhum benefício a longo prazo para a sociedade e, por outro lado, apresentam uma série de riscos que não foram devidamente avaliados. Diante de tanta divergência, é preciso prezar pela cautela."
Flávia contesta, inclusive, o posicionamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), que considerou os alimentos transgênicos tão seguros quanto os convencionais.
A assessora considera que a aprovação inicial dos transgênicos pela Administração de Drogas e Alimentos dos EUA (FDA) foi baseada em motivos políticos, e não científicos, por força de lobby da Monsanto. Opinião compartilhada por David Hathaway: "A FDA avaliou politicamente, não cientificamente." Por isso, diz ele, a avaliação de transgênicos no Brasil deveria ser feita por todos os ministérios competentes, e não apenas pela CTNBio.
Apesar do que dizem geneticistas e biólogos moleculares, Hathaway, que é economista, considera impossível prever os efeitos que o gene introduzido nos transgênicos poderá ter no ambiente e na saúde humana.
Em entrevista ao Estado no ano passado, a coordenadora internacional da campanha antitransgênicos do Greenpeace, Isabelle Meister, deixou claro que a organização não só exige mais estudos, mas é contra a introdução de todo e qualquer transgênico no meio ambiente - também por considerar seus efeitos imprevisíveis. Em lugar da biotecnologia, as ONGs pedem o fortalecimento de práticas agroecológicas, como a agricultura orgânica.

Empresas aguardam por liberação para explorar o lucrativo mercado brasileiro
Além da Monsanto, várias outras empresas multinacionais - e nacionais - desenvolvem projetos de pesquisa com plantas transgênicas no Brasil. Entre elas, gigantes da indústria química como DuPont, Novartis, Bayer e Basf, que, nos últimos anos, compraram empresas de biotecnologia e sementes. Desde a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em 1996, foram aprovadas no País centenas de experimentos de campo com transgênicos, envolvendo mais de 20 empresas e universidades. E três delas - Monsanto, Novartis e Bayer - têm pedidos pendentes para liberação comercial de variedades modificadas de milho e algodão.
A indústria aguarda ansiosamente por um projeto de lei que viabilize a comercialização dos transgênicos - porta de entrada da biotecnologia para o lucrativo mercado brasileiro de grãos. Só a soja movimentou no ano passado no País cerca de US$ 12 bilhões em produção e exportação. E o milho, US$ 4,6 bilhões. "O setor agrícola brasileiro é muito atraente para todo mundo", diz o consultor de biotecnologia da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) Nivaldo Carlucci. "Quem quer crescer nesse mercado não pode ficar fora do Brasil."
Assim como os ambientalistas têm uma aliada na ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, produtores e empresas contam com o apoio do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, empresário agrícola e ex-presidente da Associação Brasileira de Agribusiness, que apóia a tecnologia.
A Monsanto, principal empresa do mercado e a única com um produto já aprovado no Brasil - a soja Roundup Ready (RR) -, é quem mais perde com o imbróglio jurídico e político atual. A multinacional sofre, inclusive, a pressão de agricultores americanos, que - sabendo do plantio ilegal de soja transgênica no País - reclamam da perda de competitividade frente aos brasileiros, que não pagam royalties sobre as sementes piratas.
E além de enfrentar a oposição ferrenha de ambientalistas, vive uma relação de amor e ódio como seus concorrentes. A soja RR é resistente ao glifosato - principal herbicida da empresa -, o que permite que esse único produto seja usado sobre toda a lavoura para o controle de ervas daninhas, em lugar de vários outros venenos (de outras empresas) que precisam ser aplicados separadamente. Nesse caso, lucro para o produtor - que passa a usar menos - significa prejuízo para a indústria de agrotóxicos - que passa a vender menos.
No Brasil, dados da consultoria Kleffmann & Partner indicam que, entre 1998 e 2003, o consumo de herbicidas de Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e Dow caiu 42% para a soja no Rio Grande do Sul, enquanto o de glifosato cresceu mais de 10%. O produto é comercializado no Brasil por mais de 15 empresas, mas a Monsanto, dona da marca mais consolidada (a Roundup) e única fabricante do princípio ativo no País, abocanha 50% do mercado.
As outras principais culturas transgênicas no mercado são o milho Bt e o algodão Bt, que são resistentes ao ataque de insetos e, portanto, também reduzem a necessidade de defensivos químicos. Mesmo assim, o mercado mundial de agrotóxicos ainda é muito mais atraente do que o de transgênicos: cerca de US$ 30 bilhões ante US$ 4,5 bilhões, respectivamente. Mas, sem produtos para competir de imediato com a Monsanto, outras empresas chegaram a ser acusadas de financiar as campanhas de ONGs contra os transgênicos.
No Brasil, a polêmica é alimentada por um e-mail de 1998 no qual o ativista David Hathaway organizava o movimento de oposição à soja RR, que na época era analisada pela CTNBio. A carta termina com uma frase polêmica: "Taí um outro desafio - como atrair os produtores nacionais de agrotóxicos para apoiarem esta questão, sem nos comprometer?" Um dos muitos destinatários da mensagem era Marijane Lisboa, então ativista do Greenpeace e hoje secretária do Ministério do Meio Ambiente.
Procurado pela reportagem, Hathaway disse que o e-mail é verdadeiro, mas que a parceria com a indústria nunca se concretizou. "Você tem de procurar todas as possibilidades de juntar aliados", justificou. "Eu e as empresas podemos andar no mesmo sentido, mas não necessariamente de braços dados." De qualquer maneira, disse, "as empresas de agrotóxicos e transgênicos hoje são a mesma patota".
Segundo representantes do setor, abraçar a biotecnologia foi a maneira de se manterem competitivos. "É uma substituição natural de produtos. Estamos fazendo com a genética o que antes só fazíamos com a química", afirma Goran Kuhar, gerente de biotecnologia para América Latina da Pioneer, empresa de sementes comprada pela DuPont. "A indústria trabalha para desenvolver ferramentas que aumentem a produtividade e facilitem a vida do agricultor. E a biotecnologia é justamente isso", completa Carlucci, da Andef. (H.E.)

OESP, 07/03/2004, p. A12 e A13

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